10/09/2011
As formas de resistência política
e cultural têm se modificado muito nos últimos anos, principalmente quando se
observa sua relação com as novas tecnologias, em especial as de informação e
comunicação. Seja como um meio para organizar novas formas de resistência, ou
como alvo de crítica, a tecnologia imiscuiu-se na questão tornando os cenários
e as ações mais complexas. Nas recentes manifestações públicas na Europa e no
Oriente Médio, por exemplo, redes sociais ou a comunicação entre celulares
foram amplamente citados pela imprensa como um meio de organização das formas
de resistência.
É diante desse cenário que se torna importante recuperar alguns
dos trabalhos do coletivo Critical Art Ensemble (CAE), composto por cinco
profissionais de mídia tática (fotografia, webdesign,
computação gráfica, entre outros) que, desde 1987, tem produzido trabalhos
artísticos e livros sobre a relação entre tecnologia e poder. Mas, antes de
apresentar alguns desses trabalhos, é necessário informar ao leitor o que o próprio
grupo define como mídia tática e, em grande medida, como se autodefine.
Isso está contemplado em um dos livros do
próprio grupo que busca situar seus trabalhos nas fronteiras entre ativismo,
arte e tecnologia (como tema e como suporte). Digital resistance,
de 2001, argumenta que, por muitas décadas, tem existido uma prática cultural enraizada
no avant-garde, no alto valor da
experimentação e no envolvimento indissolúvel entre representação e política.
Os participantes dessa corrente cultural não são artistas e não são ativistas
políticos em nenhum sentido tradicional. Para o grupo, o universo em que essa
manifestação cultural eclode é o da mídia tática, cujo termo consiste na
teorização crítica das práticas da mídia. A obra trata essa nova forma de
manifestação e aborda, em suas páginas, teorias documentais e vestígios da
mídia tática em que o grupo procura não representá-los como um modelo, mas como
uma série de possibilidades.
No conjunto dos seis livros já publicados e disponíveis na
internet, o grupo observa os principais motores da sociedade contemporânea e
constata que, atualmente, há inúmeras formas de opressão, dominação e
resistência e que a tecnologia pode ser uma ferramenta em todos esses casos.
O primeiro livro do grupo The eletronic disturbance
data de 1993, mas só foi publicado no Brasil em 2006, como Distúrbio eletrônico, pelo selo Baderna, da Editora Conrad. Nele, o
coletivo anunciava – ainda durante os primeiros passos da internet – que as regras da resistência política e
cultural tinham mudado drasticamente. O CAE sinaliza, nesse trabalho, a
tecnologia como alvo de crítica, na medida em que entende o desenvolvimento da
computação e do vídeo criou uma nova geografia das relações de poder no
primeiro mundo: as pessoas foram reduzidas a dados, a vigilância passou a se dar
em escala global, e as mentalidades foram moldadas para uma nova realidade. A
nova geografia é virtual e o núcleo da resistência política e cultural deve se
afirmar no espaço eletrônico, apontando a tecnologia como meio de organização
da resistência.
Eles afirmam, na obra, que sempre houve uma ideia do que
seria o virtual, apesar dela ter se constituído inicialmente a partir de um
certo “misticismo”, de um pensamento analítico abstrato ou de uma fantasia
romântica. O que tornou possível os conceitos e ideologias do virtual é que
esses sistemas pré-existentes de pensamento se expandiram e se manifestaram no
desenvolvimento e entendimento da tecnologia.
Já em Electronic civil disobedience
lançado três anos depois (1996), o grupo continua a explorar o mesmo território
que a primeira obra desbravou, mas passa a tratar a noção de poder nômade
(entendido como dominação) e sugere, como contrapartida, ou oposto simétrico e
deslocalizado, a ideia de resistência nômade. Em suma, o CAE retoma a
possibilidade de uma resistência racionalizada, mas amplia essa posição
tradicional para manter a dinâmica social nômade,
ou seja, como algo que não é fixo, que está em movimento constante, e que tem
um caráter mais espontâneo surgindo como um motor paralelo de resistência.
Nesse contexto, fica claro que, essa nova cultura ativista que vemos na
atualidade, busca se organizar fora da existência, ou pelo menos, num ponto em
que ela não pode ser vista ou não fique aparente.
A temática mais direta desses
dois primeiros livros – que em grande
parte encontra pontos de contato com a computação, ou as atuais redes sociais
ou tecnologias de informação e comunicação – está bem menos presente nos
trabalhos seguintes. Ou, para ser mais exata, não está presente de forma
direta.
Assim, se no primeiro livro (1993), a resistência deve ser
afirmada no espaço eletrônico, e nômade ou deslocalizada, no segundo livro
(1996), ela deve ser molecular, ou seja, deve se dar no nível mesmo do
conhecimento dos sistemas, naquilo que é mais ínfimo.
Nos últimos cinco anos que
antecederam o livro Molecular invasion, escrito em 2002, o Critical Art Ensemble realizou performances que criticam a
representação, os produtos e as políticas relacionadas a biotecnologias
emergentes. Seguindo essa mesma trilha, o grupo examina, nesse livro, como
utilizar o velho capital representativo com o propósito de aumentar a consciência
para criar um modelo que possibilite uma outra biologia. O CAE, ao escrever
essa obra, tinha como objetivo contribuir para o desenvolvimento de formas cada
vez mais complexas de retardar, desviar, subverter e perturbar a invasão
molecular por meio da apropriação radical do conhecimento dos sistemas, dos
produtos e processos desenvolvidos por potencias do que eles nomeiam como imperialismo.
Em 2006, o Critical Art
Ensemble escreveu sua última obra disponível na internet: Marching plague. Nela, o coletivo sinaliza que o uso de símbolos abstratos para o medo sempre
se deu como um meio para justificar e manifestar a mais perversa necessidade de
autoridade militar e apagar as autonomias individuais. Como exemplo, é citado o
atentado ao World Trade Center, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2011.
Para eles, posteriormente a esse evento, passou a reinar o medo como uma
unidade fundamental da política, da economia e da área militar. Sobre isso, a
opinião do CAE é simples. O grupo argumenta com uma metáfora, na qual a
preparação para uma guerra biológica é um eufemismo para o desenvolvimento de
uma guerra e da militarização biotecnológica da esfera pública.
Marching plague, conclui assim, com um apontamento de novas
estratégias de dominação (a militarização biotecnológica da esfera pública), uma
coletânea de seis livros recheados de metáforas e analogias sobre a resistência,
colocando sempre em primeiro plano a problematização das tecnologias e a
crítica a todo tipo de dominação. As seis obras do Critical Art Ensemble estão
todas disponíveis na internet, incluindo o livro Flesh machine, não tratado nesta resenha: http://www.critical-art.net/books.html
Electronic disturbance Ano: 1993 Nº de páginas: 136
Electronic civil disobedience Ano: 1996 Nº de páginas: 135
Digital resistance Ano: 2001 Nº de páginas: 152
Molecular invasion Ano: 2002 Nº de páginas: 140
Marching plague Ano: 2006 Nº de páginas: 148
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