A
discussão sobre o papel do homem como agente geológico vem sendo um
tema muito polêmico freqüentemente tratado de forma pontual e
desprovido de uma visão sistêmica. Entendemos que este caráter de
agente geológico que estamos atribuindo a ele é o resultado da
necessidade permanente da apropriação dos materiais, da
transformação das paisagens e é marcado por um intenso dinamismo.
A relação do homem com o meio deve ser compreendida dentro de uma
visão multidisciplinar, ser valorizada e incorporada nas políticas
públicas e, principalmente, nos programas de governo dos candidatos
a cargos majoritários nas três esferas da administração pública.
Nas grandes cidades o processo de urbanização
vem sendo marcado e consolidado pela ausência de políticas públicas
que priorizem o planejamento urbano, sejam pautadas por uma gestão
racional e inteligente e que valorizem mais o aspecto técnico em
detrimento do político. Somados a este contexto, a exclusão social
induz um grande contingente populacional a implantar suas moradias em
locais que não reúnem as mínimas condições para este
assentamento constituindo, assim as áreas de risco.Todos estes
aspectos relacionados à ação antrópica e somados aos fenômenos
naturais, em especial dos eventos pluviométricos atípicos, resultam
em uma série de riscos geológicos e hidrometeorológicos, que
ganham destaque nos períodos de maior precipitação, a exemplo do
que estamos vivendo neste verão 2009-2010 marcado por um grande
número de vítimas fatais.
Antes da discussão sobre riscos é importante
a abordagem de alguns aspectos que estão norteados por dispositivos
legais existentes e que estão relacionados à gestão das cidades e
constituem um instrumento preventivo e pró-ativo no gerenciamento
urbano e conseqüentemente dos riscos. Trata-se do Estatuto das
Cidades que foi promulgado em 2001 e constitui mais um instrumento
importante para a política de planejamento urbano ao exigir dos
municípios com mais de 20 mil habitantes a obrigatoriedade de
elaboração e implementação dos Planos Diretores Municipais.
Muitos especialistas destacam que a grande maioria destes planos ao
enfocarem e nortearem o processo de expansão urbana deveriam
incorporar aspectos importantes sobre as características e
comportamento das diferentes feições geológicas e geomorfológicas.
Assim, faz-se necessário e urgente que todos os planos diretores
sejam precedidos pela Carta Geotécnica ou incorporem as informações
sobre o meio físico que este documento técnico apresenta.
Quando falamos de risco, estamos nos referindo
à condição potencial para a ocorrência de um acidente que é
caracterizado pela possibilidade de danos causados por eventos
físicos, fenômenos da natureza ou atividade humana, que podem
resultar em perdas de vidas ou ferimentos, danos à propriedade,
rupturas sociais e econômicas e degradação ambiental. É muito
importante entendermos que os fenômenos naturais não são riscos,
eles tornam-se riscos como conseqüência da ação e interferência
do homem, que muitas vezes é fruto do processo de exclusão social
e, principalmente, pela ausência de políticas publicas permanentes
e preventivas que envolvam toda a máquina municipal.
Como riscos geológicos consideramos todos os
fenômenos terrestres naturais associados a processos internos, como
terremotos e atividades ou emissões vulcânicas, ou externos com
destaque para os escorregamentos. Quanto aos riscos
hidrometeorológicos estes são decorrentes de fenômenos causados
por processos naturais ou fenômenos de ordem atmosférica e
hidrológica, onde destacamos as inundações e alagamentos.
Como as grandes cidades estão cada vez mais
vulneráveis a esses riscos torna-se necessária à adoção de
políticas públicas que priorizem ações preventivas e a
implantação de um gerenciamento permanente através da elaboração
e implantação de Planos Preventivos de Defesa Civil. Dentre os
diversos objetivos deste plano destacamos a redução ou minimização
dos efeitos e conseqüências desses riscos sobre a população.
Para efetivação desse gerenciamento e
necessária uma abordagem que deve ser baseada em dois eixos de ação:
prevenção e preparação. Neste modelo de abordagem devem ser
adotados procedimentos que passam pela identificação de riscos,
análise e mapeamento; adoção de medidas de prevenção;
planejamento para situações de emergência, informações públicas
e treinamento e envolvimento da população.
Com relação ao gerenciamento dos riscos
geológicos, os municípios, além dos cuidados com outros riscos
ambientais, devem desencadear em caráter permanente uma série de
ações como o controle do uso do solo, como forma de evitar o
surgimento de novas áreas de risco, e o mapeamento das áreas
potencialmente de riscos como forma de balizar e subsidiar outras
ações como o monitoramento permanente; intervenções estruturais,
como obras de contenção ou pequenas intervenções de drenagem e
proteção contra erosão, e até a remoção das famílias dos
setores onde o risco é alto e eminente.
Dentro dos riscos hidrometeorológicos, temos
as enchentes/inundações que, apesar de ocorrem nos grandes centros
urbanos e mesmo em áreas não urbanizadas, estão associadas a
eventos pluviométricos decorrentes de processos naturais que são
influenciados na sua magnitude pela interferência antrópica.
Assim, para compreendermos sua causa devemos entender o quanto o
homem modificou a dinâmica de circulação das águas na medida em
que no processo de urbanização das cidades privilegiou a
impermeabilização do solo; interferiu nos sistemas de drenagens;
ocupou as várzeas e fundos de vale e desprezou toda a as
características e fragilidades das bacias hidrográficas.
Nas enchentes/inundações as intervenções
públicas, que rotineiramente surgem como uma resposta para a
população, seguem na linha de obras de canalização e construção
de piscinões (reservatórios de retenção), além do eterno
processo de desassoreamento. Com relação ao desassoreamento,
trata-se de uma ação rotineira que deve ser reavaliada, pois na
essência ataca a conseqüência do problema, que é a remoção do
sedimento depositado na drenagem/piscinão, e deixa de lado a origem
do problema, que é a produção/origem do sedimento, a partir de
processos erosivos instalados na bacia.
Este quadro reforça o fato de as
enchentes/inundações, a exemplo de alguns discursos ou de mudanças
climáticas significativas, jamais deixarão de ocorrer, pelo
contrário tenderão a agravar-se, e deverão ser também ser
tratados de forma racional, sistêmica e acima de tudo preventiva
merecendo uma inversão no seu foco, ou seja, deixando de tratar a
drenagem e passar a tratar a bacia.
Ainda dentro do gerenciamento dos riscos, sejam
geológicos ou hidrometeorológicos, torna-se importante à
informação pública, o estabelecimento de sistemas de alerta e
ações que fomentem o envolvimento e comprometimento da comunidade
que deve estar permanentemente capacitada a cerca dos riscos a que
estão submetidas. Este trabalho, de caráter educativo/informativo,
tem como objetivo principal propiciar aos moradores das áreas de
risco um entendimento da dinâmica dos processos e compreensão de
como deve se dar uma ação antrópica positiva, de forma a evitar
e/ou minimizar a magnitude dos eventos, ou mesmo estar organiza para
uma atuação integrada com o poder público nos momentos adversos.
Assim, fez-se necessário que os governantes
passem a priorizar ações que fortaleçam uma visão técnica
pautada pela racionalidade dos processos e por ações preventivas,
além da incorporação de documentos técnicos como a Carta
Geotécnica, Planos de Bacia, Planos Diretores Municipais e Planos
Preventivos de Defesa Civil-PPDC, além da articulação de toda
maquina pública dentro das respectivas competências. Neste olhar as
políticas públicas ganham força e devem modificar um quadro
centrado em intervenções estruturais e gerenciamento de
conseqüências para uma situação de enfrentamento dos riscos e
ações pró-ativas, onde destacamos o fortalecimento das estruturas
de Defesa Civil e sua integração dentro de todos os setores da
administração pública.
Devemos entender que o fortalecimento das
estruturas e instituições não passam somente por recursos
financeiros e materiais, passa pela contratação, capacitação e
valorização de recursos humanos que possam e estejam legitimados
para atuar na busca e implementação de alternativas de
gerenciamento, mitigação de riscos e de muitos processos que hoje
estão gerando grandes transtornos à população e desgastes
políticos, sem entrarmos no mérito da economia de recursos públicos
e da importância e do valor da preservação e manutenção da vida.
Ronaldo Malheiros Figueira é geólogo,
professor e coordenador do curso de Geografia do Centro
Universitário Sant’Anna e Presidente do Sindicato dos Geólogos no
Estado de São Paulo.