A paternidade é uma fase bastante impactante para o homem, na qual ele precisa aprender a lidar com muitas e diferentes emoções. Essa nova experiência pode implicar em construções e reconstruções do papel de pai, que é melhor estabelecido quando há participação ativa no desenrolar da gravidez da companheira1.
Esse assunto tem se tornado uma questão importante na política social de alguns países, principalmente quando se trata de pais adolescentes. Estes pais enfrentam situações que estão diretamente ligadas à idade, como o desenvolvimento psicológico, material e emocional , em geral, estão mal preparados para as demandas colocadas pela paternidade2.
A paternidade na adolescência, especificamente, demanda muita orientação acerca dos papéis e tarefas a serem desenvolvidos, pois é uma fase na qual a identidade ainda está em formação e, além disso, a pessoa estará experienciando um duplo papel, o de adolescente e o de pai, concomitantemente3. Nesse contexto, é indispensável olhar as relações sociais, a fim de dar visibilidade às necessidades vivenciadas.
Acredita-se que o adolescente necessita receber apoio tanto dos familiares e amigos, quanto dos serviços de saúde, para que possa experienciar a paternidade de forma mais ativa. Na paternidade na adolescência, a família é considerada o principal apoio, pois é nela que ocorrem as interações e as experiências mais significativas para a pessoa. A família é responsável por conduzir o adolescente à compreensão de conceitos e valores básicos, ao engajamento na realização de tarefas e ao seu papel social4.
O adolescente que vivencia a paternidade nessa fase, marcada por mudanças psicológicas, físicas e sociais e frequentemente acompanhada por dúvidas, anseios, conflitos, comumente sofre com a ambivalência das consequências de ser pai e de ser adolescente, prinicipalmente se não tem uma rede de apoio efetiva.
Diante do exposto, desenvolvemos um estudo que propôs a seguinte questão: qual a percepção do adolescente frente ao novo papel de pai? Assim, esse estudo possui uma abordagem qualitativa, exploratória e descritiva, sendo um recorte da pesquisa multicêntrica Redes Sociais de Apoio à Paternidade na Adolescência (Rapad), na qual os participantes foram pais adolescentes de uma cidade do sul do estado do Rio Grande do Sul.
Utilizou-se entrevista semiestruturada realizada no domicílio do adolescente, após seis meses de vivência da paternidade. Optou-se por esse intervalo de tempo porque enfoca o pai adolescente durante sua vivência, baseado no fato de que, para muitos homens, sentir-se pai é um fato que só ocorre posteriormente ao nascimento. E, em alguns casos, mesmo após a chegada do filho, o sentimento de paternidade ainda não é tão perceptível.5
Apresentou-se como critérios de inclusão: idade inferior a 20 anos; residir no perímetro urbano; aceitar receber o entrevistador em seu domicílio, bem como o desejo de participar do estudo e assinatura do Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas foram pré-agendadas e ocorreram no período de junho de 2009 a junho de 2010.
Dos 23 adolescentes que participaram do primeiro momento (etapa quantitativa) da pesquisa Rapad, 14 pais aceitaram participar do segundo momento (etapa qualitativa). Os dados foram tratados e analisados segundo a análise temática de Minayo, que busca uma afirmação a respeito de determinado assunto, por meio de unidades de significação6.
Como resultado desse estudo percebeu-se que a construção da paternidade é um processo que ocorre desde o anúncio da gravidez até a concretização do filho e a convivência com ele, permeando toda a vida do homem dali para frente. Tal construção é ilustrada nas falas dos pais adolescentes entrevistados, uma vez que muitos deles sentiram dificuldades em expressar seus sentimentos e significar o momento que estavam vivendo. A fala de Jhonatan, 18 anos, exemplifica esse obstáculo:
“Como é que vai explicar hein filho? (risos) não tem palavras. Às vezes eu brinco, às vezes eu sou chato, às vezes eu “dou pau” (risos) É bom, é legal, estamos brincando de bonequinho (risos) ... os bonequinhos falam, choram, pedindo comida (risos)”. (Jhonatan, 18).
Seria imaturo associar essa dificuldade de significação à adolescência, enquanto tão pouco ainda se sabe sobre a construção da paternidade em si. Essa constatação ocorre em estudo comparativo entre pais adolescentes e adultos, pois analisando a interação pai-bebê entre os dois grupos, foram percebidas mais semelhanças que particularidades nos significados atribuídos, o que sugere que a idade não é necessariamente um fator determinante para a vivência da paternidade7.
Os adolescentes enxergavam a paternidade como uma experiência satisfatória e de novas responsabilidades, apesar das mudanças trazidas por ela e das dificuldades de adaptação ao novo papel. Carlos Alberto, 19 anos, embora achasse cedo, disse: “Diria que... é a melhor coisa, não tem outra, a melhor coisa que tem é ser pai mesmo”. (Carlos Alberto,19).
Já Lauro, 16 anos, cita também a questão do amadurecimento como algo positivo, impulsionado pela paternidade: “Eu acho que é uma responsabilidade e é bom. Muda completamente o pensamento ... para poder olhar para frente, querer dar tudo de melhor para ela. Não penso mais tanto em mim, agora eu penso mais nela”. (Lauro, 16).
A paternidade é percebida como proteção e provimento, com a responsabilização pela criança, que depende dele para se desenvolver de forma saudável: “Ué, se depender de mim faço tudo né, o que ela precisar ela vai ter tudo (...) saúde, não deixar faltar nada para ela” (Guilherme, 18).
Tal concepção apoia-se nos resultados encontrados em pesquisa5 que analisou os significados atribuídos à paternidade por homens que são pais. Para eles, a paternidade foi entendida como um atributo e encargo social, em que a responsabilidade surge como o eixo central dessa vivência, alicerçada na própria identidade masculina.
Um dos adolescentes, ainda, construiu o seu papel sobre a ausência do próprio pai na infância, admitindo não querer cometer os mesmos erros e ser um pai melhor para a filha: “Ah eu não sei o que é pai, nunca tive pai na minha vida, para mim é a mesma coisa que não ter. Eu não tive pai para ser educado! Só minha mãe, minha família que me ajudou. Aí é difícil eu largar da minha filha, ela não vai ser que nem eu, ela vai ter pai sempre junto, eu quero estar sempre com ela”. (Guilherme, 18).
Tal desejo de não repetir comportamentos familiares que desaprovam vai ao encontro do novo olhar sobre o papel do pai em geral, seja ele adolescente ou adulto. O “novo pai” procura alcançar uma ruptura com o modelo que viveu na sua infância e deseja reformular o comportamento do seu próprio pai, o qual considera frio e distante1.
A importância, dada nas falas, ao convívio e presença física para ser um bom pai, foi relatada em outra pesquisa semelhante, em que os adolescentes referem que pai é aquele que participa do desenvolvimento do filho, devendo ser uma presença constante em sua vida8.
Conclui-se que ser pai na adolescência é uma vivência única, que reconfigura a construção da identidade comum a essa fase da vida, e que, como tal, suscita novas abordagens de vida e pensamento.
Os impactos negativos de uma gravidez não planejada na adolescência podem ser superados com uma rede de apoio sólida e consistente, que possibilite novas maneiras de vivenciar a paternidade. Reflexo disto é o fato de os adolescentes, apesar de enumerarem dificuldades e mudanças em suas vidas, enxergarem o nascimento do filho como uma experiência positiva e enriquecedora.
É necessário maior investimento em nossas políticas públicas de saúde, de forma a incluir esses pais adolescentes, e identificar dispositivos de suporte e auxílio a essa parte significativa da população, assim como maior investimento e valorização das escolas, como lócus de criação de valores e princípios que guiarão o sujeito e suas ações pelo resto da vida.
Pâmela Leites de Souza é enfermeira graduada pela Universidade Federal de Pelotas.
Sonia Maria Könzgen Meincke é doutora em enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina e docente do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas.
Ana Cândida Lopes Corrêa é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas.
Camila Neumaier Alves é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas.
Marilu Correa Soares é doutora em enfermagem em saúde pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e docente do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas.
Eda Schwartz é pós-doutora em enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e docente do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas.
Nota
1 – Pesquisa multicêntrica financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sob processo nº 551222/2007-7. Realizada em três hospitais universitários vinculados a universidades públicas de três estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraíba. A pesquisa apresentou um subestudo quantitativo e outro qualitativo, o qual foi dividido em dois momentos: o primeiro ocorreu logo após o nascimento do(a) filho(a) do pai adolescente e o segundo seis meses após o nascimento. Coordenada pela professora Sonia Maria Könzgen Meincke, da Universidade Federal de Pelotas.
Referências
1. Carvalho, G. M.; Merighi, M.A.B.; Jesus, M.C.P. “Recorrência da parentalidade na adolescência na perspectiva dos sujeitos envolvidos”. Text & Cont Enf, 2009, 18(1):17-24.
2. Mandana, H.; Clare, D. “Supporting young parents: models of good practice”. Women Changing lives. acesso em 2013. Disponível em: www.platform51.org/downloads/resources/reports/supportingyoungparents.pdf
3. Bueno, M.E.N.; Meincke, S.M.K.; Schwartz, E.; Soares, M.C.; Corrêa, A.C.L. “Paternidade na adolescência: a família como rede social de apoio”. Texto contexto enferm, 2012, 21(2): 313-319.
4. Senna, S.R.C.M.; Dessen, M.A. “Contribuições das teorias do desenvolvimento humano para a concepção contemporânea da adolescência”. Psicol., 2012, 28(1): 101-8.
5. Freitas, W.M.F.; Coelho, E.A.C.; Silva, A.T.M.C. “Sentir-se pai: a vivência masculina sob o olhar de gênero”. Cadernos de Saúde Pública, 2007, 23(1): 137-145.
6. Minayo, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde.12. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.
7. Lewandowski, D.C.; Piccini, C.A. “Expectativas e sentimentos em relação à paternidade entre adolescentes e adultos”. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 2006, 22(1): 017-028. 8. Trindade, Z.A.; Menandro, M.C.S. “Pais adolescentes: vivência e significação”. Estudos de Psicologia, 2002, 7(1):15-23.
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