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Artigo
Infra-estrutura não é capaz de suportar as mudanças
Por Rodrigo Coelho
10/02/2007

Já faz algum tempo que a aviação brasileira vem se tornando um setor com reputação bastante negativa na mídia nacional. Os preços das tarifas, o extravio de bagagens, a prática do overbooking e os efeitos sempre chocantes de acidentes aéreos, por mais raros que eles sejam, têm colocado o setor aéreo em um papel de vilão há pelo menos quinze anos. Infelizmente, o final de 2006 e este início de 2007 não estão contribuindo em nada para mudar este quadro.

A falência da Varig, empresa que completaria 80 anos de atividades em 2007, acaba por representar o fim de um tempo em que a aviação ainda contava com glamour e era reconhecida como um serviço eficiente que orgulhava os brasileiros. A Varig juntou-se à Vasp e à Transbrasil, empresas que dominaram os céus nos anos 70 e 80, para deixar o setor em prol das companhias que se destacaram a partir dos anos 90: a TAM, a GOL e as empresas estrangeiras autorizadas a voar com mais frequência ao Brasil.

Logo em seguida à falência da Varig, um grave acidente trouxe a aviação de volta às manchetes: o acidente com a aeronave da GOL. Como todos os acidentes da aviação, também este foi uma sucessão de erros não detectados. Mas a busca por culpados fez a imprensa acuar os pilotos norte-americanos e, posteriormente, o sistema de controle de tráfego aéreo. Tal situação acabou por deixar na defensiva os controladores de vôo, submetidos a enormes responsabilidades e com insuficiente quadro de técnicos capacitados.

Esses dois fatores estão na raiz do que vem sendo chamado, nos últimos meses, de apagão aéreo. As empresas aéreas remanescentes não dispõem de uma estrutura nacional ou internacional capaz de atender aos passageiros que não contam mais com a Varig (apesar da sua crise, em 2005, a Varig ainda respondia por 30% dos passageiros transportados no país). E os controladores de vôo passam a atuar de uma maneira mais cautelosa, o que tem causado enormes atrasos e grande número de cancelamento de vôos.

Para melhor entender tal situação é preciso ter em mente que as inovações tecnológicas e gerenciais do setor aéreo sempre causaram enormes transtornos à infra-estrutura, que se mostra incapaz de responder de maneira ágil às mudanças em curso.

A evolução das aeronaves — que ganharam peso, tamanho e velocidade — deixava os aeroportos constantemente desatualizados, carecendo de novos investimentos para se adequar às exigências dos novos aviões. Foi assim quando a Boeing, em 1966, anunciou que começaria a fabricar o modelo 747, capaz de acomodar mais de 350 passageiros, e obrigou o redesenho e o uso de novos materiais nas pistas de pouso e decolagem. Atualmente, a Airbus conta com um projeto de avião com capacidade entre 500 e 800 passageiros. Quando essa aeronave começar a operar, novamente toda a estrutura aeroportuária terá que ser revista para poder recebê-la adequadamente.

Em 1978, os EUA iniciaram um processo de desregulamentação de sua aviação. Este processo foi se disseminando pelos países, coerente com a orientação política e econômica de liberalização da atividade econômica que também torna-se dominante nessa época. Com a desregulamentação, as empresas ganharam autonomia para estipular suas rotas e horários de vôos segundo suas conveniências apenas. Desenvolveu-se, então, o sistema Hub-and-Spoke, com o objetivo de otimizar o uso das aeronaves. O uso de aeroportos principais (Hubs) e secundários (Spokes) obriga a um gerenciamento mais complexo do tráfego aéreo. O Hub é o aeroporto onde as empresas centralizam suas operações em uma determinada região. A partir deste centro, espalham-se conexões para cidades próximas com menor demanda. Com isto, há uma concentração de vôos chegando na mesma faixa horária ao aeroporto, a fim de viabilizar as conexões necessárias para os passageiros seguirem viagem. Esse acúmulo de vôos torna mais complexo o esforço de gerir todos esses aviões que se cruzam num espaço limitado.

Outro impacto relevante da desregulamentação da aviação, é um enorme aumento na demanda e na oferta de vôos aéreos. Um aumento que internacionalmente causa preocupação devido às dificuldades de, repito, prover uma infra-estrutura que garanta a segurança e a pontualidade das operações. Segundo estudiosos do tema, em 1997, os trinta e três maiores aeroportos dos EUA excederam 20.000 horas de atraso (Andreatta et alli, 1997). O Livro Branco, que traça as projeções da União Européia (EU) para os transportes até 2010, estima que em 2000 um em cada seis vôos em espaço aéreo europeu se atrasou, em média, 22 minutos. Segundo o citado Livro Branco, em 2000, a necessidade de novos controladores de vôo nos países da EU variava entre 800 e 1.600 profissionais, de um conjunto total de 15.000.

Nos parágrafos acima, temos exemplos de mudança tecnológica e de mudanças gerenciais que obrigam as autoridades aeronáuticas a adaptar - sob pressão de processos em andamento - o gerenciamento do tráfego aéreo.

No Brasil, o processo de flexibilização se inicia com a V Conferência Nacional de Aviação Civil (Conac), de 1991. A conferência não teve caráter deliberativo, constituindo-se apenas em um fórum de discussão onde diversos atores do setor puderam propor e criticar as políticas adotadas pelo governo. Esta Conac marcou uma inflexão na política do Departamento de Aviação Civil (ligado ao Ministério da Aeronáutica) e a negação dos princípios que levaram ao controle governamental da concorrência. Cabe lembrar que a “concorrência controlada” foi adotada em função da crença das autoridades aeronáuticas que a livre competição entre as empresas poderia levar a uma situação de enfraquecimento técnico, operacional e financeiro das mesmas.

Também no Brasil, os efeitos da flexibilização seguiram (com algumas ressalvas) o modelo norte-americano. O tráfego nacional se concentra em alguns pontos (especialmente São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília) que acabam ficando saturados — e os problemas em aroportos dessas localidades conseguem muita visibilidade por conta do volume de passageiros afetados. O preço médio das tarifas baixou, o que fez com que uma parcela da população, que antes não cogitava o transporte aéreo, passassem a demandar mais vôos.

Alguns pontos, entretanto, são traços brasileiros com pouca correspondência em outros países. O primeiro é a militarização do controle de vôo, ocorrido em 1967 e em vigência até os dias de hoje. Esta é uma barreira ao acesso de servidores que poderiam seguir essa carreira, mas que não querem ter uma vida militar, e também à viabilidade de traçar uma política salarial específica para este grupo de trabalhadores do qual se exige tanto. Em 1987-8, os sindicatos de trabalhadores civis da aviação tentou mobilizar os deputados constituintes para acabar com essa vinculação. Mas o movimento, chamado de “Pássaro Civil”, não foi capaz de vencer o lobby dos militares.

A segunda particularidade brasileira é a vasta extensão do território, fato este que obriga o sistema de controle de vôo a ter uma amplitude muito grande, certamente mais complicado de gerenciar do que em países de menor tamanho.

Torna-se portanto urgente que o governo federal tome providências no sentido de regularizar a situação. Mais do que turistas rumo ao carnaval (que também não devem ser desconsiderados), o gargalo em um setor de transporte tão importante no mundo atual constitui-se em um forte obstáculo à retomada do crescimento econômico tão esperado pela sociedade.

Rodrigo Coelho é pesquisador do Núcleo de Políticas Públicas da Unicamp.

Bibliografia:
ANDREATTA, G. et alli (1997) The flow management problem. Control Engineering Practice nº6.
COELHO, R. (2003) Impactos da desregulamentação do setor aéreo comercial sobre os trabalhadores: uma análise dos casos brasileiro e norte-americano. (Dissertação de Mestrado). Campinas: IE/UNICAMP. Disponível na biblioteca digital da Unicamp.
COELHO, R. e NASCIMENTO, R. (2001) Aviação civil e regulação econômica: considerações sobre a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Archétypon, v.9, nº25. Rio de Janeiro: UCAM.
COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPÉIAS (2001) Livro Branco: a política européia de transportes no horizonte de 2010. Bruxelas: EU.
DAC (1992) Política para os serviços de transporte aéreo comercial do Brasil. Brasília: Ministério da Aeronáutica.
JESUS, C. G. (2005) Desregulamentação e trabalho na aviação comercial brasilera (1990-2002). (Dissertação de Mestrado). Campinas: IG/Unicamp. Disponível na biblioteca digital da Unicamp.
OLIVEIRA, A. L. org. (2003) Decola, aeronauta: o dia a dia do SNA (1980-2001). Mimeo.