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Reportagem
A institucionalização da pesquisa e o sistema nacional de CT&I no Brasil
Por Carolina Octaviano
10/06/2011

Gerar riqueza a partir do conhecimento científico é um dos maiores desafios para o desenvolvimento de países emergentes, como é o caso do Brasil, que começou a investir de maneira mais institucionalizada e maciça em pesquisa científica no período do pós-guerra, com a criação de duas importantes instituições, em 1951: o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, nomeado, inicialmente, de Conselho Nacional de Pesquisa) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), cujas atuações se complementam até os dias atuais e são primordiais para a organização da atividade científica no país. No entanto, somente essas duas instituições não seriam capazes de levar o país ao desenvolvimento tecnológico já alcançado. Um ministério voltado ao tema, universidades, centros de pesquisa e fundações de amparo à pesquisa no nível estadual complementam o sistema responsável pelas ações relacionadas à CT&I no Brasil.

A história da institucionalização da ciência brasileira tem início com o CNPq e a Capes. Enquanto o CNPq se incumbe de fomentar a pesquisa, a Capes é responsável por dar apoio à formação de competências para colocar o trabalho em prática. Shozo Motoyama, professor da Faculdade Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), comenta os benefícios das propostas iniciais do CNPq e da Capes: “no caso do CNPq, a concessão de bolsas de doutorado e mestrado era sempre individual, ou seja, era para o estudante e não havia cotas para a instituição como existe hoje. Quanto ao apoio à pesquisa, em princípio, a forma continua sendo a mesma de financiar a investigação pelo mérito do projeto. Isso foi uma grande revolução na época. A Capes teve uma atuação bem diferente daquela de hoje, porquanto, ela nasceu mais para realizar cursos de aperfeiçoamento de professores, como queria Anísio Teixeira, o seu idealizador ”.

Não há dúvidas de que o grande impulso para a criação desses dois órgãos para fomentar pesquisa no país só se deu após o fim da Segunda Guerra Mundial e das explosões das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em agosto de 1945. Nesse contexto, a produção científica passou a ser a estratégia vigente no cenário político internacional, tanto para as nações desenvolvidas como para as que estavam buscando uma mudança de patamar. E, no Brasil, não foi diferente. “O impacto maior aconteceu com a bomba atômica, que fascinou e horrorizou a nossa sociedade. Embora momentaneamente, os diversos segmentos sociais brasileiros, mormente, o militar, compreenderam o significado da ciência. Daí o CNPq ter nascido, em 1951, com a atuação destacada do contra-almirante Álvaro Alberto que soube explorar o estado de choque da nação brasileira”, explica Motoyama. Anteriores à criação desses dois órgãos articuladores de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), o país possuía poucos institutos e personalidades científicas de destaque, tendo como exemplo o secular Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e alguns pesquisadores renomados, entre eles, Oswaldo Cruz.

Antes da criação da Capes e do CNPq, havia grandes dificuldades para o desenvolvimento científico da nação e para a defesa dos interesses dos setores envolvidos com ciência, perante o poder público. Deve-se ressaltar ainda duas iniciativas que atuam em nível federal: a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que existe desde 1967, e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), em vigência desde 1985, mesmo ano da fundação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Segundo Motoyama, podem ser citadas outras instituições importantes para a consolidação do sistema nacional de CT&I, que são: Instituto Oswaldo Cruz, Instituto Butantan, Centro Técnico da Aeronáutica (que abriga o ITA), Universidade de São Paulo e SBPC, entre outros.

O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCT&I) no Brasil envolve 12 ministérios, 20 unidades de pesquisa, 28 universidades e 25 fundações de amparo à pesquisa estaduais, conforme o quadro de atores. Pode-se afirmar que a consolidação e construção do SNCT&I nacional aconteceu durante as décadas de 60, 70 e 80. Apesar desse processo ter demorado cerca de três décadas, o sistema ainda apresenta déficits e alguns pontos fracos, pois pode ser considerado recente, se for comparado ao de outros países desenvolvidos. Segundo Eduardo Moacyr Krieger, que foi presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) entre 1993 e 2007, os principais desafios a serem superados atualmente são: “aumentar a qualidade da nossa produção científica, que deve ser mais competitiva a nível internacional, e acelerar a transferência do conhecimento para a aplicação (inovação), matéria na qual ainda estamos relativamente atrasados, a julgar pelo número de patentes registradas e pequeno número de doutores trabalhando no setor privado”, aponta. Já Sérgio Machado Rezende, ex-ministro de Ciência e Tecnologia (de julho de 2005 a dezembro de 2010) e ex-presidente da Finep, enumera os recursos ainda insuficientes, a burocracia e o fato de várias FAPs não atuarem bem, como os principais pontos fracos do sistema.

MCT é criado em 1985

Com a incumbência de formular a política de C&T e coordenar o sistema como um todo, funções anteriormente atribuídas ao CNPq, foi criado, em 1985, o Ministério da Ciência e Tecnologia, que executa as ações definidas com base na política nacional de CT&I, através das entidades de pesquisa que são a ela vinculadas, das quais se destacam o CNPq e a Finep, que foram absorvidas pelo MCT, após a sua criação. “No começo dos anos 1950, a ideia do MCT não era muito difundida, mesmo internacionalmente. No Brasil, sempre houve resistência por parte de amplos setores da comunidade científica em se envolver com questões da política”, argumenta Motoyama, a respeito de seu surgimento tardio, após a Capes e o CNPq entrarem em vigor.

Atualmente, “o MCT desempenha um papel central na formulação, coordenação e execução da política nacional de C&T”, qualifica Rezende. É visível que o MCT tem buscado melhorar e aumentar as políticas públicas voltadas para o setor, firmando parcerias estratégicas com diversos países, empresas e universidades, multiplicando investimentos por meio dos Fundos Setoriais (que são instrumentos de financiamento de projetos de pesquisa, atendendo diversas áreas e setores científicos), modernizando a gestão do sistema, investindo na agilidade das instituições de fomento e atuando na institucionalização científica no país. Porém, conforme diz Motoyama, “um dos indicadores fundamentais da institucionalização refere-se ao número de pesquisadores. Entretanto, não existe uma quantificação do número mínimo de pesquisadores que permita dizer que houve institucionalização. Depende da região, da época e de outros fatores”.

Financiando pesquisas por áreas específicas

No final da década de 1990, o setor de C&T nacional obteve um avanço bastante significativo, com a implementação dos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, que entraram em vigor, mais especificamente, a partir de 1999, no embalo do Fundo Setorial do Petróleo e Gás Natural, estabelecido por lei em 1998. Eles foram criados com a finalidade de serem fontes complementares de recursos para fomentar a pesquisa e financiar o desenvolvimento de setores específicos e estratégicos brasileiros e logo passaram a constituir quase o total das receitas do FNDCT. Rezende comenta o papel dos Fundos Setoriais para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. “O FNDCT foi criado em 1971 e foi fundamental para a institucionalização da pesquisa e da pós-graduação. Passou duas décadas com poucos recursos e voltou a crescer a partir da criação dos Fundos Setoriais”.

Estão em vigor, atualmente, 16 Fundos Setoriais, sendo 14 para setores específicos, que são para áreas de: transporte terrestre, aeronáutica, agronegócios, Amazônia, transporte aquaviário e construção naval, biotecnologia, energia, espacial, recursos hídricos, tecnologia da informação, infraestrutura, petróleo e gás natural, mineral e saúde, e dois transversais, que são: o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) e o Fundo Setorial do Audiovisual. Na opinião de Krieger, “é necessário que cada um dos fundos tenha maior participação na discussão e elaboração de políticas para desenvolvimento daquele setor, uma vez que a ideia na criação dos Fundos Setoriais foi que eles, com eficiência, desenvolvessem toda a cadeia para o progresso do setor, desde a formação de recursos humanos e a criação de novos conhecimentos, até a sua aplicação para o desenvolvimento do país”.

Na opinião de Rezende, os fundos setoriais são muito importantes principalmente porque representam uma fonte segura de recursos orçamentários para financiar o sistema de Ct&I. Ele explica que desde que foram criados esses fundos são geridos por comitês formados por representantes do governo federal e também da sociedade, o que faz com que sua gestão seja transparente. "Eles tinham três deficiências sérias: uma é que só atendiam a alguns setores de C&T; outra é a enorme disparidade entre suas receitas e finalmente a pouca articulação entre as ações definidas pelos comitês gestores. Essas deficiências puderam ser sanadas porque desde sua criação os fundos foram alocados no FNDCT. Com a lei de regulamentação do FNDCT de 2006, parte dos fundos passou a ser destinada às chamadas ações transversais, que possibilitam apoiar qualquer área de C&T, e passou a haver uma maior integração entre as ações dos fundos, feita por meio do Conselho Diretor do FNDCT". A curva abaixo mostra a evolução dos recursos efetivamente executados pelo FNDCT, demonstrando a importância desse programa para a ciência brasileira. Dentre os principais benefícios, o ex-ministro destacou a implementação do programa dos Institutos Nacionais de C&T e a subvenção econômica para inovação em milhares de empresas, políticas implementadas nos últimos anos.



O (importante) papel das fundações de amparo à pesquisa

Outro momento importante para o fomento da CT&I no país é a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que, em 2012 completa 50 anos de existência, tendo sido criada em 1962. Depois dela, surgiram, na sequência, as FAPs do Rio Grande do Sul (Fapergs, em 1964), Rio de Janeiro (Faperj, em 1980) e Minas Gerais (Fapemig, em 1985), que tinham como modelo a bem sucedida Fapesp, de acordo com Motoyama (veja ano de surgimento de outras FAPs nesta edição). “A maioria das outras seria criada depois de 1988, isto é, depois da Constituinte Federal, nas constituintes estaduais”, relembra. “Ultimamente, as FAPs de Minas Gerais e Rio de Janeiro passaram a receber regularmente recursos do Estado e estão desempenhando papel equivalente à Fapesp nos seus respectivos estados. O importante é que as FAPs que, praticamente existem em todos os estados brasileiros, passem a ter recursos e atuação regulares”, avalia Krieger.

As FAPs, embora apresentem papéis e capacidades distintas de atuação, conforme cada estado e a política governamental do mesmo, possuem destaque no desenvolvimento equilibrado das pesquisas científicas e tecnológicas brasileiras, como um todo, e não apenas regionalmente, sendo parte essencial do sistema nacional de CT&I, uma vez que participam da discussão, elaboração e implementação de políticas de ciência e tecnologia regionais e estaduais. “O Brasil é um país muito grande, tem uma grande diversidade e é muito heterogêneo. Por isso, é muito difícil ter uma política que seja eficaz sendo executada de Brasília ou do Rio de Janeiro, onde estão localizados a Finpe e o BNDES. Um problema é que as FAPs, com exceção da Fapesp, estão sujeitas às flutuações nas políticas dos estados”, complementa Rezende. Para Motoyama, “além de complementar as sempre escassas verbas das duas instituições, elas podem priorizar as necessidades de pesquisas locais. Isso em teoria. Na prática, com exceção da Fapesp e de algumas outras em número reduzido, elas não vêm cumprindo o seu papel por causa principalmente de sua reduzida capacidade financeira”, finaliza.