Gerar riqueza a partir do
conhecimento científico é um dos maiores desafios para o desenvolvimento de
países emergentes, como é o caso do Brasil, que começou a investir de maneira
mais institucionalizada e maciça em pesquisa científica no período do
pós-guerra, com a criação de duas importantes instituições, em 1951: o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, nomeado,
inicialmente, de Conselho Nacional de Pesquisa) e a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), cujas atuações se
complementam até os dias atuais e são primordiais para a organização da
atividade científica no país. No entanto, somente essas duas instituições não
seriam capazes de levar o país ao desenvolvimento tecnológico já alcançado. Um ministério
voltado ao tema, universidades, centros de pesquisa e fundações de amparo à
pesquisa no nível estadual complementam o sistema responsável pelas ações
relacionadas à CT&I no Brasil.
A história da institucionalização
da ciência brasileira tem início com o CNPq e a Capes. Enquanto o CNPq se
incumbe de fomentar a pesquisa, a Capes é responsável por dar apoio à formação
de competências para colocar o trabalho em prática. Shozo Motoyama, professor
da Faculdade Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
(USP), comenta os benefícios das propostas iniciais do CNPq e da Capes: “no caso do CNPq, a
concessão de bolsas de doutorado e mestrado era sempre individual, ou seja, era
para o estudante e não havia cotas para a instituição como existe hoje. Quanto
ao apoio à pesquisa, em princípio, a forma continua sendo a mesma de financiar
a investigação pelo mérito do projeto. Isso foi uma grande revolução na época. A Capes teve uma atuação bem diferente daquela de hoje,
porquanto, ela nasceu mais para realizar cursos de aperfeiçoamento de
professores, como queria Anísio Teixeira, o seu idealizador ”.
Não há dúvidas de que o grande
impulso para a criação desses dois órgãos para fomentar pesquisa no país só se
deu após o fim da Segunda Guerra Mundial e das explosões das bombas nucleares
em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em agosto de 1945. Nesse contexto, a
produção científica passou a ser a estratégia vigente no cenário político
internacional, tanto para as nações desenvolvidas como para as que estavam
buscando uma mudança de patamar. E, no Brasil, não foi diferente. “O impacto maior aconteceu com a bomba atômica, que fascinou
e horrorizou a nossa sociedade. Embora momentaneamente, os diversos segmentos
sociais brasileiros, mormente, o militar, compreenderam o significado da
ciência. Daí o CNPq ter nascido, em 1951, com a atuação destacada do
contra-almirante Álvaro Alberto que soube explorar o estado de choque da nação
brasileira”, explica Motoyama. Anteriores à criação desses dois órgãos articuladores de
Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), o país possuía poucos institutos e
personalidades científicas de destaque, tendo como exemplo o secular Instituto
Agronômico de Campinas (IAC) e alguns pesquisadores renomados, entre eles,
Oswaldo Cruz.
Antes da criação da Capes e do
CNPq, havia grandes dificuldades para o desenvolvimento científico da nação e
para a defesa dos interesses dos setores envolvidos com ciência, perante o
poder público. Deve-se ressaltar ainda duas iniciativas que atuam em nível
federal: a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que existe desde 1967, e
o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), em vigência
desde 1985, mesmo ano da fundação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
Segundo Motoyama, podem ser citadas outras instituições importantes para a
consolidação do sistema nacional de CT&I, que são: Instituto Oswaldo Cruz, Instituto Butantan, Centro Técnico da Aeronáutica
(que abriga o ITA), Universidade de São Paulo e SBPC, entre outros.
O Sistema Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação (SNCT&I) no Brasil envolve 12 ministérios, 20
unidades de pesquisa, 28 universidades e 25 fundações de amparo à pesquisa
estaduais, conforme o quadro de atores.
Pode-se afirmar que a consolidação e construção do SNCT&I nacional
aconteceu durante as décadas de 60, 70 e 80. Apesar desse processo ter demorado
cerca de três décadas, o sistema ainda apresenta déficits e alguns pontos
fracos, pois pode ser considerado recente, se for comparado ao de outros países
desenvolvidos. Segundo Eduardo Moacyr Krieger, que foi presidente da Academia
Brasileira de Ciências (ABC) entre 1993 e 2007, os principais desafios a serem
superados atualmente são: “aumentar a
qualidade da nossa produção científica, que deve ser mais competitiva a nível
internacional, e acelerar a transferência do conhecimento para a aplicação
(inovação), matéria na qual ainda estamos relativamente atrasados, a julgar
pelo número de patentes registradas e pequeno número de doutores trabalhando no
setor privado”, aponta. Já Sérgio Machado Rezende, ex-ministro de Ciência e
Tecnologia (de julho de 2005 a dezembro de 2010) e ex-presidente da Finep,
enumera os recursos ainda insuficientes, a burocracia e o fato de várias
FAPs não atuarem bem, como os principais pontos fracos do sistema.
MCT é criado em 1985
Com a incumbência de formular a
política de C&T e coordenar o sistema como um todo, funções anteriormente
atribuídas ao CNPq, foi criado, em 1985, o Ministério da Ciência e Tecnologia,
que executa as ações definidas com base na política nacional de CT&I,
através das entidades de pesquisa que são a ela vinculadas, das quais se
destacam o CNPq e a Finep, que foram absorvidas pelo MCT, após a sua criação.
“No começo dos anos 1950, a ideia do MCT não era muito difundida, mesmo
internacionalmente. No Brasil, sempre houve resistência por parte de amplos
setores da comunidade científica em se envolver com questões da política”,
argumenta Motoyama, a respeito de seu surgimento tardio, após a Capes e o CNPq
entrarem em vigor.
Atualmente, “o MCT desempenha um
papel central na formulação, coordenação e execução da política nacional de
C&T”, qualifica Rezende. É visível que o MCT tem buscado melhorar e
aumentar as políticas públicas voltadas para o setor, firmando parcerias
estratégicas com diversos países, empresas e universidades, multiplicando
investimentos por meio dos Fundos Setoriais (que são instrumentos de
financiamento de projetos de pesquisa, atendendo diversas áreas e setores
científicos), modernizando a gestão do sistema, investindo na agilidade das
instituições de fomento e atuando na institucionalização científica no país.
Porém, conforme diz Motoyama, “um dos indicadores fundamentais da
institucionalização refere-se ao número de pesquisadores. Entretanto, não
existe uma quantificação do número mínimo de pesquisadores que permita dizer que
houve institucionalização. Depende da região, da época e de outros fatores”.
Financiando pesquisas por áreas específicas
No final da década de 1990, o setor de C&T nacional
obteve um avanço bastante significativo, com a implementação dos Fundos
Setoriais de Ciência e Tecnologia, que entraram em vigor, mais especificamente,
a partir de 1999, no embalo do Fundo Setorial do Petróleo e Gás Natural,
estabelecido por lei em 1998. Eles foram criados com a finalidade de serem
fontes complementares de recursos para fomentar a pesquisa e financiar o
desenvolvimento de setores específicos e estratégicos brasileiros e logo
passaram a constituir quase o total das receitas do FNDCT. Rezende comenta o
papel dos Fundos Setoriais para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico. “O FNDCT foi criado em 1971 e foi fundamental para a
institucionalização da pesquisa e da pós-graduação. Passou duas décadas com
poucos recursos e voltou a crescer a partir da criação dos Fundos Setoriais”.
Estão em vigor, atualmente, 16 Fundos Setoriais, sendo 14
para setores específicos, que são para áreas de: transporte terrestre, aeronáutica, agronegócios, Amazônia, transporte aquaviário e construção naval, biotecnologia, energia, espacial, recursos hídricos, tecnologia da informação, infraestrutura, petróleo e gás natural, mineral e saúde, e dois transversais,
que são: o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações
(Funttel) e o Fundo Setorial do Audiovisual. Na opinião de Krieger, “é necessário que cada um dos fundos tenha
maior participação na discussão e elaboração de políticas para desenvolvimento
daquele setor, uma vez que a ideia na criação dos Fundos Setoriais foi que
eles, com eficiência, desenvolvessem toda a cadeia para o progresso do setor,
desde a formação de recursos humanos e a criação de novos conhecimentos, até a
sua aplicação para o desenvolvimento do país”. Na opinião de Rezende, os fundos setoriais são muito
importantes principalmente porque representam uma fonte segura de recursos
orçamentários para financiar o sistema de Ct&I. Ele explica que desde que foram criados esses fundos são geridos por comitês formados por representantes do governo federal
e também da sociedade, o que faz com que sua gestão seja transparente. "Eles
tinham três deficiências sérias: uma é que só atendiam a alguns setores de
C&T; outra é a enorme disparidade entre suas receitas e finalmente a pouca
articulação entre as ações definidas pelos comitês gestores. Essas
deficiências puderam ser sanadas porque desde sua criação os fundos foram
alocados no FNDCT. Com a lei de regulamentação do FNDCT de 2006, parte dos
fundos passou a ser destinada às chamadas ações transversais, que possibilitam
apoiar qualquer área de C&T, e passou a haver uma maior integração entre as
ações dos fundos, feita por meio do Conselho Diretor do FNDCT". A curva abaixo mostra a evolução dos recursos efetivamente executados pelo FNDCT, demonstrando a importância desse programa para a ciência brasileira. Dentre os principais
benefícios, o ex-ministro destacou a implementação do programa dos Institutos Nacionais de
C&T e a subvenção econômica para inovação em milhares de empresas, políticas implementadas nos últimos anos.
O (importante) papel das fundações de amparo à pesquisa
Outro momento importante para o fomento da CT&I no país é a
criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que,
em 2012 completa 50 anos de existência, tendo sido criada em 1962. Depois dela,
surgiram, na sequência, as FAPs do Rio Grande do Sul (Fapergs, em 1964), Rio de
Janeiro (Faperj, em 1980) e Minas Gerais (Fapemig, em 1985), que tinham como
modelo a bem sucedida Fapesp, de acordo com Motoyama (veja ano de surgimento de
outras FAPs nesta edição). “A maioria das
outras seria criada depois de 1988, isto é, depois da Constituinte Federal, nas
constituintes estaduais”, relembra. “Ultimamente,
as FAPs de Minas Gerais e Rio de Janeiro passaram a receber regularmente
recursos do Estado e estão desempenhando papel equivalente à Fapesp nos seus
respectivos estados. O importante é que as FAPs que, praticamente existem em
todos os estados brasileiros, passem a ter recursos e atuação regulares”,
avalia Krieger.
As FAPs,
embora apresentem papéis e capacidades distintas de atuação,
conforme cada estado e a política governamental do mesmo, possuem
destaque no desenvolvimento equilibrado das pesquisas científicas e
tecnológicas brasileiras, como um todo, e não apenas regionalmente,
sendo parte essencial do sistema nacional de CT&I, uma vez que
participam da discussão, elaboração e implementação de políticas
de ciência e tecnologia regionais e estaduais. “O Brasil é um
país muito grande, tem uma grande diversidade e é muito
heterogêneo. Por isso, é muito difícil ter uma política que seja
eficaz sendo executada de Brasília ou do Rio de Janeiro, onde estão
localizados a Finpe e o BNDES. Um problema é que as FAPs, com
exceção da Fapesp, estão sujeitas às flutuações nas políticas
dos estados”, complementa Rezende. Para Motoyama, “além de
complementar as sempre escassas verbas das duas instituições, elas
podem priorizar as necessidades de pesquisas locais. Isso em teoria.
Na prática, com exceção da Fapesp e de algumas outras em número
reduzido, elas não vêm cumprindo o seu papel por causa
principalmente de sua reduzida capacidade financeira”, finaliza.
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