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Resenhas
A ciência aos olhos da sociologia
Autores mostram como, com o tempo, a atividade científica ganhou contornos de um campo de imbricações com o todo social
Ricardo Manini
10/10/2013

Alguns questionamentos sobre a ciência são feitos por áreas das Humanidades que se ocupam de estudos direcionados a ela. Se a ciência representa um campo em que a racionalidade e o método se perfazem de modo imparcial, e ao largo de toda e qualquer influência da sociedade � um deles. Se a ciência segue uma lógica própria, em que alguns parâmetros, como o rigor com a veracidade, são sempre observados � outro. Assim também surge a pergunta: a ciência foi sempre feita, enfim, do mesmo modo? Em Controvérsias sobre a ciência: por uma sociologia transversalista da atividade científica, Terry Shinn e Pascal Ragouet discutem essas e outras questões relacionadas � definição e � organização da ciência.

Shinn � um dos principais sociólogos da ciência franceses. � diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e professor de doutorado na Sorbonne. J� Ragouet d� aulas na Universidade de Bordeaux, além de ser pesquisador de um centro científico importante, o Centre Emile Durkheim.

O livro foi escrito e publicado, em francês, em 2005, quase 10 anos depois do caso Sokal. Como os próprios autores revelam, esse episódio chacoalhou a comunidade científica na França e na Inglaterra � além de ter produzido efeitos em outros lugares, e os fez prestar mais atenção em duas concepções muito distintas da atividade científica.

Em 1996, um professor de física da Universidade de Nova York, Alan Sokal, enviou para análise e publicação da revista  Social Text, publicada pela Duke University, um artigo intitulado “Transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravidade quântica�. O artigo continha uma miríade de erros e impropriedades, algumas at� grosseiras, mas passou pelo crivo dos editores e foi publicado.

Ao mesmo tempo, Sokal publicou um outro texto, na revista Língua Franca, uma revista literária sobre a vida acadêmica, na qual denunciava “a falta de rigor intelectual da corrente pós-moderna e o caráter bastante inconsequente dos procedimentos de avaliação em curso na Social Text�, conforme escrevem Shinn e Ragouet. Eles complementam: “Para ele (Sokal), estava feita a demonstração de que os intelectuais pertencentes a esse movimento de pensamento não mostravam seriedade intelectual�.

Segundo os autores, o que se viu nesse caso foi justamente o confronto entre dois modos de se enxergar a ciência. No primeiro, valores mertonianos como o universalismo, o comunalismo, o desinteresse e o ceticismo organizado procuram determinar as ações dos cientistas.

Aqui, o comunalismo indica que a ciência e os resultados científicos devem ser partilhados por toda a sociedade, enquanto o desinteresse simboliza que o cientista não atua em prol de louros próprios, mas em busca da verdade, que s� pode ser encontrada se houver um olhar cético da comunidade científica (o “ceticismo organizado�, a visão dos pares). O outro modo de ver a ciência � acreditar que o método científico não � um campo � parte da sociedade e reconhecer que pressões sociais influenciam a pesquisa.

Os autores são hábeis em expor que as duas visões trouxeram ganhos � atividade científica, mas também algumas dificuldades. O primeiro modo, chamado de “sociologia diferenciacionista�, foi importante para entender alguns dos mecanismos internos de regulação da ciência. Esses mecanismos são importantes para compreender a atividade científica na medida em que o surgimento de comunidades específicas de ciência, como a Royal Society de Londres, forjou todo um sistema de normas científicas próprias, contribuiu com a criação de profissões científicas e impulsionou o progresso da área. Ao mesmo tempo, essa visão não contribuiu para elucidar a relação entre a sociedade e a ciência e contribuiu para que a própria ciência ficasse “em um pedestal�.

A sociologia antidiferenciacionista começou pela própria observação de que a ciência � mais parecida com outras atividades sociais do que desejariam os diferenciacionistas. Essa visão expõe que também na ciência, mesmo de forma bastante complicada em relação � ética profissional e ao cientificismo, o poder, o dinheiro e o lucro simbólico influenciam os cientistas. Ademais, os atores a compartilhar dessa visão não têm como certo a existência de uma verdade única e imutável, mas apostam no relativismo como a única saída possível. Assim, passa-se a atacar o que era a ciência anteriormente e, em alguns casos, anuncia-se a morte da ciência, que seria uma atividade movida apenas pelas exigências do mercado.

O livro, portanto, discute de modo amplo o que � e como se relaciona com outras esferas sociais a atividade científica. Não se trata de um compêndio de casos controversos ou que suscitaram controvérsias científicas históricas. De outro modo, os autores se debruçam sobre a história da sociologia da ciência, atividade que era vista, inicialmente, como tendo uma lógica inteiramente particular, mas que, com o tempo, passou a ser enxergada como um campo com imbricações com o todo social.

No último capítulo, Shinn e Ragouet propõe o que poderia ser uma saída para o conflito entre diferenciacionistas e antidiferenciacionistas, ou seja, a sociologia transversalista da ciência. Esta afirma que a ciência tem sim métodos e motivos próprios, mas que � afetada, ao mesmo tempo, por lógicas de outros microcosmos. “A ciência �, com certeza, enormemente diferenciada, mas os processos de federação são determináveis�, afirmam os autores. Um livro de enorme profundidade, certo hermetismo, mas muito útil para quem deseja entender mais a filosofia e a sociologia da ciência.


Controvérsias sobre a ciência: por uma sociologia transversalista da atividade científica

Terry Shinn e Pascal Ragouet

Editora 34/Associação Filosófica Scienti� Studia

2008

208pp