Reportagem |
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Preparação física mantém práticas antigas |
Por Germana Barata
10/08/2006
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Apesar do favoritismo, o Brasil não passou das quartas de final
da Copa do Mundo deste ano. O resultado evidenciou que o talento nato
dos jogadores é apenas parte do sucesso de um time. Na
opinião de Denise Vaz de Macedo, coordenadora do
Laboratório de Bioquímica do Exercício (Labex) da
Unicamp, o preparo físico no futebol nacional avançou
pouco em relação a décadas passadas. A imagem de
que o esporte está maduro e desenvolvido no país esconde
a falta de infra-estrutura nos clubes, de profissionais qualificados no
corpo técnico e a resistência em relação ao
conhecimento técnico e científico, que se reflete em
cisão na equipe técnica. “Muitas vezes, não existe
conversa entre o técnico e o preparador físico”, lamenta.
“O futebol moderno exige jogador rápido, forte, capaz de vencer
resistências e suportar cargas intensas e, ao mesmo tempo,
durante o jogo, manter um nível de rendimento alto na
presença de fadiga”, afirmam Isabela Guerra e Turíbio
Leite de Barros no livro Ciência no futebol (Manole, 2004).
Tantas exigências pedem uma equipe técnica com
profissionais multidisciplinares que trabalhem o atleta de forma
completa.
Influenciado pelo atletismo e outras categorias desportivas
individuais, o futebol carregou a ciência para dentro dos clubes
e campeonatos e individualizou o treino dos jogadores. O chamado
período científico do esporte teve início por
volta da década de 1950, quando experimentos começaram a
ser realizados com os atletas, com forte base fisiológica, sendo
impulsionados, inclusive, por laboratórios de
investigação científica do esforço
físico. Atualmente, não apenas cada posição
em campo tem exigências distintas, mas também cada jogador
(veja esquema abaixo).
A equipe técnica hoje disponível nos times é
multidisciplinar e deveria, em tese, contar com técnico,
preparador físico, psicólogo, nutricionista, massagista e
médicos (geralmente um cardiologista, um infectologista e um
ortopedista). No entanto, estão longe do ideal as
condições dos clubes nacionais, que vivem profunda crise
econômica. Segundo Nivaldo Baldo, fisioterapeuta e ex-presidente
da Ponte Preta (1996), faltam dentistas, médicos, equipamentos
de raio-X e ressonância magnética. Falta, inclusive,
seguro de acidentes pessoais e do trabalho, embora isso esteja previsto
na Lei Pelé.
As avaliações físicas dos jogadores geralmente
são feitas apenas antes dos jogos, sendo raras as equipes que
mantêm um acompanhamento sistemático dos atletas. “Se a
pessoa que avalia e a que vai receber a análise tiver
conhecimento sobre os dados apresentados, o preparo físico do
jogador pode ser aproveitado ao máximo”, ensina Baldo. Mas
poucos são os clubes que possuem um histórico de seus
jogadores. O mais mencionado deles, considerado exemplo entre os
especialistas, é o São Paulo Futebol Clube ligado
à Universidade Federal de São Paulo, por meio do
fisiologista Turíbio Leite de Barros do Centro de Medicina
Esportiva (Cemaf). Desde a década de 1980 o clube, por meio do
médico Marco Aurélio Cunha, atual superintendente do
time, e de Turíbio Barros, incorporou o corpo médico ao
restante da equipe. Os jogadores são monitorados em sua
capacidade e potencial físico.
Mas os dados fisiológicos dos atletas ainda são vistos
como secundários frente ao talento dos jogadores. É como
se os jogadores não fossem também seres
biológicos. Denise de Macedo lembra o trabalho que desenvolveu
junto ao Caldense (MG) em 2002. “Quando fizemos a
avaliação dos jogadores notamos que eles consumiam 1200
calorias diárias”, lembra. Na ocasião, foi preciso
convencer o presidente do clube a modificar com urgência a dieta.
O pedido foi aceito e o time foi campeão mineiro naquele ano,
pela primeira e única vez.
Outro grave problema no futebol brasileiro é a falta de
profissionais qualificados com formação na área,
em um cenário repleto de apadrinhamentos na
formação das equipes. A contratação do novo
técnico da seleção brasileira, o ex-jogador Dunga,
rendeu críticas de Wanderlei Luxemburgo, ex-técnico da
seleção, já que falta ao substituto de Carlos
Alberto Parreira formação e experiência no cargo,
até por não se tratar de uma exigência da carreira.
O ex-técnico da seleção brasileira, Parreira, foi
criticado por especialistas por colocar craques exercendo
funções em campo diferente das que atuam em seus times.
Um dos exemplos foi Ronaldo Gaúcho ter sido convocado para a
seleção como meio-campista, enquanto sua
experiência no Barcelona (time em que atua) é de
atacante. Estudos da medicina do esporte apontam para uma
diferença brutal nos gastos energéticos, velocidade e
esforço físico em cada posição de jogo
(veja quadro acima).
Adaptação jogo-jogador
Nas últimas décadas, é inegável que tem
havido uma melhora considerável no preparo físico dos
jogadores, gerando melhores resultados e pressionando a mudança
de regras dentro de campo. “Mudou a distância percorrida nos
jogos; a própria competição alterou o
padrão de jogo e com isso, necessariamente, houve mudança
física”, conta Macedo.
O jogador profissional brasileiro percorre em média 10,8
quilômetros durante o jogo, valor que aumentou de 20 a 30% em
relação aos anos 1970. Nesta última Copa do Mundo,
Joseph Blatter, presidente da Fifa, reclamou do baixo saldo de gols,
com uma média de 2,27 por partida (segunda pior da
história), a 13 dias do final do campeonato. Esse número
reflete o maior equilíbrio técnico e físico dos
times. A bioquímica da Unicamp menciona que, nos jogos que
ocorreram na Alemanha “saltava aos olhos o ótimo preparo
físico e equilíbrio entre os jogadores de diferentes
nações, o que torna os jogos ainda mais competitivos”.
O investimento em massa muscular nos times europeus indica a
importância da força durante o jogo, principalmente na
disputa de bola. Para Denise de Macedo, os craques brasileiros
continuam deixando o país apenas com seu talento para ganhar
massa muscular nos clubes estrangeiros. Basta compararmos a forma
física de Kaká, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e, mais
recentemente, Robinho, antes e depois de deixarem o país.
“Robinho já ganhou cerca de 6 quilos de músculos”, afirma
o fisioterapeuta Nivaldo Baldo. O jogador foi para o time espanhol Real
Madrid em 2005.
Mas músculos também podem ser prejudiciais, alerta o
especialista, pois a estrutura óssea pode ficar desproporcional
e causar contusões ou perda de velocidade. Os músculos,
se gerados a partir de doping, podem também trazer problemas de
saúde para os atletas.
“Os atletas buscam os efeitos colaterais que seriam benéficos ao
esporte; mas para isso tomam altas doses do medicamento, pois as
pequenas doses terapêuticas não geram os efeitos
colaterais desejados”, descreve Francisco Radler de Aquino Neto,
coordenador do Lap Dop, único laboratório certificado na
América Latina para realizar exames anti-doping em
competições internacionais. O uso dessas drogas é
um atalho ao preparo físico. “Ainda não se conseguiu
extrair do treino tudo o que se pode para melhorar o desempenho dos
jogadores”, diz Denise de Macedo.
Cada vez mais, os laboratórios correm contra o tempo, buscando
detectar o dopamento não apenas feito a partir de drogas que
estão no mercado, mas também aqueles em que são
usadas drogas experimentais. “Essa é uma excelente arma para
impedir novas modalidades de dopagem”, afirma o coordenador do Lap Dop.
Por se tratar de uma categoria desportiva em que o atleta precisa somar
inúmeras capacidades (flexibilidade, resistência,
explosão, velocidade entre outras) o uso de doping é
menos comum no futebol, embora existam casos famosos como o do jogador
argentino Diego Maradona em 1994 nos EUA. “A baixíssima
incidência de RAA Resultado Analítico Adverso, ou
positivo no Brasil deve-se também ao trabalho preventivo
excelente feito desde 1989 pela CBF em colaboração com o
Lab Dop – Ladetec/IQ-UFRJ”, acrescentou Radler.
Contusões
Engana-se quem acha que a medicina avançou a ponto de recuperar
qualquer contusão dos atletas. Exceto por algumas
técnicas cirúrgicas, o fisioterapeuta Nivaldo Baldo
lembra que nem todas são recuperáveis. “A medicina deu um
grande salto na recuperação de ligamentos, como o cruzado
anterior joelho, mas não em termos de tendões”.
Um dos casos de recuperação mais comentados foi a
lesão que Ronaldo, então atacante do Internazionale de
Milão, sofreu no tendão baixo da patela em 1998. A
recuperação levou cerca de três anos, em tempo para
o pentacampeonato na Copa do Mundo de 2002, quando foi artilheiro com 8
gols. Baldo acredita, no entanto, que o aumento de massa corporal do
jogador, mais recentemente, já é indicativo de uma
má recuperação.
O alto índice de lesão no futebol ocorre por três
motivos principais: falta de atenção de quem está
jogando, excesso ou erro no peso corporal e entradas (choques com
outros jogadores) que são traumáticas. Baldo acrescenta
à lista o calendário dos campeonatos que, de acordo com
ele, é um dos maiores responsáveis pelas contusões
musculares. Ele lamenta que os jogadores sejam submetidos a uma rotina
de mais de um jogo por semana. “Em alguns campeonatos, os times jogam
três vezes por semana”, lembra o profissional.
A opinião dele é compartilhada por Turíbio de
Barros e Wellinton Valquer, em artigo de Ciência no futebol. “Com
o crescente número de jogos realizados pelas equipes, tem-se
verificado diminuição do período
preparatório para as principais competições, o que
de certa forma obriga os preparadores físicos a trabalhar com a
maior racionalização do tempo e especificidade
possíveis”. Esse esforço acaba levando à fadiga
cardio-muscular, de resistência de materiais e muscular.
No final da Copa do Mundo de 2006, Ronaldo (o “Fenômeno”)
reconheceu que o jogador deve ser, sobretudo, um atleta. Resta saber
quanto tempo ainda vai levar para que os dirigentes dos clubes percebam
que o talento nato é importante, mas não vence
campeonatos sozinho.
Perfil do jogador
brasileiro
O jogador profissional brasileiro tem em média 1,79 de altura,
pesa 76 quilos, tem de 25 a
27 anos e percorre em média 10,8 quilômetros durante o jogo, de 20 a 30% a mais que na década
de 1970. Andam a maior parte do tempo de partida (40,4%), correm em baixa
intensidade em 35% do tempo, ficam parados em 17,1%, e correm em alta
intensidade em 8,1% do jogo.
Diferentes exigências nas
diferentes funções
(1-2) Atacantes: Percorrem
de 10,5km. São mais velozes. Devem ser mais altos para disputar bolas.
(3-6)
Meio-Campistas: Percorrem de 10,2 a 11km. Alta
solicitação energética contínua durante toda a partida. Têm a menor taxa de
gordura em função do maior gasto energético. Podem ser mais baixos.
(7-8) Lateral: Alta solicitação energética para
manter exercício durante longo período. Podem ser mais baixos.
(9-10) Zagueiros: Percorrem
de 9,1 a
9,6 km
por partida. Precisam ser mais ágeis e fortes fisicamente.
(11) Goleiro: Percorre
cerca de 4 km.
Alta demanda de energia anaeróbia (exercícios intensos). Maior flexibilidade e
percentual de gordura. Podem ser mais velhos e a experiência e maturidade são
mais importantes que a exigência física. Devem ser mais altos.
Fonte: Ciência no futebol
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