Com
mais de metade da população mundial a viver nas cidades, o que na Europa
corresponde a mais de 80% dos cidadãos, é evidente que, no futuro,
um dos maiores desafios sociais com que nos defrontaremos será
sabermos que meios e que formas as cidades terão de ter para
responder a todas as solicitações da urbe, que vão desde o emprego
e o conforto aos meio de comunicação e locomoção, passando pela
assistência médica e pelo lazer.
As
nossas cidades terão, portanto, cada vez mais um papel de liderança na abordagem
dos novos desafios globais do século XXI. Além de estimular o
crescimento econômico e a criação de riqueza, as cidades terão de
ser vanguardistas nas respostas a dar às grandes questões sociais e
ambientais, como a sustentabilidade, a mobilidade de pessoas e sua
formação, a comunicação e o bem-estar, de modo a que evoluam para
comunidades verdadeiramente sustentáveis, com uma abordagem centrada
no ser humano.
Além
disso, o desenvolvimento e a utilização de novas tecnologias
depende do grau da sua difusão e modo da sua apropriação pela sociedade, o que exige
um aumento dos níveis de compreensão e das ligações entre a
comunidade científica/inovação e o cidadão urbano, tendo como
objetivo comum o de explorar a sua aplicação prática a favor do
conforto e bem-estar da sociedade. Isso traduzir-se-á em novas
arquiteturas urbanas em que os edifícios poderão interagir com o
cidadão, fornecendo-lhes um modo de comunicar e ver distintos da
arquitetura atual; promover os meios e técnicas necessárias para a
instalação nas cidades do “carro verde do futuro”; promover as
tecnologias e os hábitos de poupança de energia; isto é, promover
as formas de trabalho e bem-estar do urbano, assentes nas tecnologias
de comunicação e transferência de energia necessárias,
simultaneamente à criação de riqueza para a cidade e ao conforto
do urbano. As cidades do século XXI deverão estar preparadas para
contribuir para essas solicitações, sendo a métrica do seu
desempenho determinada pela capacidade que elas terão de estimular e
desenvolver interfaces com o cidadão e a sociedade.
Apoio
para informação que facilite a localização. Imagem: Centro de
Investigação de Materiais.
Para
enfrentar esse
desafio, as cidades devem implementar atividades de sensibilização
e abordagem multifacetadas, em diferentes níveis, quais sejam:
-estudantes,
jovens profissionais, pessoas desfavorecidas, idosos e deficientes
físicos; -
multiplicadores da informação: jornalistas, agentes culturais e
tomadores de decisões políticas; -
a
comunidade científica; -os empresários e os tomadores de decisões de tecnologia.
O
que podemos fazer?
Um
dos principais desafios que
se põe à missão das cidades e regiões que não possuam no seu
seio uma massa crítica científica e empresarial suficientemente
abrangente será ou o de reproduzir conceitos já testados noutros
locais, com o mínimo de criatividade pelos seus urbanos, ou o de
saber efetivamente selecionar e promover novos conceitos
vanguardistas, em termos culturais, tecnológicos e globais, isto é,
em termos planetários.
Papel
invisível ou eletrônica transparente. Imagem: Centro de
Investigação de Materiais.
A
primeira abordagem
tem por objetivo apenas copiar os modelos existentes e já testados,
como os promovidos pela Fundação Clinton nos Estados Unidos e no
Reino Unido. A outra é o de, sem perda de qualquer atualização,
ter como bandeira algo em que a região ou cidade sejam claramente
pioneiras, em termos globais. Para isso, as cidades e as regiões
devem unir esforços, reunindo o melhor do seu “valor agregado”,
que são as pessoas.
Como
exemplo tecnológico que conhecemos, podemos considerar a Eletrônica
Transparente para Interfaces Inteligentes e o papel eletrônico, que
galvanizaram um todo nacional e que internacionalmente são aceitos e
respeitados como rupturas. Trata-se da criação de um outro conceito
de tecnologia, distinto da tecnologia convencional do silício,
usando “materiais verdes”, tecnologias de baixo custo e
dispositivos e sistemas que são de extrema utilidade ao conforto,
bem-estar e segurança dos cidadãos, como são os casos da
eletrônica invisível e flexível para criação de mostradores e
sensores embutidos em superfícies (por exemplo, vidros de edifícios ou carros) interactivas,sensíveis
ao toque; mostradores enroláveis; o papel eletrônico; electrônica
descartável; dispositivos em papel ultra-leves; etiquetas
inteligentes; RFIDs (sigla para Radio-Frequency
IDentification);e outros, que correspondem claramente a conceitos de ruptura em
termos do que atualmente se conhece, na tecnologia. Isto é, é
possível apostar na criação e, com isso, beneficiar-se do efeito
surpresa inicial desses novos produtos, o que não acontece para
tecnologias maduras e fortemente sustentadas em conceitos
convencionais.
Kindle,
o leitor digital da Amazon, junto à versão impressa do The
New York Times. Imagem: Centro de Investigação de Materiais.
Essa
é uma área praticamente virgem que poderia catapultar as regiões
para uma história de sucesso se pudessem escolher os parceiros
certos, envolvendo valores da academia/educação e da indústria.
A
atividade de investigação daí resultante deve alimentar a inovação
esperada, ambas relacionadas com edifícios e os carros do futuro
(por exemplo: janelas inteligentes e interativas), comunicações
inteligentes; poupança racional de energia (unidades de controle da
energia autossustentável), entre outros.
Escritório
da Microsoft no futuro. Imagem: Centro de Investigação de
Materiais.
Isso
significa que as cidades e as regiões devem ser organizadas em
ecossistemas, com o objetivo de se tornarem um parceiro
imprescindível do crescimento econômico sustentável e competitivo
em todo o país, visando incutir e redinamizar um espírito de
ambição e de inovação no cidadão, tendo por base o saber gerado
e as formas de o aplicar em produtos de elevada procura. O
compromisso dos territórios é essencial para uma boa articulação
de todas as partes envolvidas, o que pode impulsionar o progresso e
trazer prosperidade econômica baseada no crescimento industrial
sustentável, para uma população com elevados níveis de conforto e
educação.
No
âmbito dessa
abordagem tecnológica, a principal missão das cidades é dotar os
cidadãos de ferramentas que permitam que floresça a sua
criatividade e seu espírito empreendedor, ao mesmo tempo que os
prepara/educa para enfrentar os riscos elevados associados à criação
de novos empreendimentos. Para além disso, a cidade/região deve ser
capaz de promover as condições que permitam atrair para o seu seio
pessoas altamente motivadas, criativas e flexíveis, capazes de
operarem e se adaptarem a ambientes cada vez mais complexos, como o
requerido pelas empresas do futuro.
Os
grandes
interventores para todo esse processo são:
(I)universidades
que apoiem a educação de ponta e promovam o espírito empresarial,
apoiadas pela investigação de excelência;
(II)institutos que preencham a lacuna entre a investigação de alto
nível, aplicada e fundamental, com os programas educacionais, e as
necessidades de apoio e parceria para empresas, fundamentalmente para
pequenas e médias empresas; (III)empresas ou organizações tecnológicas, cuja missão é abraçar a
inovação como força motriz do seu desenvolvimento;
(IV)investidores capazes de assumir riscos em iniciativas de ruptura, mas
também capazes de criar condições de financiamento estratégicos
de longo prazo, disponibilizando para esse fim condições de acesso
fácil ao crédito e/ou de meios financeiros a custo zero, para
implementação de ideias (canteiros de ideias); (V)
multiplicadores da informação, como a ferramenta indispensável para promover e
divulgar a ideia/conceito e a sua multiplicação;
(VI)a cidade, a região e o governo central, para o apoio a longo prazo
de iniciativas estratégicas de liderança para o lançamento de
start-ups ou a reaplicação dos instrumentos existentes, promovendo a
continuidade e sustentabilidade econômica de pontos de ancoragem de
propagação da cultura desse conceito, ajudando, assim, a construir
uma estratégia vencedora de alto nível, para o país; (VII)
os cidadãos, como os utilizadores e beneficiários das condições
geradas para a promoção e criação de pequenas e médias empresas,
potenciais trabalhadores dos empregos gerados e usufruidores das
novas condições de vivência, que lhes permitirão melhor conforto,
meios de mobilidade e de aquisição de cultura e formação, ao
longo da vida.
Para
que tudo isso
aconteça, é importante, que haja uma forte conjugação dos
tomadores de decisões políticas com os cidadãos e seus
representantes, para que o conceito e arquétipo de cidade se
transforme, a bem do planeta e da humanidade.
Rodrigo
Martins e Elvira Fortunato são pesquisadores do Centro de Investigação de Materiais (Cenimat)
e professores do Departamento de Ciências dos Materiais da Faculdade
de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, em
Portugal.
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