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Artigo
Educação: um direito que ainda se mantém fundamental
Por Monica Herman Caggiano
10/09/2009

O ingresso no século XXI passou a demandar especial atenção diante de uma série de inovadores conceitos a impactar o mundo filosófico, jurídico e político. Novas ideias, nova terminologia, enfim, um cenário que passa a abrigar as figuras da “desconstrução”, do “logocentrismo”, do “neoconstitucionalismo”, etc. Um panorama em que o pragmatismo anuncia o fim das ideologias, da história e da utopia. E, nesse ambiente, emerge o debate sobre a relativização ou, até mesmo, o fim dos direitos fundamentais. É o que, registra com perspicácia, Costas Douzinas: “O fim dos direitos chega quando eles perdem o seu fim utópico”1.

Em verdade, os direitos fundamentais representam uma das mais nobres instituições oriundas da política liberal. Encampados pelo constitucionalismo, esse movimento os alberga como um de seus mais proeminentes elementos. A seu turno, a doutrina que vem sendo construída em seu entorno continua configurando, talvez, o mais relevante dos segmentos da teoria constitucional, certamente aquele que maior preocupação e esforço requer para a sua permanente atualização e o atingimento de elevados níveis de eficácia.

No entanto, ainda que transcorridos mais de duzentos anos do impacto das primeiras declarações de direitos e apesar dos inúmeros documentos internacionais direcionados à proteção dos direitos fundamentais, direitos do homem e do cidadão, certo é que pouco se avançou em termos fáticos. A imprensa e a mídia se encarregam de denunciar, cotidianamente, profundos pontos de vulnerabilidade: discriminação racial, discriminação da mulher, discriminação religiosa, a educação contemplando poucos (uma elite); enfim, uma coleção de atrocidades que penetram neste século e que desautorizam perder a bússola da utopia que impulsiona a luta em prol de um sistema cada vez mais aprimorado de tutela desses direitos.

O direito à educação, nesse conturbado contexto, conquanto venha trilhando uma espinhosa trajetória, surge como um dos mais significativos direitos a impor defesa, exatamente por se apresentar como condição insuperável para se alcançar a cidadania, o status civitatis que irá concorrer para a inserção do indivíduo, concretamente, na sociedade e no mercado que lhe é próprio. Na aldeia global que descortina grupos e forças sociais em contínua competição, parece-nos que a atual tarefa dos homens consubstancia-se em edificar um sistema de tutela mais adequado e preordenado à eficaz defesa do direito à educação e, primordialmente, a promoção da educação, inclusive pelo direito.

Daí o renovado interesse no debate sobre esse especialíssimo tópico. O seu adequado enquadramento num mundo atingido pelo processo de globalização não há que ignorar um recrudescimento de atitudes e a imposição de um novo tratamento desse velho e sempre presente problema.

Evolução e fundamentalidade do direito à educação

A trajetória histórica da doutrina dos direitos humanos é indicador preciso da clara preocupação do homem – ou dos mais conscientes dos homens – com a sua instrução. Já a declaração francesa de 1789, introduzia no seu preâmbulo a impositiva necessidade de se assegurar acesso à educação e aos meios direcionados à emancipação intelectual e política do ser humano, e videnciando hostilidade em relação à ignorância, ao registrar “que a ignorância, o esquecimento e o desprezo pelos direitos humanos são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos”. A declaração jacobina, também francesa, de 1793, avança para, expressamente, envolver o tópico educação sob o seu braço protetor, identificando-o como “uma necessidade para todos" (art. 22). E, ainda, em terreno francês, a Constituição de 1848 cuida da matéria em dois diferentes artigos: art. 9, que declara a liberdade do ensino, e o a rt. 13, a dispor sobre a gratuidade do ensino primário e profissionalizante.

Sob a égide da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, a instrução passa a ser concebida como condição do “pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem” (Art. XXVI. 2). Reparo merece, aliás, o disposto no inciso 3 desse artigo, que atribui à educação um peculiar sentido social, ao outorgar aos pais, também, responsabilidade pela instrução da prole. A família, pois, emerge como fator coadjuvante no processo educacional preconizado como meio operativo de garantia do direito à educação.

E, em 1960, emerge a primazia da promoção do direito a educação para todos, por intermédio de um primeiro instrumento internacional, com o perfil de convenção, aprovado pela Unesco em 14 de dezembro. A seu turno, relevante marco nesse percurso, a “Recomendação sobre a educação para a compreensão, a cooperação e a paz internacionais e a educação relativa aos direitos humanos e às liberdades fundamentais”, documento resultante da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas de 1974, dedicada ao tema educação, assim a define: “Para os efeitos da presente Recomendação, a palavra ‘educação' designa o processo global da sociedade, por via do qual as pessoas e os grupos sociais apreendem a desenvolver conscientemente, no interior da comunidade nacional e internacional e em benefício destas, a totalidade de suas capacidades, atitudes, aptidões e conhecimentos”.

Em verdade, a ideia da impositiva presença e da efetivação do direito à instrução nas sociedades politicamente organizadas vem vinculada, cada vez mais, à própria evolução da sociedade, preordenada a viabilizar um clima de respeito à dignidade humana. Multiplicam-se, pois, os documentos que buscam servir de instrumento à sua garantia. Nesse diapasão, dentre outros, poderíamos enunciar: o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; a Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, em 8 de março de 1989; a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, adotada na Conferência Mundial de 9 de março de 1990, na Tailândia, que reclama por uma renovação do compromisso com a educação; e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, resultante do tratado de Nice, de 7 de dezembro de 20002, que cuida deste tema por intermédio dos seus artigos 14 (Direito à Educação), 21 (A Não-Discriminação) e 24 (Direitos da Criança), buscando-se robustecer a prevalência do interesse da criança e o dever das autoridades e da sociedade na observância dessa imposição de privilegiamento.

Extenso o elenco de atos cercando o fortalecimento dos princípios vetores do direito à educação, no seu status de direito fundamental; amparado por um quadro jurídico-constitucional que vem lhe assegurar, também, um sistema de garantias, sua fundamentalidade decorre, primeiro, por se consubstanciar em prerrogativa própria à qualidade humana, em razão da exigência de dignidade, e, depois, porque é reconhecido e consagrado por instrumentos internacionais e pelas constituições que o garantem.

O direito à educação, destarte, inserido no nicho dos direitos fundamentais, apresenta-se revestido das qualidades que a estes são próprias. Esses caracteres, aliás, consagram a postura dos direitos fundamentais e, consequentemente, do direito à educação, como elementos da essência de uma constituição3, assumindo, como anota Robert Alexy, a natureza de "direitos morais", porquanto contam com a "universalidade" na sua estrutura e a postura de direitos de todos contra todos; a qualidade de "direitos preferenciais", porquanto fundamentam, exatamente, o direito dos homens à sua tutela pelo direito positivo; e o caráter de "fundamentalidade do interesse ou carência protegida”, que exige e implica na "necessidade de respeito, sua proteção ou o seu fomento pelo direito"4.

E mais até, no mundo atual, o direito à educação comparece nas suas duas facetas (como direito de primeira e de segunda geração), enquadrado como uma realidade social e individual. Insuflado e robustecido pelos caracteres de índole coletiva, extraídos das duas últimas gerações de direitos5, vislumbra-se o direito à educação com conteúdo multifacetado, envolvendo não apenas o direito à instrução como um processo de desenvolvimento individual, mas, também o direito a uma política educacional, ou seja, a um conjunto de intervenções juridicamente organizadas e executadas em termos de um processo de formação da sociedade, visando oferecer aos integrantes da comunidade social instrumentos para alcançar os seus fins.

O direito à educação e a realidade brasileira

Em território doméstico, brasileiro, o direito à educação foi acolhido desde a primeira das constituições, a imperial de 1824. Inaugura sua presença sob a roupagem própria da época, ou seja, preconizando-se “a gratuidade do ensino primário a todos os cidadãos” (art. 179, inciso 32) e a instalação de “colégios e universidades, onde serão ensinados os elementos das ciências, belas-artes e artes” (art. 179, inciso 33). A Constituição republicana, de 1891, cuida desse tema no capítulo dedicado à declaração dos direitos, preconizando no seu art. 72, § 6º, de forma lacônica, “a laicidade do ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”. O documento constitucional de 1934, no qual estreiam os direitos sociais e econômicos, dedica à educação um capítulo a parte e a erige a direito, nos termos do seu art. 149. O texto de 1937 amplia o tratamento da questão educacional, acentuando a necessidade de tutela da infância e da juventude. Dedica ao tema os artigos 129, 130 e 131, instalando “a obrigatoriedade do ensino primário e fortalecendo a garantia da gratuidade”. A Carta de 1937, no entanto, do papel não saiu. Nunca foi aplicada em razão de sua suspensão, na conformidade da regra permissiva contida no seu art. 171, uma norma a viabilizar a instalação do período autoritário de Getúlio Vargas entre nós. A Constituição de 1946, a seu turno, cuidou do tema, mantendo a educação no status de direito de todos, além de “se inspirar nos princípios de liberdade de solidariedade humana” (art. 166). Reconheceu, ainda, a liberdade de iniciativa do particular, fortalecendo a garantia do ensino privado (art. 167). E a Constituição de 1967, esta com a Emenda n. 1/69, tratou da educação no seu Título IV, sob a rubrica “da família, da educação e da cultura”, subordinando-a ao “princípio da unidade nacional e aos ideais de liberdade e solidariedade humana”, a elevou “a direito de todos e dever do Estado” (art. 176).

Acompanhando a tradição pátria, o texto atual, a Constituição cidadã de 1988, cuidou do tema – direitos fundamentais adotando um tom moderno e, além de conferir precedência ao catálogo, posicionando-o logo no seu Título II, ampliou o elenco já preconizado pelos antigos documentos para agasalhar os direitos da segunda e da terceira geração, enfocando a categoria dos coletivos e sociais e oferecendo nuanças de extrema contemporaneidade ao sistema de tutela engendrado.

O tratamento do tópico educação é identificado ao longo de toda a textura constitucional. De forma sucinta e sistematizada, o analista vai se deparar com a seguinte lista de preceitos abordando a questão educacional: Art. 5º, IV e XIV; Art. 6º, “caput”, (D.Sociais) – Cap. II do Tit. II; Art. 7º XXV – assistência a dependentes e filhos de 0 a 5 anos; Art. 23, V – competência comum das três esferas governamentais (promoção da educação); Art. 24, IX e XV – competência concorrente. Normas gerais e específicas; Art. 30,VI (competência comum envolvendo obrigação do município); Art. 205 (Sec I, Cap. III, Tit. VIII – Da Ordem Social); Art. 206 (princípios de regência do ensino); Art. 207 (a autonomia universitária); Art. 208 (educação dever do Estado); Art. 209 (ensino privado – regras de atendimento); Art. 210 (formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais; ensino religioso e língua portuguesa (§ 1º); Art. 211 (organização do sistema federal de ensino); Art. 212 (garantia de recursos financeiros: 18% para a União e 25% para estados-membros e municípios; Art.213 (direção dos recursos públicos).

Reflexo do ambiente de elevada permeabilidade em relação a ideias de cooperação e associação como indissociáveis do setor educacional, a Lei Fundamental de 1988, no seu Título VIII, - “Da ordem social”, passa a definir, no seu art. 205, “o Estado e a família, com a colaboração da sociedade”, como “os agentes responsáveis pela implementação desse direito”. E mais, no dispositivo seguinte, arrola o texto constitucional a base principiológica a nortear o desenvolvimento do ensino:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coesxistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V – valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público,... e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;

VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII – garantia de padrão de qualidade”.

Merece anotar que, no tratamento constitucional atual, identifica-se inequívoco privilegiamento das recomendações extraídas dos documentos internacionais, a preocupação em robustecer as condições de eficácia do cânone isonômico, a intensa exigência de políticas de apoio para a garantia do aprendizado básico dos adultos e das crianças. Enfim, resta clara a perspectiva do constituinte em oferecer maior favorecimento ao direito à educação, ampliando o território constitucional com os elementos, decorrentes das declarações contemporâneas, a buscar concretização fática à prerrogativa de educação que, a par de inerente ao ser humano, configura exigência no tocante ao próprio desenvolvimento da humanidade.

A preocupação com o tratamento constitucional da educação, entre nós – um estado federal, em que a Magna Lei assegura autonomia em relação aos entes federados, vem refletida, ainda, nos textos constitucionais produzidos pelos estados-membros e municípios. Nessa esteira, a Constituição do Estado de São Paulo lhe dedica o Capítulo III, Seção I, do seu Título VII (Arts. 237 a 258). Relevância especial assume o art. 249, que impõe oito anos de duração obrigatória ao ensino, a partir da idade de seis anos. A seu turno, o art. 255 impõe a reserva e dispêndio de 30% (trinta por cento) da receita dos impostos para o incremento da educação e, não ignorando a exigência de controle, obriga a publicação trimestral das receitas arrecadadas e das transferências efetuadas (art. 256).

O município de São Paulo, de sua parte, não ignorou a essencialidade desse direito e fixou a responsabilidade “do poder municipal, incumbido de assegurar ensino fundamental e educação infantil” (art. 7º, VI, Lei Orgânica do Município de São Paulo). O detalhamento vem oferecido pelo documento municipal ao longo dos arts. 200-211 (Título VI, Capítulo I), havendo, em simetria com o dispositivo estadual, a previsão de reserva e destinação de 31% dos recursos resultantes de impostos, ao cumprimento do dever no tocante ao implemento do direito à educação.

É certo que, apesar dos esforços dos constituintes, ainda restam falhas acentuadas, e longe se está do patamar ideal para a educação. A realidade doméstica, brasileira, não descortina um quadro muito animador em relação ao grau de instrução. Conquanto tenha avançado no combate ao analfabetismo, nas últimas eleições municipais, o levantamento promovido pela justiça eleitoral6 desvenda, num total 130.469.549 eleitores, 8.097.513 analfabetos, 20.367.757 que sabem ler e escrever, 44.456.754 que possuem o primeiro grau incompleto e só 10.129.580 que concluíram o primeiro grau.

Esses registros são corroborados por pesquisa produzida pelo jornal Folha de S. Paulo, que aponta o triste fato de um em cada cinco jovens não terem completado o ensino fundamental7. Apenas 3,49% dos eleitores têm diploma de ensino superior, sendo que os estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina detêm o maior número de eleitores com ensino superior. Dos estados do Norte e Nordeste, Maranhão e Piauí destacam-se como os de menor percentual de eleitores formados em universidades. Além disso, os problemas de evasão e de reprovação importam em significativa exclusão educacional, colocando a educação brasileira, no quesito matemática, na 53ª posição no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), na tabela confeccionada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE); no quesito ciências, na 52ª; e no quesito leitura, na 48ª8.

A previsão de cotas reservadas aos de raça negra comparece, nesse cenário educacional, ainda desfavorável à concreta universalização desse direito, como indicador da influência da mobilização dos grupos sociais em prol do desenvolvimento do setor educacional e da expectativa de construção de um futuro mais equitativo. Nessa esteira, a Conferência Internacional contra o Racismo, realizada pela ONU, em Durban, na África do Sul, em setembro de 2000, encontra ressonância nos programas de ações afirmativas introduzidas no Brasil.

Os programas de políticas afirmativas, buscando a inserção de setores menos aquinhoados na população ativa e produtiva da sociedade, consubstanciam-se em ações de capacitação e privilegiamento dos segmentos mais vulneráveis, no ensejo de nulificar o desequilíbrio que as condições deficitárias introduzem no cenário social. E foi no panorama educacional que as políticas afirmativas praticadas conquistaram maior notoriedade, perseguindo a inserção, notadamente, dos afro-descendentes no mundo universitário, autorizando a capacitação desse contingente de desfavorecidos mediante o acesso à educação superior.

Em cenário brasileiro, principalmente, sob a égide da Constituição de 5 de outubro de 1988, a técnica das ações afirmativas, difundiu-se por meio de medidas tendentes a ampliar o leque de oportunidades de acesso à educação superior, principalmente para os afro-descendentes e a população de baixa renda. Nesse sentido, no âmbito federal, é de se destacar: a Lei nº 10.558/02, documento que instala o Programa de Diversidade na Universidade; a Lei nº. 10.678/03, que preconiza a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Social; o Decreto nº. 4.228/02, que institui, no âmbito da administração pública federal, o Programa Nacional de Ações Afirmativas; e, mais recentemente, a Medida Provisória n o 213, de 10 de setembro de 2004, que institui o Programa Universidade para Todos (ProUni), importante instrumento de política positiva de inserção que vem sendo discutida no âmbito das ADI's 3330, 3314 e 3379, junto ao Supremo Tribunal Federal.

No âmbito dos estados-membros, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro contam com legislação própria, disciplinando a prática de ações afirmativas, acolhendo a técnica de cotas para o ingresso nas universidades. O ingresso pela técnica de cotas na Universidade Federal de Alagoas é regulado pela Resolução 09/2004 – Cepe, de 10 de maio de 2004. Em Brasília, Distrito Federal, a matéria é tratada por via de um “Plano de metas de inserção social da Universidade de Brasília”, aprovado pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), em 06 de junho de 2003. E, vale lembrar, esse sistema de cotas instituído pela UnB está sendo contestado por via judicial, perante o Supremo Tribunal Federal, por partido político. A demanda, ajuizada em 20 de julho do corrente ano de 2009, já foi contemplada com parecer favorável à técnica, subscrito pela Procuradoria Geral da República, que acentuou terem tais políticas o condão de “quebrar estereótipos negativos que definem a pessoa negra como predestinada a exercer papéis subalternos na sociedade”.

No estado de São Paulo, o tema é disciplinado por via de dois decretos: o Decreto nº 48.328/03 cria o Programa de Ações Afirmativas do Estado de São Paulo, e o Decreto nº 49.602/05 institui o Sistema de Pontuação Acrescida para afros e egressos do ensino público para ETEs e Fatecs. Ainda no estado de São Paulo, destaca-se o município de Piracicaba com legislação própria, tendo editado a Lei Municipal nº 5.202/02. Oportuno, por derradeiro, o registro da original e especialíssima técnica idealizada no estado de São Paulo, oriunda de aplicações no âmbito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e que, pelos bons resultados, foi remodelada para o ingresso nas Fatec's estaduais. Trata-se do sistema de pontuação acrescida, que confere aos afro-descendentes, aos egressos de escolas públicas, índios e aos menos favorecidos, um acréscimo na pontuação, desde que atinjam a nota de corte. Não adotam, contudo o método da reserva de vagas, ou seja, as cotas.

Satisfazer as cambiantes demandas que o século XXI insinua implica numa atuação perseverante tanto do Estado, como, ainda, da sociedade civil e de todos os elementos que a compõem, envolvidos nessa tarefa. Exige um esforço conjunto, uma constante ação cooperativa, enfim, a mobilização da comunidade social para o ensino em níveis que atendam às expectativas internacionais de educação. Forçoso é convir que esse espetáculo não autoriza qualquer ideia de descontrução; ao contrário, reclama o ideal utópico a servir de estímulo para o reconhecimento e a eficaz defesa dos direitos fundamentais e do direito à educação, na peculiar categoria de direito que, efetivado, permitirá o exercício de todos os demais.

Monica Herman Caggiano é professora associada do Departamento de Direito do Estado, da Universidade de São Paulo (USP), presidente da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, professora titular de direito constitucional e coordenadora do curso de especialização em direito empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi procuradora geral do Município de São Paulo (1995-1996).

Notas

1 Douzinas, Costas, O fim dos direitos humanos. tradução Luzia Araújo, São Leopoldo, Editora Unisinos, Coleção Díke, 2007.

2 A “Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia” foi elaborada na expectativa de que integrasse o Tratado de Constituição para a Europa, o qual, no entanto, foi rejeitado, por intermédio de referendo, na Holanda e na França em 2005.

3 A essencialidade dos direitos fundamentais para o constitucionalismo já era proclamada pela Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26/08/1789, no seu art. 16: "Toda a sociedade em que a garantia dos direitos não estiver assegurada... não tem Constituição”.

4 "Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático”, in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 16, 199, p. 203.

5 A segunda geração de direitos – direitos sociais e econômicos – eclode sem que se abandone a imposição de salvaguarda das prerrogativas inerentes ao ser humano (primeira geração) proclamadas nas declarações americanas e no documento francês de 1789. Insere direitos que reclamam em favor do indivíduo, integrante da sociedade estatal, determinadas prestações positivas por parte do Estado. São direitos de caráter assecuratório, assistenciais, porquanto se destinam a robustecer a eficácia das liberdades, direitos da primeira geração.

6 Fonte: TSE, divulgando o perfil do eleitorado de 2008, em 15 de julho de 2008.

7 Folha OnLine, 21 de janeiro de 2008.

8 Id. Ibidem.