De
acordo com o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
entre os bens duráveis, o computador foi o que teve o maior crescimento nos
domicílios. O percentual de residências com
computador saltou de 10,6%, em 2000, para 38,3% em 2010. E dos 22 milhões de
domicílios que tinham computador em 2010, 80% estavam conectados à internet.
Essas transformações
em curso tendem a produzir reflexos na produção de conhecimento e nos processos
educativos. No entanto, segundo estudo
elaborado pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) em 2009, há
ainda enorme desigualdade de acesso à informática no Brasil. Entre os mais
ricos, 86% têm computador e internet em casa – taxa equivalente a dos
estudantes de países ricos. Entre os mais pobres, apenas 15% têm as ferramentas
em casa.
“A presença de computadores nas
escolas brasileiras ou a presença de computadores nos domicílios, por si só,
terá efeitos limitados com relação ao acesso à informação”, afirma Lalo
Watanabe Minto, doutor em educação pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp). Isto porque, para que esse acesso se efetive, também é preciso saber
lidar com a informação recebida. É essencial, ele afirma, que se desenvolva a
capacidade de selecionar conteúdos, de interpretá-los, de criticá-los e de
descartá-los quando desnecessários ou desimportantes.
Em setembro de 2011, durante a abertura da Bienal
do Livro de São Paulo, o então ministro da Educação, Fernando Haddad, disse que
pretendia comprar milhares de tablets para os alunos das escolas
públicas brasileiras, beneficiando, em suas palavras, alunos, fabricantes
nacionais e editoras de livros educacionais. Trata-se de uma tendência adotada
por países tidos como modelos na área da educação, tal qual a Coreia do Sul.
As mudanças necessárias para a construção de um novo
modelo educativo, no entanto, precisam considerar uma complementaridade entre conteúdo, forma e mudança nas relações
entre docentes e discentes, afirmam especialistas. “O mais importante é
mexer com a estrutura pedagógica das escolas, para se romper a forma
tradicional de ensino. Formar professores para isso. Criar políticas públicas
de currículo que solicitem isso”, acredita Ulisses Ferreira de Araujo,
professor da Universidade de São Paulo (USP-leste), doutor em psicologia
escolar.
Esses dados e acontecimentos levam
ao questionamento sobre a necessidade de uma reinvenção da educação,
que abarque as demandas de uma sociedade que vem passando por grandes e rápidas
transformações.
Computadores
e ensino
De acordo com o levantamento de 2009 feito pelo
Pisa, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) para analisar a relação entre os sistemas de ensino e a tecnologia,
metade dos estudantes brasileiros não tem acesso à internet. Há dez anos, em
média, 23% dos estudantes brasileiros de 15 anos tinham computadores em casa,
hoje essa taxa é de 53%. Apesar do avanço, os números ainda são inferiores à
Europa, EUA e Japão, onde mais de 90% dos estudantes chegam a ter computador. No
entanto, o Pisa aponta que as escolas do Brasil o colocam em último lugar numa
lista de 38 nações avaliadas em relação ao número de computadores por alunos na
escola.
Neste cenário, as instituições privadas estão se
consolidando na introdução dos computadores no ambiente escolar nacional. São esses
estabelecimentos que estão mais equipados com computadores, lousas digitais,
distribuindo tablets para seus
alunos, ou, polemicamente, incluindo esse objeto na lista de material escolar.
No que diz respeito a escolas públicas, embora 92% das escolas urbanas do Brasil tenham
computador com acesso à internet, apenas 4% tem o equipamento instalado em sala
de aula. É o que aponta a
“Pesquisa sobre o uso das tecnologias da
informação e da comunicação nas escolas brasileiras”, do Comitê Gestor da
Internet no Brasil, divulgado
em agosto de 2011. Essa pesquisa amostral, que considerou 497 escolas públicas municipais e
estaduais urbanas do país, aponta que apenas 18% dos professores usam internet
na sala de aula.
Araujo, da
USP-leste, questiona políticas que visem distribuir computadores nas escolas, e
até mesmo para alunos, pois existem questões operacionais que considera
intransponíveis. “Para além das mega licitações, que só pensam em colocar hardware nas escola, as políticas públicas
deveriam se voltar para questões pedagógicas e considerar a diversidade e as condições
socioeconômicas brasileiras”, argumenta, e defende que não adianta colocar
esses equipamentos nas escolas sem a implementação de mudanças conceituais no
trabalho pedagógico, que inclui formação de professores. O grande problema, concorda Sergio Ferreira do Amaral, professor da Faculdade de Educação da
Unicamp, é a
capacitação do professor na utilização pedagógica e didática do computador em
sala de aula.
Araujo
ressalta ainda que são comuns relatos de professores, diretores de escola e
estudantes, de que computadores ficam trancados em salas de informática, com a
justificativa de que os estudantes não os quebrem. Há também escolas que deixam
os computadores parados por falta de pessoal qualificado para manutenção ou
para colocar os equipamentos em funcionamento.
A conclusão
de Lalo Minto, da qual poucos discordariam, é que a grande maioria das escolas
públicas no Brasil funciona em estado de precariedade. Isso não se resume à
infraestrutura física, mas diz respeito, sobretudo, às condições de trabalho
dos profissionais da área, bem como às condições de custeio das atividades
educativas. Neste cenário, enfatiza, “é difícil que uma política de introdução de
computadores seja eficaz sem que os problemas fundamentais das escolas sejam
enfrentados”. Para tanto, ele cita a necessidade urgente de se investir na
melhoria das condições de trabalho (salários, direitos trabalhistas, formação
dos profissionais de qualidade), nas condições de estudo (situação
socioeconômica dos estudantes e de suas famílias) e na infraestrutura física
das escolas.
Avalanche de informações na
sociedade do conhecimento
Quando
se fala em "sociedade da informação", via de regra, há a ideia de que
o conhecimento seria um produto final, alcançado após a etapa de acúmulo de informações,
alerta Minto. Por esse motivo a palavra "acesso" se torna tão
importante nesse contexto.
O
imediatismo do saber (a informação), no entanto, não deve predominar em
detrimento do conhecimento. Lalo Minto não acredita que as políticas educacionais
vigentes visem à construção do saber crítico e da postura ativa dos estudantes
frente às informações que recebem. “Elas podem, no máximo, ser políticas de
interesse econômico direto, pois a oferta de computadores em escolas públicas,
bem como de acesso à internet e outros recursos, movimentam montantes
gigantescos de recursos, favorecem grandes grupos econômicos ligados ao setor
de informática e da computação, bem como empresas que controlam o acesso à
internet no Brasil”, argumenta.
Segundo o
pesquisador da Unicamp, a ideia da sociedade da informação está baseada na
premissa de que o acesso à informação ganha cada vez mais centralidade nos
processos educativos, num contexto em que caberia à escola apenas organizar o
instrumental por meio dos quais esse acesso se torna possível. “Daí que a
presença de computadores nas escolas é vendida como se fosse a solução para
todos os problemas educacionais: do âmbito da gestão ao currículo, mas,
sobretudo, dos problemas da didática e dos conteúdos a serem ensinados, que,
para essa visão dominante, perdem cada vez mais sua importância”, afirma.
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