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Reportagem
Políticas de informatização das escolas são suficientes para o acesso ao conhecimento?
Por Maria Teresa Manfredo
10/02/2012

De acordo com o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os bens duráveis, o computador foi o que teve o maior crescimento nos domicílios. O percentual de residências com computador saltou de 10,6%, em 2000, para 38,3% em 2010. E dos 22 milhões de domicílios que tinham computador em 2010, 80% estavam conectados à internet. Essas transformações em curso tendem a produzir reflexos na produção de conhecimento e nos processos educativos. No entanto, segundo estudo elaborado pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) em 2009, há ainda enorme desigualdade de acesso à informática no Brasil. Entre os mais ricos, 86% têm computador e internet em casa – taxa equivalente a dos estudantes de países ricos. Entre os mais pobres, apenas 15% têm as ferramentas em casa.

“A presença de computadores nas escolas brasileiras ou a presença de computadores nos domicílios, por si só, terá efeitos limitados com relação ao acesso à informação”, afirma Lalo Watanabe Minto, doutor em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Isto porque, para que esse acesso se efetive, também é preciso saber lidar com a informação recebida. É essencial, ele afirma, que se desenvolva a capacidade de selecionar conteúdos, de interpretá-los, de criticá-los e de descartá-los quando desnecessários ou desimportantes.

Em setembro de 2011, durante a abertura da Bienal do Livro de São Paulo, o então ministro da Educação, Fernando Haddad, disse que pretendia comprar milhares de tablets para os alunos das escolas públicas brasileiras, beneficiando, em suas palavras, alunos, fabricantes nacionais e editoras de livros educacionais. Trata-se de uma tendência adotada por países tidos como modelos na área da educação, tal qual a Coreia do Sul.

As mudanças necessárias para a construção de um novo modelo educativo, no entanto, precisam considerar uma complementaridade entre conteúdo, forma e mudança nas relações entre docentes e discentes, afirmam especialistas. “O mais importante é mexer com a estrutura pedagógica das escolas, para se romper a forma tradicional de ensino. Formar professores para isso. Criar políticas públicas de currículo que solicitem isso”, acredita Ulisses Ferreira de Araujo, professor da Universidade de São Paulo (USP-leste), doutor em psicologia escolar.

Esses dados e acontecimentos levam ao questionamento sobre a necessidade de uma reinvenção da educação, que abarque as demandas de uma sociedade que vem passando por grandes e rápidas transformações.

Computadores e ensino

De acordo com o levantamento de 2009 feito pelo Pisa, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para analisar a relação entre os sistemas de ensino e a tecnologia, metade dos estudantes brasileiros não tem acesso à internet. Há dez anos, em média, 23% dos estudantes brasileiros de 15 anos tinham computadores em casa, hoje essa taxa é de 53%. Apesar do avanço, os números ainda são inferiores à Europa, EUA e Japão, onde mais de 90% dos estudantes chegam a ter computador. No entanto, o Pisa aponta que as escolas do Brasil o colocam em último lugar numa lista de 38 nações avaliadas em relação ao número de computadores por alunos na escola.

Neste cenário, as instituições privadas estão se consolidando na introdução dos computadores no ambiente escolar nacional. São esses estabelecimentos que estão mais equipados com computadores, lousas digitais, distribuindo tablets para seus alunos, ou, polemicamente, incluindo esse objeto na lista de material escolar.

No que diz respeito a escolas públicas, embora 92% das escolas urbanas do Brasil tenham computador com acesso à internet, apenas 4% tem o equipamento instalado em sala de aula. É o que aponta a “Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação nas escolas brasileiras”, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, divulgado em agosto de 2011. Essa pesquisa amostral, que considerou 497 escolas públicas municipais e estaduais urbanas do país, aponta que apenas 18% dos professores usam internet na sala de aula.

Araujo, da USP-leste, questiona políticas que visem distribuir computadores nas escolas, e até mesmo para alunos, pois existem questões operacionais que considera intransponíveis. “Para além das mega licitações, que só pensam em colocar hardware nas escola, as políticas públicas deveriam se voltar para questões pedagógicas e considerar a diversidade e as condições socioeconômicas brasileiras”, argumenta, e defende que não adianta colocar esses equipamentos nas escolas sem a implementação de mudanças conceituais no trabalho pedagógico, que inclui formação de professores. O grande problema, concorda Sergio Ferreira do Amaral, professor da Faculdade de Educação da Unicamp, é a capacitação do professor na utilização pedagógica e didática do computador em sala de aula.

Araujo ressalta ainda que são comuns relatos de professores, diretores de escola e estudantes, de que computadores ficam trancados em salas de informática, com a justificativa de que os estudantes não os quebrem. Há também escolas que deixam os computadores parados por falta de pessoal qualificado para manutenção ou para colocar os equipamentos em funcionamento.

A conclusão de Lalo Minto, da qual poucos discordariam, é que a grande maioria das escolas públicas no Brasil funciona em estado de precariedade. Isso não se resume à infraestrutura física, mas diz respeito, sobretudo, às condições de trabalho dos profissionais da área, bem como às condições de custeio das atividades educativas. Neste cenário, enfatiza, “é difícil que uma política de introdução de computadores seja eficaz sem que os problemas fundamentais das escolas sejam enfrentados”. Para tanto, ele cita a necessidade urgente de se investir na melhoria das condições de trabalho (salários, direitos trabalhistas, formação dos profissionais de qualidade), nas condições de estudo (situação socioeconômica dos estudantes e de suas famílias) e na infraestrutura física das escolas.

Avalanche de informações na sociedade do conhecimento

Quando se fala em "sociedade da informação", via de regra, há a ideia de que o conhecimento seria um produto final, alcançado após a etapa de acúmulo de informações, alerta Minto. Por esse motivo a palavra "acesso" se torna tão importante nesse contexto.

O imediatismo do saber (a informação), no entanto, não deve predominar em detrimento do conhecimento. Lalo Minto não acredita que as políticas educacionais vigentes visem à construção do saber crítico e da postura ativa dos estudantes frente às informações que recebem. “Elas podem, no máximo, ser políticas de interesse econômico direto, pois a oferta de computadores em escolas públicas, bem como de acesso à internet e outros recursos, movimentam montantes gigantescos de recursos, favorecem grandes grupos econômicos ligados ao setor de informática e da computação, bem como empresas que controlam o acesso à internet no Brasil”, argumenta.

Segundo o pesquisador da Unicamp, a ideia da sociedade da informação está baseada na premissa de que o acesso à informação ganha cada vez mais centralidade nos processos educativos, num contexto em que caberia à escola apenas organizar o instrumental por meio dos quais esse acesso se torna possível. “Daí que a presença de computadores nas escolas é vendida como se fosse a solução para todos os problemas educacionais: do âmbito da gestão ao currículo, mas, sobretudo, dos problemas da didática e dos conteúdos a serem ensinados, que, para essa visão dominante, perdem cada vez mais sua importância”, afirma.