10/11/2006
A atividade conhecida como lobby é legal nos Estados Unidos, mas
proibida em diversas partes do mundo (como no Brasil). Ela consiste em
tentar influenciar políticas de governo em favor das empresas. É dos
dilemas éticos dessa atividade que trata o filme Obrigado por fumar (Thank you for smoking).
O roteiro adaptado do livro homônimo de Christopher Buckleys (1994),
procura mostrar como age um lobista da indústria do cigarro. Mas também
é uma sátira às atitudes desesperadas do senado norte-americano para
prejudicar os negócios bilionários das indústrias de tabaco.
Há, no filme, dois cenários distintos que sugerem atentos comentários.
Primeiro, a preocupação de BR (J.K. Simmons), presidente da Academia de
Estudos do Tabaco – instituição que faz pesquisas de fachada para a
indústria – com a queda nas vendas dos cigarros para a verdadeira “mina
de ouro” das tabaqueiras, ou seja, os jovens fumantes. De outro lado, a
luta do Estado, representado na figura do senador Ortolan Finistirre
(William Macy), para inserir, nos maços de cigarro, a palavra veneno (poison,
em inglês), junto com a imagem de uma caveira. Essa tentativa do
senador tem o apoio de instituições e associações que atuam contra o
fumo. A solução, encontrada por BR, para o impacto negativo da medida é
subornar (indiretamente, por meio de “patrocínios”) os produtores de
Hollywood, para que o cigarro volte às telas dos cinemas com atores de
peso como Brad Pitt e Catherine Zeta Jones.
As
estratégias de popularização do fumo usadas pela indústria são bem
conhecidas. As propagandas de cigarro buscam ligações com um mundo
esportivo, adulto e sexy, utilizam técnicas da mensagem subliminar,
transportando o fumante, inconscientemente, para um mundo em que, na
realidade, ele nunca conseguiria estar. Só nos Estados Unidos a
indústria do tabaco movimenta US$ 50 bilhões por ano. De acordo com a
Organização Mundial da Saúde (OMS) morrem, anualmente, 5 milhões de
pessoas no mundo todo por doenças relacionadas ao fumo.
A
lista "As 101 pessoas mais influentes que nunca viveram",
elenca personagens da ficção e da propaganda presentes no imaginário
popular, coloca no topo, o homem de Marlboro, caubói norte-americano
que surgiu nos anos 1950 e ajudou a aumentar as vendas do cigarro. O
ator David McLean, o primeiro a representar o homem de Marlboro, morreu
de câncer no pulmão, em 1995.
Esse é um detalhe que o diretor do filme, Jason Reitman, não deixa
passar em branco. Nick recebe a tarefa de levar um "presente" para
Lorne Lucth, o homem Marlboro, que está com câncer. A argumentação de
Nick para que ele fique com o "presente" é muito sutil e interessante.
É também simples. O presente, uma mala cheia de dinheiro, na verdade é
um suborno para que Lucth pare com as denúncias contra as empresas de
tabaco. Lucth diz que a dignidade dele não está a venda e então o
lobista emenda: “a idéia é dar apenas um presente – sendo que sua
própria culpa lhe impedirá que continue com as denúncias”.
Marlboro: marca mundial
O lobby e a retórica. E a ética?
Nick
é um lobista, sua profissão é influenciar o governo através da
reinterpretação de dados sobre os malefícios do cigarro. Sua
argumentação precisa ser infalível, ele tem que ser um mestre da
retórica. Nick não visa distinguir o certo do errado, mas sim fazer com
que outros acreditem que suas idéias representam o correto.
Logo
no início do filme, em um programa de auditório acontece um debate
sobre os efeitos do cigarro no organismo. Estão no palco a presidente
das “mães contra o fumo entre jovens”, a representante da “associação
do pulmão”, o representante do “serviços humanos e de saúde”, Nick
Naylor e Robin Willeger, um estudante que está com câncer por fumar. A
própria composição do quadro de convidados do programa torna a situação
muito desfavorável para Nick. No entanto, ao pedir a palavra ele
argumenta de forma precisa e objetiva, sem deixar lacunas para uma
contra argumentação. “É do interesse das tabaqueiras que este jovem não
morra, pois assim poderá seguir fumando. Ao contrário, os
antitabagistas, querem que ele morra, para aumentar o pressuposto de
que o cigarro faz mal”.
Apesar da argumentação ser horrível, Nick consegue engessar as repostas
dos críticos que estavam prontos para atacá-lo. Recebe até sinais de
aprovação da platéia e do garoto com câncer, quando anuncia que a
indústria do tabaco lançará um programa de US$ 50 milhões para
prevenção de fumo entre as crianças dos EUA.
Já em outro momento muito relevante do filme é quando acontece o debate
no senado norte-americano para a decisão sobre o rótulo dos maços de
cigarro. Nick, questionado se acredita que o hábito de fumar pode levar
ao câncer pulmonar, surpreendentemente responde que sim. "Todos sabem
que o cigarro faz mal", argumenta Nick. Na verdade, sua resposta
pretende apenas inverter a lógica da questão. Se todos concordam que o
cigarro faz mal, por que colocar um símbolo de alerta? O problema,
argumenta, não é a falta de informação. Haveria uma questão acima
dessa, que se refere aos padrões atuais de consumo de "produtos
perigosos", na qual a sociedade industrial está conectada. Nessa linha
de argumentação, Nick aconselha o senador Dupree, do estado de
Michigan, que se coloque símbolos de perigo nos automóveis Ford.
Michigan, nos Estados Unidos, é um estado conhecido como a capital da
indústria automobilística. O lobista vai mais além e questiona o
senador, autor da proposta de rotulagem dos cigarros, que vem de
Vermont, grande produtor de queijos. “Por que não rotular o Cheddar, já
que o colesterol é uma das principais causas de morte entre os
norte-americanos?”
A
criatividade e engenhosidade na argumentação de Nick é compartilhada em
reuniões sociais com outros lobistas, que trabalham para as empresas do
álcool e das armas. O grupo se auto denomina "esquadrão M.O.D.",
iniciais de Mercadores da Morte, em inglês. Os encontros são marcados
por humor negro. Num momento de stress, após Nick ser ameaçado de morte
em um programa de televisão, os MODs discutem qual dos três produtos
mata mais: “me desculpe mas meu produto mata 475.000 pessoas em um ano,
ou seja, 1200 por dia. E o álcool quanto mata? 100 mil por ano? 270
pessoas por dia? Nossa que tragédia!! E a indústria das armas, 11.000
por ano? 30 pessoas por dia? Me desculpem..."
O
filme, acima de tudo, trata da relação delicada entre o lobista e seu
filho, Joey (Cameron Bright), que se envergonha do trabalho do pai.
Mostrando sua habilidade e levando o garoto a algumas de suas reuniões
de trabalho, Nick dá aulas de retórica e ganha a admiração do filho.
Joey encanta-se com o sucesso do lobista e assim consegue enfrentar as
críticas de todos que vêem Nick como um monstro. Em uma de suas
conversas, Nick tenta explicar ao filho o que faz um lobista e, para
isso, utiliza o termo "flexibilidade moral”. "Imagine que você vire um
advogado e tem que defender um assassino de crianças. A lei diz que
todos tem direito a um julgamento justo. Você o defenderia?", pergunta
Nick. E Joey responde, "sim, se todos devem ter o direito a uma defesa
justa". Então Nick explica que o trabalho de um lobista é ser o
advogado das corporações multinacionais.
Nick,
durante todo o filme, explica sua ação pela necessidade de pagar sua
hipoteca. Para ele, não importa os danos que suas ações podem causar à
sociedade. O lobby não é guiado por uma conduta ética, aliás, é imoral.
Atuar em prol de uma corporação que assume que seu produto é motivo de
um número elevado de mortes entre seres-humanos, não deveria ser uma
prática social. No entanto, no atual contexto das relações econômicas,
onde a liberdade de mercado e a individualidade são valores supremos,
até mesmo as ações de um assassino múltiplo podem ser consideradas
legais.
Thank You for Smoking
Direção: Jason Reitman
EUA, 2006
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