O jornalista tem encontrado, atualmente, diversas novas formas de produzir, publicar e relacionar-se com o mundo, haja vista a demanda por conteúdos hipermultimídia, que unem a hipertextualidade e a multimidialidade e sua inserção nas mídias sociais, o que acena com a necessidade de uma formação contemporânea, atenta aos avanços tecnológicos e a suas implicações na prática e no perfil do profissional.
Quais seriam essas implicações? É uma pergunta à qual tento responder há um bom tempo. Tenho pensado e discutido sobre o emprego das tecnologias da informação e da comunicação na formação dos jornalistas há uma década, tempo que coincide com o início de minha atuação como docente universitária em cursos de graduação em jornalismo. Essa preocupação deriva, em parte, de uma formação prévia em processamento de dados antes de me transformar em estudante de jornalismo. Fiquei espantada quando, na universidade, soube que teria de escrever em máquinas datilográficas mecânicas. Nas primeiras redações em que trabalhei, eram as mesmas máquinas que me acompanhavam. Até que, em um movimento inevitável e irreversível de informatização, lá estavam eles, os terminais com os quais eu convivera meia década antes e dos quais sentia falta.
Não tardou a chegar a internet e talvez eu tenha sido uma das pessoas mais entusiasmadas para usar aquele único computador com acesso à web instalado na redação. Um comportamento esperado, frente à minha formação prévia, embora não saiba como foi essa transição para os colegas de redação, mesmo para aqueles que tinham uma formação bastante semelhante, por termos frequentado o mesmo curso em recorte temporal não muito extenso.
Ao longo desse período, muitas mudanças se estabeleceram, tanto em termos de aplicativos, quanto no que se refere aos dispositivos, exigindo uma atualização constante nessa reflexão. Esta seria uma primeira implicação, ou seja, a construção do conhecimento sobre tecnologias de informação e comunicação é diretamente influenciada pelos avanços proporcionados por elas.
A intensificação de minha preocupação com as implicações tecnológicas na formação, na prática e no perfil do jornalista, e o distanciamento necessário a uma reflexão aprofundada permitem, somente agora, olhar de outra maneira para a situação vivida em uma redação, então recém-informatizada. E leva, a partir disso, a refletir sobre o processo de convergência midiática proporcionado pela web, particularmente sobre as possibilidades das mídias sociais frente a uma hibridização profissional no campo do jornalismo.
A importância das mídias nas redes sociais antes da web restringia-se aos comentários de notícias em qualquer evento social, desde a festa de aniversário de familiares até a reunião de condomínio. Com o acesso à web, redes sociais formaram-se em outro ambiente, no ciberespaço, ampliando-se por meio de mídias sociais (plataformas disponíveis em sites que promovem a constituição dessas redes), nas quais o debate pode obter um alcance e uma riqueza muito maior, pois há espaço para a postagem de comentários e novos conteúdos, disponíveis a todo e qualquer membro da rede, correspondendo, obviamente, aos critérios de privacidade adotados pelo moderador ou criador do perfil.
Pelo fato de comentar-se sobre a web e seus conteúdos na web, as mídias sociais apresentam um grande potencial de aplicação no jornalismo. Diversas situações têm demonstrado isso. A produção e a distribuição nas redes reúnem casos emblemáticos. Os recentes terremotos são um bom exemplo. O abalo sísmico no Haiti, assim como o da Nova Zelândia e no Chile, foi amplamente abordado no Twitter e no Facebook, mediante publicações que abordavam informações de utilidade pública, sobre doações, voluntariado, pessoas desaparecidas e tremores secundários, entre outras, e até para permitir contatos pela internet, à medida que celulares não funcionavam a contento, passando por divulgação de imagens publicadas em sites de compartilhamento de vídeo e fotos, estes também ambientes virtuais propícios à criação de redes.
Redes de jornalismo
As mídias sociais têm agregado jornalistas de diversas formas: em redes nas quais é possível postar produções e receber/fazer comentários; em redes profissionais, como o Linkedin, nas quais o foco são os dados referentes à atuação no mercado de trabalho; redes de microblogs (como Twitter e Meme), nas quais os jornalistas postam informações e interagem com outros profissionais da área – podem fazer o mesmo com suas fontes e seu público –; redes de pesquisas em jornalismo, e tantas outras que não caberiam neste artigo.
Há, ainda, a integração das mídias sociais, o que permite que “dialoguem”, possibilitando a postagem simultânea. O jornalista pode, por exemplo, postar uma fotografia no Flickr e, ao mesmo tempo, com um simples comando, enviá-la para Twitter, Facebook e Linkedin, desde que, caso seja funcionário de alguma empresa jornalística, esta permita tal publicação. Esta, aliás, é uma questão complexa, pois, ao mesmo tempo em que, enquanto cidadão, o jornalista possui a liberdade constitucional de expressar-se, no desempenho de seu papel profissional, deve seguir as normas da organização. O que fazer diante desse impasse? Caracterizando-se ou não como autocensura, o ideal é o bom senso, afinal a exposição em rede tem seus riscos e os profissionais precisam estar atentos a isso.
O jornalista precisa ficar atento, pois existem organizações que chegam a proibir a participação de seus funcionários nas mídias sociais ou que restringem o tipo ou assunto da publicação, sob pena de demissão inclusive – isso aconteceu há pouco tempo e causou polêmica nas mídias sociais, especialmente na utilizada pelo jornalista demitido –, a depender da postagem, caso esta fira seus interesses (da empresa, obviamente).
Por outro lado, pela facilidade de disseminação do conteúdo nas mídias sociais, as entidades e instituições relacionadas ao jornalismo, tenham fins comerciais ou não, têm aproveitado o espaço tanto para divulgação própria, quanto para promover a integração de jornalistas em torno de uma ideia, um projeto, um evento, uma causa, enfim. Embora uma rede entre leitores e empresas pareça estar formada, o uso das mídias sociais por estas ainda tem sido no sentido de divulgação de notícias, podendo esse conteúdo ser replicado a partir do compartilhamento pelo público.
A interação com os indivíduos que acessam seus conteúdos poderia fortalecer o debate a partir das informações postadas, mas parece longe de concretizar-se. Pouco se tem investido em profissionais para mediação entre o público e o veículo e há casos em que essa função é cumprida por uma pessoa apenas, ou seja, o filtro entre os indivíduos que comentam as notícias e os jornalistas que as elaboram fica restrito a um único olhar.
Se o ponto alto da tão propagada web 2.0 é a participação do público, seja por meio da interatividade proporcionada por interfaces editáveis, seja pela interação com outros indivíduos a partir de recursos de áudio e vídeo, parece um contrassenso o jornalismo limitar-se à divulgação pura e simples da informação a partir da reprodução do que é veiculado em outras mídias (impressa, sonora, televisiva). Com isso, perde-se a oportunidade de dialogar com o público e conhecê-lo melhor para, consequentemente, oferecer-lhe conteúdos também melhores.
Em um tempo no qual se discute a valorização da comunicação P2P (peer to peer), de indivíduo a indivíduo, a distribuição em massa (broadcasting) perde seu lugar à medida que os veículos poderiam – e deveriam – participar de maneira mais ativa nas redes e não somente fornecer-lhes conteúdos. Com isso, correm o risco de ficar alheias ao que é dito sobre elas. Entretanto, pior que usar as mídias sociais como simples extensão na distribuição de conteúdo é proibir seu uso pelos jornalistas. Se as empresas não pretendem interagir com os cidadãos, que continuem pelo menos a publicar chamadas para seus conteúdos, permitindo o mesmo a seus jornalistas, e deixem a interação por conta dos participantes das redes. O que se deve evitar é a ausência nessas mídias, pois, como dito, elas têm sido o espaço no qual as pessoas discutem sobre as informações e opiniões que circulam nas demais.
Se, porém, a realidade do jornalista for outra e ele não tiver vínculo com nenhuma empresa, ou ainda, se tiver empresa própria, abre-se um mundo de possibilidades, pois há um crescente mercado jornalístico voltado para as mídias sociais que pode e deve ser explorado pelos profissionais formados, ou interessados em formar-se, para essa nova realidade midiática.
Formação em rede
Além de contribuírem para a formação permanente do profissional, quando empregadas como recurso pedagógico na formação do jornalista, as mídias sociais podem ser utilizadas tanto para interação dos professores com os estudantes e entre estes, quanto para a divulgação de informações sobre um ou outro conteúdo abordado no curso e, ainda, para a publicização de produções acadêmicas, criando uma espécie de portfólio digital.
A adoção das redes e, por conseguinte, das mídias sociais na formação do jornalista demanda, por sua vez, um novo perfil do professor, ou seja, se existem implicações na prática e no perfil do jornalista profissional, isso exige um olhar formativo atualizado. Difícil, portanto, negar as implicações na prática e no perfil do professor de jornalismo. É um movimento cíclico, de reconfiguração constante, que coloca um desafio aos cursos e, por extensão, aos docentes de ontem, de hoje e, principalmente, de amanhã, à medida que a formação, seja do jornalista, seja do professor de jornalismo, é permanente e os recursos para isso estão disponíveis, cabendo a cada um decidir usá-los.
Mirna Tonus é professora do curso de comunicação social: habilitação em jornalismo na Universidade Federal de Uberlândia.
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