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Qual é a contribuição do Estado para o aumento da desigualdade social?
Por Kátia Kishi
18/08/2015
Um estudo publicado nesta semana pela revista Brazilian Political Science Review indica que as próprias ações do Estado podem estar favorecendo a desigualdade de renda no Brasil. Segundo esse estudo, por um lado, as políticas públicas protegem os mais pobres, mas por outro, beneficiam mais os ricos.

A pesquisa foi realizada pelo economista e sociólogo da Universidade de Brasília (UnB), Marcelo Medeiros, e pelo sociólogo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Pedro Souza, e indica que o Estado é responsável por uma grande parcela da desigualdade brasileira. O estudo avaliou a contribuição do fluxo de renda líquida que entra e que sai no caixa do Estado para o aumento da desigualdade de renda, com base nos dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a “Pesquisa de Orçamentos Familiares” de 2008 a 2009.

Um dos autores, Marcelo Medeiros, explica que já era esperada uma grande contribuição do Estado na desigualdade por causa de sua importância na vida financeira dos brasileiros. “O Estado brasileiro é extremamente importante para que a gente entenda por que o Brasil é tão desigual. E por que isso? Porque só 10% das famílias ou não recebe ou não paga alguma coisa para o Estado brasileiro. Ou seja, praticamente toda a população tem uma relação monetária direta com o Estado, paga e recebe dinheiro, paga impostos diretos ou recebe algo do Estado: salários, benefícios”. O economista também explica que, embora parte das políticas desenvolvidas pelo Estado colabore para reduzir a desigualdade, outras ações contribuem para o aumento. Sendo assim, ele considera relevante o estudo para entender quais atividades colaboram e em qual sentido.


No trabalho, foram avaliados três níveis de operação das políticas sociais. Primeiro, as que mantêm uma elite trabalhadora no setor público com altos salários e pensões. Segundo, a presença de benefícios de pensão e seguro-desemprego apenas para funcionários formais do setor privado, o que desfavorece os trabalhadores informais. Terceiro, o emprego de políticas públicas consideradas progressistas, como o programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um benefício mensal, e incondicional, de um salário mínimo para pessoas pobres com mais de 65 anos ou com deficiências graves. Porém, segundo os autores, essas políticas interferem pouco para quebrar a desigualdade de renda no Brasil.


No saldo final, o Estado contribui com um terço da desigualdade, mas o impacto é grande porque é responsável por 30% da renda brasileira, segundo os cálculos dos autores. O que mais contribui para a desigualdade é o regime de previdências, que paga menos para os trabalhadores da iniciativa privada e pode chegar a valores muito altos para funcionários públicos. Outro problema é a política de salários. Só os funcionários com altos salários e pensões do setor público contribuem com um décimo dessa desigualdade. Mas Medeiros defende que é necessário ter cautela na análise, porque, considerando a qualificação, esses profissionais também ocupariam posições altas no setor privado.


“O que a gente tem que entender é que nem todo o aumento da desigualdade é ruim. Há coisas que podemos desejar fazer muito e que teriam consequências no aumento da desigualdade. Por exemplo, se houver um aumento no salário dos professores do ensino primário do Brasil como uma forma de contratar professores mais qualificados e, enfim, melhorar a educação no país, isso é algo talvez desejável. Mas, se fizermos isso, a desigualdade brasileira vai aumentar. E por que isso? Porque os professores, embora não ganhem muito bem, ganham mais do que aquelas pessoas que não têm qualquer educação ou têm uma educação muito baixa. Então, esse tipo de política poderia aumentar a desigualdade. Agora, isso é um problema? A resposta é: não”, avalia. O economista também aponta o caso da Europa, que teve uma queda na desigualdade durante a Segunda Guerra Mundial, mas, para ele, nem por isso tal queda pode ser considerado algo bom.


Segundo Medeiros, o problema da desigualdade não é fácil de ser resolvido e varia no contexto de cada país, sendo necessário um longo planejamento.


Confira a entrevista completa no blog Divulga Ciência.