Em
1971, Edward O. Wilson, professor da Universidade Harvard
especialista em formigas, publicou no último
capítulo
do seu livro, hoje clássico, The insect societies,
um
ensaio sugerindo a criação de uma nova
disciplina, a
Sociobiologia, unindo conceitos e conhecimentos de várias
áreas, na tentativa de explicar as origens e
evolução
do comportamento social animal com base no estudo comparativo entre
táxons e na interdisciplinaridade. Em 1975, o mesmo autor
desenvolveu o tema no livro Sociobioloy, the new synthesis,
que até hoje repercute amplamente na comunidade
científica
e mesmo fora dela. O livro foi recebido com muita polêmica,
em
especial por incluir uma análise do comportamento social
humano, sob a perspectiva da biologia.
As
acusações de racismo, sexismo e de estar baseado
em
falácias conceituais logo chegaram à imprensa,
gerando
animosidade entre colegas e profundas divisões na comunidade
científica. Entretanto não eram
críticas novas. Mas, sob nova roupagem, questionavam o poder
da biologia em explicar
ou mesmo investigar o fenômeno da vida social de humanos,
estabelecendo um claro limite para a disciplina. O homem seria objeto
exclusivo das ciências sociais, medicina, direito, psicologia
etc., enquanto a biologia deveria parar nos primatas não
humanos. A discussão é antiga e remonta
à
instrumentalização das teorias darwinistas a
serviço
de propostas eugênicas no começo do
século XX,
além de terem (inadvertidamente e muitas vezes utilizando
erradamente certos conceitos) fundamentado ideologias dos mais
variados matizes e outras teorias.
Passados
mais de 30 anos, a sociobiologia mostra sua força,
após
centenas de livros publicados sobre o assunto, revistas
especializadas no tema e um enorme capital em termos de trabalhos em
revistas de reconhecida capacidade científica e progressos
na
compreensão das bases para a evolução
da
socialidade animal. É verdade que a
contribuição
da sociobiologia ao entendimento de porque nós humanos somos
sociais e dos passos da história evolutiva da socialidade
que
praticamos tem sido limitada, mas não era esse o objetivo
original, que pretendia sim chamar a atenção para
a
necessidade de somarmos informações e conceitos
no
desenvolvimento de uma teoria consistente para explicar a
evolução
do comportamento social animal. Ainda assim, talvez a maior
contribuição do debate tenha sido o
reconhecimento que
não podemos nos esquecer que somos animais e que estamos
sujeitos a forças naturais, assim como as outras
espécies
com as quais compartilhamos o planeta.
Um
dos temas mais candentes nessa polêmica sempre foi o quanto
do
comportamento, incluindo o social, tem base genética, ou,
colocando de outra forma, qual o papel da hereditariedade em
relação
à influência do aprendizado e do meio social, na
determinação de nossos atos. Acreditar que nossas
ações
derivam de componentes genéticos somados às
experiências individuais, não significa
necessariamente
justificar atitudes ditatoriais ou menos ainda propugnar mecanismos
de controle social ou individual.
Como
sempre acontece num debate acalorado em torno de duas alternativas, o
tempo nos trouxe para uma posição
intermediária.
Reconhecemos o papel da genética como determinante de
componentes do comportamento, modulados por sua vez pela
história
de vida do indivíduo e pelas circunstâncias
especiais do
meio em que ele vive a medida em que se desenvolve.
As
idéias de Wilson sistematizaram uma área de
conhecimento que teve início ainda nos anos 60 do
século
passado nos trabalhos de V. C. Wynne-Edwards e W. D. Hamilton, a
partir do reconhecimento que a vida em grupo afeta a forma como a
seleção natural opera. Wynne-Edwards explorou
como as
idéias de Malthus se traduziam no controle
voluntário
do número de animais de uma população,
evitando
que esta atinja a capacidade suporte do ambiente, hipótese
que
ele mesmo chamou de group selection (recentemente
revivida por
Wilson em nova polêmica, vendo-a como a força mais
importante para explicar a evolução do
comportamento
social). Hamilton, enquanto estudante de doutorado visitando por um
ano o laboratório liderado então pelo professor
Warwick
Kerr na Universidade de São Paulo de Ribeirão
Preto,
percebeu que na mensuração dos efeitos da
seleção
natural sobre o genoma dos indivíduos, devemos levar em
conta
o genoma dos seus parentes, que com ele compartilham alelos. Essa
hipótese recebeu o nome de kin selection
e vem sendo
empregada com sucesso na explicação de muitos
comportamentos sociais e mesmo de espécies
solitárias.
O
distanciamento de pouco mais de 30 anos mostra que Wilson acertou no
alvo. Não é mais possível conceber a
compreensão
da origem e evolução de um caráter
tão
complexo como a vida social, sem lançar mão de
conceitos de diversas disciplinas, entre elas a tafonomia (estudo do
ambiente e forma como os organismos se fossilizam), morfologia e
fisiologia comparadas de espécies atuais, ecologia presente
e
pregressa dos ambientes onde essa história se desenrolou,
genética dos caracteres condicionantes de comportamentos e
mesmo de comportamentos em si, estudo dos efeitos de
indivíduos
sobre os outros da mesma espécie, estudo das
relações
de parentesco entre organismos, utilizando marcadores moleculares,
informações paleontológicas, da
história
natural, evolutiva e ecológicas. O momento é de
síntese.
Carlos
Roberto F. Brandão é pesquisador do Museu de
Zoologia
da Universidade de São Paulo.
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