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Artigo
A sociobiologia 30 anos depois
Por Carlos Roberto F. Brandão
10/09/2006

Em 1971, Edward O. Wilson, professor da Universidade Harvard especialista em formigas, publicou no último capítulo do seu livro, hoje clássico, The insect societies, um ensaio sugerindo a criação de uma nova disciplina, a Sociobiologia, unindo conceitos e conhecimentos de várias áreas, na tentativa de explicar as origens e evolução do comportamento social animal com base no estudo comparativo entre táxons e na interdisciplinaridade. Em 1975, o mesmo autor desenvolveu o tema no livro Sociobioloy, the new synthesis, que até hoje repercute amplamente na comunidade científica e mesmo fora dela. O livro foi recebido com muita polêmica, em especial por incluir uma análise do comportamento social humano, sob a perspectiva da biologia.

As acusações de racismo, sexismo e de estar baseado em falácias conceituais logo chegaram à imprensa, gerando animosidade entre colegas e profundas divisões na comunidade científica. Entretanto não eram críticas novas. Mas, sob nova roupagem, questionavam o poder da biologia em explicar ou mesmo investigar o fenômeno da vida social de humanos, estabelecendo um claro limite para a disciplina. O homem seria objeto exclusivo das ciências sociais, medicina, direito, psicologia etc., enquanto a biologia deveria parar nos primatas não humanos. A discussão é antiga e remonta à instrumentalização das teorias darwinistas a serviço de propostas eugênicas no começo do século XX, além de terem (inadvertidamente e muitas vezes utilizando erradamente certos conceitos) fundamentado ideologias dos mais variados matizes e outras teorias.

Passados mais de 30 anos, a sociobiologia mostra sua força, após centenas de livros publicados sobre o assunto, revistas especializadas no tema e um enorme capital em termos de trabalhos em revistas de reconhecida capacidade científica e progressos na compreensão das bases para a evolução da socialidade animal. É verdade que a contribuição da sociobiologia ao entendimento de porque nós humanos somos sociais e dos passos da história evolutiva da socialidade que praticamos tem sido limitada, mas não era esse o objetivo original, que pretendia sim chamar a atenção para a necessidade de somarmos informações e conceitos no desenvolvimento de uma teoria consistente para explicar a evolução do comportamento social animal. Ainda assim, talvez a maior contribuição do debate tenha sido o reconhecimento que não podemos nos esquecer que somos animais e que estamos sujeitos a forças naturais, assim como as outras espécies com as quais compartilhamos o planeta.

Um dos temas mais candentes nessa polêmica sempre foi o quanto do comportamento, incluindo o social, tem base genética, ou, colocando de outra forma, qual o papel da hereditariedade em relação à influência do aprendizado e do meio social, na determinação de nossos atos. Acreditar que nossas ações derivam de componentes genéticos somados às experiências individuais, não significa necessariamente justificar atitudes ditatoriais ou menos ainda propugnar mecanismos de controle social ou individual.

Como sempre acontece num debate acalorado em torno de duas alternativas, o tempo nos trouxe para uma posição intermediária. Reconhecemos o papel da genética como determinante de componentes do comportamento, modulados por sua vez pela história de vida do indivíduo e pelas circunstâncias especiais do meio em que ele vive a medida em que se desenvolve.

As idéias de Wilson sistematizaram uma área de conhecimento que teve início ainda nos anos 60 do século passado nos trabalhos de V. C. Wynne-Edwards e W. D. Hamilton, a partir do reconhecimento que a vida em grupo afeta a forma como a seleção natural opera. Wynne-Edwards explorou como as idéias de Malthus se traduziam no controle voluntário do número de animais de uma população, evitando que esta atinja a capacidade suporte do ambiente, hipótese que ele mesmo chamou de group selection (recentemente revivida por Wilson em nova polêmica, vendo-a como a força mais importante para explicar a evolução do comportamento social). Hamilton, enquanto estudante de doutorado visitando por um ano o laboratório liderado então pelo professor Warwick Kerr na Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto, percebeu que na mensuração dos efeitos da seleção natural sobre o genoma dos indivíduos, devemos levar em conta o genoma dos seus parentes, que com ele compartilham alelos. Essa hipótese recebeu o nome de kin selection e vem sendo empregada com sucesso na explicação de muitos comportamentos sociais e mesmo de espécies solitárias.

O distanciamento de pouco mais de 30 anos mostra que Wilson acertou no alvo. Não é mais possível conceber a compreensão da origem e evolução de um caráter tão complexo como a vida social, sem lançar mão de conceitos de diversas disciplinas, entre elas a tafonomia (estudo do ambiente e forma como os organismos se fossilizam), morfologia e fisiologia comparadas de espécies atuais, ecologia presente e pregressa dos ambientes onde essa história se desenrolou, genética dos caracteres condicionantes de comportamentos e mesmo de comportamentos em si, estudo dos efeitos de indivíduos sobre os outros da mesma espécie, estudo das relações de parentesco entre organismos, utilizando marcadores moleculares, informações paleontológicas, da história natural, evolutiva e ecológicas. O momento é de síntese.

Carlos Roberto F. Brandão é pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo.