“O mercador da morte está morto. Dr. Alfred Nobel, que se tornou rico procurando meios para matar mais pessoas o mais rápido possível, morreu ontem.” Essa era a descrição da página de obituários de um jornal parisiense, em 1888, que noticiava prematuramente a morte do químico sueco Alfred Bernhard Nobel que, na verdade, faleceu no final do ano de 1896, em San Remo, Itália. O motivo do erro foi uma confusão do repórter sobre a morte de um dos irmãos mais velhos desse cientista, Ludvig Nobel, que residia em Paris na época. Ao ler a notícia, Alfred Nobel não gostou de saber como seria lembrado postumamente, o que o motivou a colocar em seu testamento como último desejo a inauguração de um instituto que concedesse um prêmio a pessoas que dessem contribuições relevantes para a humanidade.
O Prêmio Nobel, como ficou conhecido, é a atual condecoração mais renomada do mundo nas áreas da física, química, fisiologia ou medicina, literatura e, ironicamente, da paz. A ironia ocorre porque o “mercador da morte”, como o químico sueco foi apelidado pelo jornal parisiense, também é conhecido como o criador e “rei da dinamite”, usada tanto pela construção civil e mineração como para o fortalecimento bélico de vários países em conflito, além da ascensão financeira de Nobel ser um exemplo de sucesso capitalista do século XIX, com sua riqueza vinda das guerras e da prospecção de petróleo na Rússia.
Alfred Nobel nasceu em Estocolmo, na Suécia, em 21 de outubro de 1833, mas ainda em sua infância, após a primeira falência paterna, a família Nobel se mudou para São Petersburgo, na Rússia, onde seu pai, Immanuel Nobel, que também era inventor, montaria uma pequena metalúrgica que fabricava minas submarinas com grandes encomendas para abastecer a guerra da Crimeia (1854-1856). No entanto, com o fim do conflito e derrota do império russo, Immanuel entrou em sua segunda falência. Nesse período, Alfred Nobel já ajudava seu pai no aperfeiçoamento da nitroglicerina líquida (substância explosiva), projeto que levou para Suécia após a falência da fábrica russa.
Os estudos de Alfred sobre a nitroglicerina líquida e os explosivos não começou do nada. Apesar de ele ter tido ensino regular em uma escola apenas um ano de sua vida, o cientista teve professores particulares e com 16 anos já era químico e falava fluentemente sueco, inglês, francês, russo e alemão. Ele completou sua especialização em química na França e, antes de ajudar seu pai na fábrica, trabalhou nos Estados Unidos, sendo que em 1863 obteve sua primeira patente importante na Suécia com o desenvolvimento de um detonador de percussão.
Já a nitroglicerina líquida, que havia sido inventada pelo italiano Ascanio Sobrero em 1846, fascinou Alfred Nobel pela potência explosiva dessa mistura instável e pela possibilidade de aplicação na engenharia civil. No entanto, muitos acidentes se seguiram às suas pesquisas, como a explosão da fábrica de seu pai em 1864 nos arredores de Estocolmo, causando a morte de seu irmão caçula, Emil Nobel, e de mais quatro homens, o que fez a prefeitura proibir o funcionamento da fábrica. Mesmo assim, Alfred Nobel a reabriu fora da jurisdição municipal e, em 1867, conseguiu misturar a nitroglicerina a uma substância inerte, surgindo a dinamite.
Além das riquezas vindas das suas 87 companhias de dinamite espalhadas pelo mundo e de suas 355 patentes registradas, Alfred Nobel também foi favorecido com os negócios liderados por seus irmãos mais velhos. O primogênito Robert voltou a fornecer equipamentos bélicos para o exército russo e Ludovic se apropriou, com o financiamento de Alfred, de terras na região de Baku, na Rússia, onde jorrava petróleo.
Alfred Nobel nunca se casou, mas suas biografias apontam seu interesse por sua secretária Bertha Kinsky, de família aristocrata austríaca, fluente em várias línguas e culta, mas que se casou com um nobre vienense, tornando-se Bertha von Suttner. As biografias apontam que ela persuadiu Nobel a adicionar o prêmio da paz em seu testamento e o influenciou a se tornar um “pacifista” que acreditava na teoria do equilíbrio do terror. Segundo o livro The Nobel Prize, escrito por Burton Feldman em 2000, consta a seguinte declaração de Nobel: “Eu desejo poder produzir uma substância de eficácia tão terrível e de larga devastação que as guerras deverão, assim, tornarem-se completamente impossíveis”.
Com essas influências e desejos, em 27 de novembro de 1895, Alfred Nobel assinou seu terceiro e último testamento, no qual destinou sua fortuna de 33 milhões de coroas suecas a uma fundação que carregaria seu nome e prestigiaria com o Prêmio Nobel renomadas pessoas com trabalhos que resultassem em benefícios para a humanidade.
História da premiação
O mais renomado prêmio da ciência, que confere aos laureados uma grande reputação e, de certa forma, um atestado de excelência, consiste em uma medalha de ouro, um diploma e uma soma em dinheiro. A primeira premiação foi de US$ 40 mil dólares para cada vencedor e, desde então, esse valor só cresceu. O Nobel é dado aos destaques das áreas da física e química, cujos ganhadores são selecionados pela Academia Sueca de Ciências, de fisiologia ou medicina, selecionados pelo Instituto Carolíngio de Estocolmo, de literatura, selecionados pela Academia Sueca de Literatura, e da paz, selecionado pelo Parlamento norueguês. Noruega e Suécia pertenciam a um mesmo reino. Com a separação dos países em 1905, Nobel foi acusado postumamente de incitar o separatismo e de trair seu país em seu testamento.
Em 1969, a Fundação Nobel criou o prêmio na área de economia, cujos vencedores são selecionados pelo Banco da Suécia. A ausência da matemática como área científica a ser reconhecida é permeada por rumores de que um matemático contemporâneo teria conquistado uma mulher desejada por Nobel ou ainda que ele não visse como a matemática pura poderia trazer benefícios para a humanidade.
A primeira premiação aconteceu cinco anos após a morte de Nobel, em 1901, e ocorre anualmente no dia 10 de dezembro, aniversário de morte de Alfred Nobel. Houve interrupções apenas em alguns períodos de guerras, principalmente nas I e II Guerras Mundiais. Na seleção, não se admite auto indicação e se elegem pessoas com valores e trabalhos amplamente reconhecidos, de qualquer nacionalidade, credo ou ideologia, e que estejam vivas, com exceção de vencedores do ano já anunciados – normalmente em outubro – e que faleceram antes da premiação, em dezembro do mesmo ano
De acordo com o livro de Feldman, o Prêmio Nobel carrega características próprias da Suécia, país que nos anos 1900 tinha cinco milhões de habitantes – um décimo da população de países como Alemanha e França – e de onde havia uma grande emigração para os Estados Unidos. A cultura e a ciência suecas também refletiam as características de um país pequeno, com poucos escritores famosos e universidades, academias, laboratórios e cientistas defasados em relação ao restante do mundo. Sendo assim, as organizações que Nobel declarou, em testamento, que deveriam selecionar os premiados não tinham muita competência em comparação com outras organizações, o que talvez, segundo Feldman, justifique a não premiação de renomadas personalidades mundiais.
Entre os gênios esquecidos pela Fundação Nobel, questiona-se a não premiação dos escritores Fernando Pessoa, Franz Kafka, Marcel Proust e James Joyce, por exemplo. Albert Einstein não recebeu indicação ao Nobel pelas teorias da Relatividade Geral e da Relatividade Especial, revolucionárias para a física, devido ao bloqueio de Allvar Gullstrand, do comitê de medicina, que declarava serem teorias exóticas e sem relação com a realidade. Einstein só foi premiado em 1921 por sua descoberta da lei do efeito fotoelétrico, uma teoria de relevância inferior se comparada às outras duas. E, curiosamente, uma das maiores referências mundiais do pacifismo também não foi lembrada: Mahatma Gandhi foi indicado seguidas vezes, mas os membros dos comitês alegavam que o indiano era um nacionalista, o que incita a violência e a intolerância, embora Gandhi defendesse a não violência como forma de resistência ao colonialismo britânico.
A história da premiação também é marcada por personalidades que se recusaram a receber a honra, seja por ideologias ou por pressões políticas. Entre esses estão os alemães Adolf Butenandt, Nobel de Química, e Gerhard Domagk, Nobel de Medicina, ambos em 1939. Eles declinaram sua premiação por força do governo nazista, que considerava a Fundação Nobel um instrumento de propaganda dos Aliados. O russo Boris Pasternak, Nobel de Literatura em 1958, sofreu pressão do governo socialista soviético para recusar o prêmio, pois seu país considerava que a Fundação Nobel favorecia os países capitalistas. O francês Jean Paul Sartre, Nobel de Literatura em 1964, recusou o prêmio alegando não querer influências em sua obra. O vietnamita Le Duc Tho, Nobel da Paz de 1973, negou-se a receber a honraria, pois o Vietnã do Norte estava longe de ter atingido a paz no período no qual ele havia sido premiado.
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