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Resenhas
Minority Report: a nova lei
Obra da literatura adaptada para o cinema trata da credibilidade sem limites do sistema tecnológico atribuído pela sociedade, revelando os riscos a que está submetida
Por Simone Pallone
10/12/2008

Minority Report: a nova lei é um conto de Philip K. Dick, autor do clássico da ficção científica Blade Runner, e que dá nome ao livro do autor e ao filme, dirigido por Steven Spielberg em 2002. Apesar de diferirem em diversos pontos, a base de ambos é a mesma. Trata-se da história de uma organização que consegue prever os crimes que irão acontecer, possibilitando, assim, evitar que eles ocorram. No entanto, a punição aos prováveis criminosos é aplicada, antes que eles sejam postos em prática, o que coloca o sistema em suspeição ao longo das duas versões da história.

O sistema de previsão dos crimes é viabilizado pela presença de três precogs (de precognição), seres mutantes com habilidade de prever o futuro. Vivem em estado semi-vegetativo, em um tanque com um líquido que os nutre, e conectados em uma parafernália de cabos e fios que transmitem as imagens dos crimes que eles antevêem, mostrando data, hora e local aonde irão acontecer. Assim que se realiza a previsão, o sistema libera duas esferas, uma com o nome da vítima, e outra com o nome do assassino. Rapidamente é feito um julgamento do assassino por uma espécie de videoconferência, quando as imagens transmitidas pelos precogs são disponibilizadas para juízes determinarem se o assassino deve ou não ser retido. Imediatamente após o julgamento, uma equipe da polícia vai atrás do assassino em potencial, que é confinado em uma prisão que funciona no próprio prédio da organização. Os criminosos não têm direito à defesa, uma vez que se considera o sistema perfeito. O risco de alguma falha na tecnologia não é considerado pelo departamento policial.

Tal sistema levou ao recorde de seis anos sem um assassinato na cidade, o que é valorizado pela população e vangloriado em publicidade em torno do Departamento Pré-Crime. No entanto, nem todos são a favor dessa unidade policial e, exatamente para examiná-la, o Senado envia o detetive Danny Witwer (Collin Farrel). A dúvida dos políticos é sobre a legitimidade da prisão de pessoas que ainda não cometeram um delito. Todos se dizem inocentes, e são, ao menos no momento presente.

Anderton, entretanto, confia plenamente no sistema, até que, coincidindo com a chegada de Witwer, ele recebe duas esferas, referentes a um assassinato que deveria ocorrer em 36 horas. Uma delas trazia o seu nome como assassino e a segunda, o nome da vítima, uma pessoa desconhecida. Acreditando se tratar de um engano, ou uma conspiração, na qual Witwer estaria envolvido, ele foge, e começa a buscar provas de que não é um assassino, tentando evitar o delito, o que coloca, finalmente, a legitimidade do sistema em risco.

Em sua busca pela verdade, Anderton chega a uma das pesquisadoras que desenvolveu o sistema, que lhe explica que os precogs são o resultado de experiências genéticas mal sucedidas, mas que garantiram a eles o dom de prever o futuro, a ferramenta que sustenta a unidade policial. A mente desses seres passou a funcionar voltada às previsões, como pesadelos intermináveis, revelando-os aos policiais, mas que ainda são interpretados e avaliados na esfera da racionalidade. A pesquisadora revela ao policial que eles trabalham em conjunto, mas que cada um faz a sua previsão, os demais confirmam, ou não. Essa possibilidade de um deles não confirmar os dados dos outros, gera o relatório minoritário, que dá nome ao filme, e que quebra o paradigma da certeza das previsões, que levam ao encarceramento de pessoas que podem ser realmente inocentes. A discrepância das informações dos precogs em relação do caso de Anderton poderia ser a prova que queria para se mostrar inocente, mas que poria em risco a credibilidade do sistema, podendo levar ao fechamento do Departamento.

A trama continua com a perseguição ao policial, com ele conseguindo a prova que precisava, até que descobre quem está por trás de tudo. Ao mesmo tempo, ele desvenda como o sistema, que acreditava ser intocável, foi burlado. Até as verdades mais sólidas podem ser dignas de falha e podem se tornar instrumento a ser usado em prol do interesse dos que a manipulam, financiam, a exemplo do que ocorre com a crença na ciência e tecnologia, típicas da sociedade de riscos.

O filme de Spielberg conta com um fantástico arsenal de efeitos visuais, que criam o ambiente futurista em que se passa a história, com carros que flutuam, sistema operacional controlado por uma coreografia das mãos, instrumentos de identificação de íris, entre outros, algumas tecnologias não previstas por Phillip K. Dick em seu conto de 1956, mas que já aparecem no cotidiano da modernidade. Como em Blade Runner, o filme mostra ambientes degradados, contrastando com luxo e modernidade. O ambiente mais moderno não é destacado no conto, que enfatiza o ambiente degradado que o narrador apresenta como resultante de uma situação pós-guerra.

Os conspiradores no filme e no livro são diferentes, e eles o fazem com motivações opostas. No entanto, ambos representam o alto escalão de instituições que reivindicam para si o poder sobre o sistema de controle da criminalidade, seja ele baseado ou não na tecnologia. E, com mais ênfase no filme do que no livro, é mostrada a autoridade dessas instituições para determinar a prisão de pessoas potencialmente criminosas. Fica sob o controle desses agentes políticos, com status de polícia, o poder de condenar e punir os cidadãos conforme o seu interesse, sem nenhum direito à defesa.

Transpondo essa situação para a realidade, podemos pensar que os estudos sociobiológicos que sugerem a existência de um gene da criminalidade, poderiam gerar um sistema de punição semelhante a esse de Phillip Dick, tão sujeito a falhas quanto as previsões dos precogs. Sujeito também a disputas políticas, a críticas de políticos, instituições e cidadãos comuns, e à contestação em relação à sua legitimidade jurídica.

O final do conto é o oposto do final feliz hollywoodiano do filme mas, em ambos, é mostrado como a vulnerabilidade do sistema técnico permite que Anderton consiga manipular esse sistema a seu favor. O privilégio do policial de ter acesso à informação de que está prestes a transformá-lo em um criminoso, dá a ele a liberdade de escolher o seu futuro, diferente dos outros confinados.

Tanto o conto como o filme mostram a credibilidade, sem limites, de uma sociedade em um sistema tecnológico de controle social, ao mesmo tempo que revelam os riscos que essa sociedade corre ao confiar plenamente na tecnologia e na ciência. Porém, ambos revelam também a capacidade humana de julgar e de interferir no funcionamento de determinadas tecnologias, quando é dada essa opção, possibilitando a redução de danos e injustiças.

Minority Report: a nova lei
Direção: Steven Spielberg
Ano: 2002

Minority Report: a nova lei
Phillip K. Dick
Editora Record
Ano: 2002