Embora seja ainda um pouco renegado, alvo de iniciativas pontuais e isoladas, pesquisas recentes vêm mostrando como o uso de plataformas alternativas na educação, como redes sociais e blogs, pode servir como uma estratégia bastante interessante do ponto de vista pedagógico. Que as redes sociais como Orkut, FaceBook e Twitter, entre outras, estão em alta, todo mundo sabe, mas o que ainda está por ser revelado é que, na contramão do que se poderia esperar, ainda existem muitos preconceitos em torno dessas ferramentas, que poderiam ser melhor aproveitadas na medida em que promovem grande interação entre seus usuários e democratizam suas formas de acesso, ampliando redes de informação e refinando conteúdos.
Nos últimos anos, vimos acontecer uma revolução em termos de comunicação. A chamada web 2.0, termo criado em 2004, é uma segunda geração de comunidades e serviços que têm a internet como plataforma, e envolve wikis, aplicativos, redes sociais e tecnologia da informação. Ela revolucionou as formas pelas quais dados e informações são veiculados, e fez com que a web fosse hoje encarada por seus usuários e desenvolvedores como um ambiente de interação que engloba inúmeras linguagens e motivações. E cada vez mais há uma crescente pressão para que as novas tecnologias não apenas estejam presentes nas escolas, mas também façam parte efetiva do ensino e das práticas pedagógicas.
“O acesso à internet tem sido cada dia mais comum, e os jovens são os que mais a utilizam. Por isso, é bastante interessante cumprir nossos propósitos docentes de conduzir o aluno a uma aprendizagem crítica, sólida, coerente, mais interativa e proveitosa por meio da internet, que pode ser mais uma ferramenta a se somar ao livro didático, ao quadro, ao conhecimento e à observação tácita do professor. A internet não deveria ser tão banalizada. Ela pode também ser uma ferramenta útil para o professor, e um entre tantos espaços para a aprendizagem do aluno”, ressalta Claudia Rodrigues. Ela dá aulas de redação no ensino médio e analisou, em sua pesquisa de mestrado pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os resultados de uma estratégia aplicada em quatro turmas de uma escola em Minas Gerais, em 2007: a utilização de blogs como forma de interação entre alunos e professor nas aulas de redação.
E Rodrigues não é a única. Assim como ela, diversos outros professores vêm tentando empregar o blog como ferramenta pedagógica, ainda que isoladamente, como estratégia própria do docente, não inserida no projeto pedagógico da escola como um todo. A professora Joana Darque Cardoso Santos, que leciona no ensino fundamental em Hortolândia (SP), tem um outro exemplo de experiência bem sucedida. Ela participou do projeto Time – Tecnologias e Mídias Interativas na Escola, elaborado por pesquisadores do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied), em parceria com o Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), ambos da Unicamp.
O Time atendeu, ao longo de três anos, duas escolas municipais de ensino fundamental de Hortolândia, envolvendo 15 professoras e 1.300 alunos na faixa de 6 a 10 anos. Eles trabalharam na produção de vídeos, rádio web, histórias em quadrinhos e blogs, como meios de diversificar e enriquecer o conteúdo curricular. Após o término da pesquisa, Santos foi uma das únicas professoras a continuar usando o blog em suas turmas. Ela conta que a ideia do blog deu tão certo que não apenas continuou utilizando a plataforma com os seus alunos como também estendeu a ferramenta para outras redes sociais, como Orkut e Twitter. “Hoje temos três comunidades ativas no Orkut, nas quais eu posto textos e dicas sobre assuntos variados ligados aos conteúdos escolares, para várias séries e idades. Ao manusear o Orkut, eles participam da comunidade, estudam e visitam páginas de amigos. Também estou montando um perfil no Twitter, que ainda está sendo planejado. Mas o carro-chefe mesmo é o blog. É nele que acontece a maior parte da interação”, explica.
Os blogs consistem em um fenômeno recente, mas que conquistou as mais diferentes categorias de internautas pela própria dinâmica da página. Entre suas principais características estão, primeiro, seu custo zero, na medida em que se trata de uma ferramenta gratuita na internet, disponibilizada por vários servidores, bastando apenas um cadastro rápido e uma conta de email para que se possa utilizá-la; e, segundo, sua facilidade de operação, manuseio, e manutenção, na medida em que não exige conhecimento técnico na construção de páginas de internet, permitindo que os próprios usuários possam publicar seus conteúdos.
Para Rodrigues, o blog poderia ser considerado uma ferramenta a mais para ampliar a discussão iniciada em sala de aula, estendendo-a para o ambiente virtual. Em sua experiência, a iniciativa mostrou-se mais do que positiva. “As discussões tiveram maior alcance, do ponto de vista temático, e despertaram nos adolescentes o desejo de escrever mais. Eles tiveram que produzir blogs para continuar as discussões da sala de aula. A tarefa proposta promoveu maior engajamento dos alunos, propiciou a leitura de uma gama de gêneros disponibilizados na internet e gerou debates e comentários mediados pela escrita. Os dados também indicam que a produção dos alunos foi bastante complexa e não se enquadra no ‘internetês’ tão temido pelos professores. O blog tem a vantagem de integrar, em um único meio, informações de diferentes tipos (visuais, audiovisuais, verbais) e também abre espaço para interação entre leitores e autores”, salienta.
De acordo com Marco Silva, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), com o uso do blog, a escola, que sempre chegou atrasada ao cenário midiático, pode colocar-se em sintonia com o contexto de comunicação atual e, assim, potencializar a aprendizagem, a educação e a cidadania. “Na web 1.0, os sites eram criados com base em linguagens complicadas e, por isso, somente experts estavam aptos a operá-los. Os blogs são mais fáceis de se criar e se participar, e essa facilidade de participação traz a grande novidade da web 2.0: mais interatividade, mais autoria social. O professor e os alunos podem criar facilmente o blog da turma e todos podem atuar nele com postagens e administração coletiva da comunicação. O maior benefício disso é a construção da ciberdemocracia, tal como a entendem os autores André Lemos e Pierre Levy no livro O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária”, explica.
Interatividade
De acordo com os entusiastas da ferramenta, o uso dos blogs em sala de aula pode oferecer aos alunos uma nova maneira de produzir conhecimento, leitura e escrita, fazendo com que os alunos possam ir além dos murros escolares, pois a própria socialização por meio de comentários faz com que os estudantes se sintam motivados a inovar com mais liberdade que nos meios tradicionais. Textos complementares, dicas de links, imagens e notícias relacionadas aos assuntos tratados em sala de aula são exemplos de ações utilizadas para movimentar os debates entre os usuários do blog. Caprichar na proposta da atividade e motivar os alunos a pesquisar e publicar conteúdos é essencial. Por meio do blog, é possível a produção de textos, narrativas, poemas, análise de obras literárias, opinião sobre atualidades, relatórios de visitas, publicação de fotos, desenhos e vídeos produzidos por alunos.
Mas até que ponto essas iniciativas podem ser consideradas redes sociais? Quanto há de interação nessas experiências? Há uma sensação maior de pertencimento a uma comunidade por parte dos alunos ou a adesão está meramente vinculada ao tradicional receio quanto à avaliação do professor?
Segundo Santos, existe realmente interatividade, e não apenas extra muros, mas também extra continentes. “Joaninha”, como ela gosta de ser carinhosamente chamada por seus alunos, conta que a experiência deu tão certo que hoje ela recebe posts e comentários de pais e professores até de outros países. Ela explica que o blog nasceu de uma necessidade própria das crianças e de seus pais, que às vezes encontravam-se fora do país, mas queriam muito continuar acompanhando de perto as atividades dos filhos, ou que apenas queriam observar melhor suas tarefas escolares e interagir mais, mostrando os trabalhos para a família, por exemplo. “Em um ano, temos quase 60 mil acessos. Tem alunos de 10, 15 anos atrás que me acham e deixam recado”, comemora.
Rodrigues confirma essa avaliação positiva. “Eu acreditava na validade dos blogs para a educação, mas precisava comprovar minhas crenças. Aos poucos, fui percebendo que outras pessoas começaram a participar por meio de posts publicados na página: pais, mães, tios; e que essas pessoas simplesmente entravam no blog e colocavam impressões pessoais sobre a temática que estava sendo discutida. Houve uma interação entre professor da turma, professores da escola, alunos, família. Uma discussão quase impossível de acontecer quando ocorre apenas em sala de aula”, conta.
“Interação, sempre há. Interatividade, nem sempre”, observa Silva, da Uerj. Para o pesquisador, interatividade pressupõe interlocução, co-criação da mensagem, do conhecimento, e isso nem sempre pode acontecer. “Um blog criado pelo professor pode gerar interatividade quando ele é espaço de colaboração, quando cada postagem do professor ou dos alunos gera interlocução inventiva ou comunicação de todos para todos, que potencializa a construção do conhecimento curricular. Entretanto, muitas vezes uma postagem, seja do professor, seja de um aluno, gera apenas reatividade na turma, isto é, respostas mecânicas, pouco criativas, burocráticas, apenas para cumprir uma atividade que vale ponto, nota. Isso é interação e não interatividade, no sentido que defendo no livro Sala de aula interativa”, explica. “O blog pode permitir emissão e recepção na co-criação da mensagem, desde que o professor esteja consciente do desafio de formar cidadãos criativos e não se conforme apenas com reatividade e reprodução, práticas já cristalizadas historicamente nas salas de aula. Em suma, ele poderá sim ser rede social, mas apenas se for capaz de engajar uma coletividade viva e participativa e não apenas reatividade baseada em respostas previsíveis de alguns alunos a uma postagem do professor”, enfatiza.
Dificuldades e perspectivas
Mas se existem tantos benefícios para o uso dos blogs no processo educativo, porque ainda existe certo receio por parte dos educadores em utilizar a ferramenta? Para Rodrigues, um dos grandes entraves para a aceitação do blog como estratégia de ensino seria a linguagem própria que a internet produz. “É como uma espécie de dialeto que os jovens utilizam para expressar suas opiniões. Mas não se trata de substituir a forma de ensinar a norma culta. Ela tem seu espaço já reconhecido, assim como a linguagem informal. A minha proposta é utilizar um novo espaço para otimizar os debates ocorridos em sala de aula e despertar o interesse pela escrita”, esclarece.
Segundo a professora, a escola, em geral, ainda possui resistência em levar para a sala de aula gêneros digitais que possam auxiliar o ensino. Na opinião de Rodrigues, muitos ainda veem a internet apenas como um instrumento de entretenimento e não se dão conta de sua utilidade nos estudos e pesquisas. Ela lembra o domínio que os jovens possuem das tecnologias da informação e alega que isso poderia ser melhor aproveitado no ambiente escolar.
“Na minha experiência com os blogs, percebi que o uso das páginas digitais demanda mudanças sensíveis no perfil do professor. Primeiro porque ele deixa de ser o fornecedor dos textos, controlador do debate e avaliador dos textos que seus alunos produzem. Ele passa a ser um orientador. Embora ainda dê a nota e avalie, na prática deixa de ser leitor alvo dos textos. Sob o aspecto cultural, é difícil abandonar crenças anteriores, mas é possível, quando se vê que o ensino melhorou, ou que os aprendizes ‘saboreiam’ melhor a aprendizagem”, salienta Rodrigues. “O estudo que realizei ressalta a necessidade de encontrarmos caminhos para explorar o letramento digital em sala de aula, pois a escrita convencional não tem sido suficiente para atender as necessidades sociais, interativas e cognitivas de nossos alunos. A limitação está apenas na criatividade do professor e de seus participantes. O blog favorece a participação coletiva, formando autores, co-autores, leitores assíduos e alunos mais envolvidos com a leitura e a escrita”, avalia.
De acordo com Silva, da Uerj, as políticas de inclusão digital nas escolas públicas ainda são meramente instrumentais, isto é, apenas distribuem computadores e internet quando na verdade deveriam, concomitantemente, formar os professores para uso criativo em sintonia com o currículo escolar e com a cibercultura. “Os professores mal aprenderam a usar a TV e agora são desafiados a usar algo muito mais complexo. A TV situa-se no mesmo paradigma da pedagogia da transmissão de A para B. O computador não se reduz a isso. Trata-se de meio de interatividade, de construção da autoria colaborativa. Se o professor não é incluído digitalmente, ele subutilizará a nova mídia e fará dela um instrumento para reforçar o velho paradigma da transmissão unidirecional”, evidencia.
“Eu penso que hoje um professor precisa ser multifacetado”, diz Santos. “Precisa ser artista, para agradar aos alunos, profissional, para agradar aos pais, ético, para agradar aos colegas, e, às vezes, até palhaço, para agradar a escola. Mas, sobretudo, ser verdadeiro consigo mesmo. Eu tento pegar tudo e fazer uma salada, uma vitamina”, continua. “No estado em que estamos, não posso mais não gostar de tecnologia, proibir celular, falar mal do Orkut, dos cantores de ‘rebolation’. Preciso, sim, conhecer e dialogar com meus alunos sobre perigos e soluções. Na minha opinião, o que está faltando é mais “professores Joaninhas”, que apesar de não dominar a parte técnica, tem a coragem de dizer: vamos meninas, juntas podemos mostrar para os alunos que o computador não é mais importante do que a professora e sim aliado para se conseguir entrar no mundo do aluno! Precisamos desmitificar esse medo. Mexer, manusear, usar!”, conclui.
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