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Artigo
Educação em museus e divulgação científica
Por Martha Marandino
10/07/2008
http://www.labjor.unicamp.br/comciencia/img/divulgacao/ar_martha/image002.jpg

Sou mãe de duas meninas, gêmeas, de quatro anos. Elas nasceram no dia 18 de maio de 2004, dia internacional dos museus. Nesse último aniversário, que caiu num domingo ensolarado, o programa proposto para comemoração foi visitar o Zoológico Quinzinho de Barros, em Sorocaba, São Paulo. Com alguma resistência, mas considerando a idéia interessante, elas concordaram com o passeio. Eu, pesquisadora de educação em museus, vivi nessa experiência a tentativa de me despir de uma posição investigativa e analítica e de me posicionar simplesmente como mãe, na perspectiva de realizar uma visita com o olhar do público. E não poderia ser de outra forma. Mas é irresistível...

Muitas coisas aconteceram nesse dia que valeriam uma reflexão, mas uma em especial trago aqui como mote para pensar o tema deste artigo. Desde que chegamos ao museu – vale destacar aqui que zôos, jardins botânicos, hortos, centros de cultura são considerados também museus - Laura e Giulia, minhas meninas, disseram que queriam ver o jacaré. Bem, passamos toda a visita tentando convencê-las de quanto era interessante a variedade das serpentes, de quanto eram ágeis e “fofos” os macacos-pregos em bando pulando nas árvores, de que o lobo-guará não era o lobo mau e valia à pena dar uma espiada nele, do quão engraçado era o tamanduá com aquela boca tão comprida e pequenininha. Enfim, a cada tentativa, que elas acompanhavam com alguma curiosidade, logo era seguida de uma frase tácita: “Tá bom, mas cadê o jacaré?”. Comecei a ficar preocupada: será que o Zôo tinha um jacaré? E será que ele queria ser visto? Quando ele ia aparecer? Não posso frustrar minhas filhas no dia do aniversário delas!!! Ele era praticamente o último personagem daquele domingo animal no Zôo e estava deslumbrante. Era enorme, estava “jacareiando” num gramado em seu recinto, lindo. Fiquei emocionada ao vê-lo: finalmente minhas meninas teriam seu presente de aniversário!

Quando comecei a escrever este artigo pensei muito numa forma de trazer para o foco o objeto de museu, sua importância, suas características, sua capacidade de promover fascínio e expectativas, de provocar conversas de naturezas diferenciadas, de conquistar e convidar. Os objetos são fundamentais na história dos museus e, naturalmente, se constituem em elementos importantes nos processos educativos desenvolvidos nesses locais. Mas serão somente os museus espaços onde se realizam processos educativos a partir dos objetos? Certamente não, a escola também fundamentou suas ações, por muito tempo, nos objetos. Para Van-Praët e Poucet (1989)1, o papel dos objetos foi, desde a época da Renascença até um período recente, comum à escola a aos museus. Essas duas instituições conservaram uma reflexão comum sobre o interesse do objeto na aprendizagem e de sua importância na “lição das coisas”2. Os museus, historicamente, não só recebiam escolares, mas emprestavam suas coleções às escolas, fato esse que diminuiu com o fim dessas “lições” e com a redução dos trabalhos práticos nos colégios.

Mas sendo os objetos comuns a esses espaços, no que diferencia a educação em museus da educação escolar? Entender as especificidades da educação em museus tem sido um dos nossos focos de reflexão. Consideramos que os museus guardam muitas semelhanças com a escola no que se refere aos processos educativos, no entanto também assumimos, como hipótese de trabalho, que esses espaços possuem características particulares que implicam num tipo de educação específica, nomeada por nós de educação não formal (Marandino et all, 2004; Marandino, 2008)3. Tais especificidades referem-se a basicamente quatro elementos que, apesar de presentes também na escola ou em qualquer outro espaço educativo, ganham contornos próprios nos museus. São eles: o já citado objeto, mas também o tempo, o espaço e a linguagem.

Com relação aos objetos, os museus são encarregados de sua coleta, de sua seleção, da pesquisa sobre ele, de sua conservação e de sua exposição. Do ponto de vista da divulgação e educação em museus, o objeto, além de exercer fascínio e despertar interesse, é fonte de informação científica tanto no que se refere a conteúdos quanto a procedimentos de Ciência. Mas não somente. Guarda também informações sobre processos museológicos e museográficos e pode ser fundamental para levar ao público a entender a história da instituição, do acervo e as características da pesquisa científica desenvolvida naquele local. Para Van-Praët e Poucet (1989), os objetos permitem ao visitante se sensibilizar, se apropriar e favorecer sua compreensão (social, histórica, técnica, artística, científica) para uma análise pessoal e para discutir com os outros visitantes, com os animadores, com os professores, etc.

Em nossas pesquisas temos buscado compreender o papel educativo dos objetos dos museus, especialmente no que se refere aos processos de aprendizagem. Os resultados têm sido muito interessantes, apesar de nem sempre corresponderem às expectativas daqueles que elaboram as ações educativas com base nesses elementos. Viviane Garcia, em sua dissertação de mestrado, buscou compreender o papel dos objetos na aprendizagem durante uma visita escolar no Zoológico de Sorocaba – aquele mesmo que levei minhas filhotas!!! Viviane Garcia, além de pesquisadora, é funcionária do Zôo e queria também, em sua pesquisa, avaliar algumas das ações educativas desenvolvidas por esse que se constitui em um espaço diferenciado, pioneiro nas iniciativas de educação ambiental em Zôos no país. Na atividade pesquisada, a pesquisadora centrou sua atenção nas chamadas visitas orientadas, onde um monitor ao percorrer o espaço físico do Zôo com o grupo escolar, para em frente a um determinado recinto, retira de uma mochila peças anatômicas, partes de animais como crânios de onça, bico de tucano ou muda de serpentes. Mas o que acontece nesse momento? Como se dá a interação entre mediador, objeto conservado, objeto vivo e criança nessa situação? Bem, o trabalho de Viviane Garcia é complexo e apresenta uma série de resultados instigantes. Vou apenas trazer alguns para nossas reflexões!!

Os objetos biológicos propiciam diferentes tipos de conversas estabelecidas entre crianças e mediadas pelos monitores em museus. O trabalho citado, bem como outros estudos desenvolvidos pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Não Formal e Divulgação em Ciência (Geenf)4, ilustram que tipo de conversas são essas e com que freqüência elas ocorrem. Por exemplo, objetos conservados como aqueles acima citados, promovem falas que buscam identificar, caracterizar e até nomear o animal, mais do que falas que contextualizem o animal em seu ambiente ou mesmo que discutam questões de conservação relacionadas ao organismo. Parece assim que os objetos direcionam determinados olhares e promovem conversas específicas sobre ele nos ambientes de museu, como os zoológicos. Tais resultados, contudo, merecem ser aprofundados, mas, de qualquer forma, revelam aspectos fundamentais para o trabalho educativo nesses locais. O que podemos esperar de uma visita a um museu? Serão museus espaços de aprendizagem? Que tipo de aprendizagem ocorre nesses ambientes? Que papel os diferentes objetos realizam nesse processo? Que mediações entre público-monitor ou público-exposição são mais adequadas para garantir que a mensagem intencionada seja apreendida? Será possível ter essa garantia nos espaços de museus?

Para além dos objetos, a liberdade parcial de escolha dos visitantes com relação ao tempo dedicado a uma visita ao museu e com relação aos percursos, a seleção do que ver e não ver, ouvir e calar, é específica nesse local. Tais contornos imprimem à experiência educativa museal dimensões particulares no que se refere ao contato com as informações e tornam tal experiência específica, diferenciada daquelas realizadas em outros espaços educativos.

Ainda na direção de explorar as especificidades da educação em museus, a linguagem expressa no discurso expositivo é cercada de constrangimentos relativos ao tempo e espaço de uma visita e, com efeito, aos objetos que buscam contextualizar. O texto no museu não pode ser igual a um livro, não ficamos por muito tempo lendo em pé, não é confortável. Além disso, os museus recebem muitos tipos de públicos, logo os textos devem dizer algo para variadas pessoas, de origens sociais e culturais diferenciadas. Trata-se assim de um discurso muito próprio, marcado pelas dimensões temporais, espaciais e dos objetos nos museus.

Como podemos perceber, a experiência educativa dos museus é única. Não é melhor nem pior que a da escola ou de outro espaço educativo qualquer, mas seria aconselhável que todos tivessem o direito de vivenciá-la. Por meio delas é possível, entre outras coisas, ampliar o repertório de vivências e experiência sociais, estéticas, sensoriais, de contato com informações, com conteúdos e conceitos, com visões de mundo. Sabemos hoje que a escola é, não só no Brasil, mas especialmente aqui, a responsável por promover outras experiências culturais para os cidadãos para além dela mesma. Já existem no país trabalhos importantes que nos revelam dados sobre isso, em especial a pesquisa desenvolvida por Sibele Cazelli, do Museu de Astronomia e Ciências Afins/MCT, a qual nos conta sobre como a escola é fundamental para que crianças e jovens de determinadas classes sociais visitem alguma instituição cultural em suas vidas. Reforçamos aqui a necessidade do estabelecimento de parcerias mais orgânicas entre escolas e museus.

Ao considerarmos a importância da promoção de experiências educativas em espaços não formais como os museus na formação dos cidadãos hoje, é inevitável pensar em políticas de ciência e tecnologia, de educação e de cultura que promovam ações nessa direção. Vivemos um momento especial em nosso país e no restante da América Latina com relação a esse aspecto. Fruto também de trabalho de pesquisa de mestrado do Geenf, com bolsa Fapesp, Ana Maria Navas estudou como o governo federal vem estabelecendo, em especial via o Ministério de Ciência e Tecnologia, um esboço de política de popularização da ciência no país. Várias são as iniciativas governamentais por meio de editais de fomento, de programas como o Ciência Móvel e a Semana de C&T. Se por uma lado a análise de Ana Maria Navas aponta para o fato de que grande parte dessas ações se constituem com base em modelos de comunicação pública da ciência deficitários – onde o público é considerado leigo e o cientista/divulgador detentor do conhecimento e onde o processo comunicativo se dá apenas em uma via – por outro já aparece, na retórica governamental, indícios de modelos mais dialógicos inspirando algumas das ações. Analogamente, o Ministério da Cultura recentemente formulou a Política Nacional dos Museu e também vem sendo protoganista de várias iniciativas como editais, semana de museus, entre outras.

Do ponto de vista da reflexão teórica, também estamos percorrendo caminhos promissores. A área de educação em ciência no país vem se consolidando, especialmente a partir da criação da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciência (Abrapec), em 1997. Diversas associações científicas possuem setores e divisões de ensino preocupadas com as ações e investigação no campo educacional, como a Sociedade Brasileira de Física e a Sociedade Brasileira de Química. A Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SbenBio) também surge em 1997 reunindo profissionais e pesquisadores do campo educativo. No que se refere à pesquisa educacional, essas entidades vêm reunindo material importante, fruto de investigações na área, para não só refletir sobre as experiência educativas, mas para subsidiar e fornecer elementos para mudança. Paralelamente, a pesquisa em educação em museus vem se consolidando, fruto de reflexões teóricas de diferentes autores nacionais e, cada vez mais essas reflexões ganham espaço em eventos acadêmicos, como por exemplo aqueles promovidos pelas entidades citadas. Tal produção vem possibilitando uma análise maior das múltiplas experiências desenvolvidas e fornecendo elementos para melhor qualificar essas práticas.

São inúmeros os temas de pesquisa que hoje são investigados no campo da educação não formal e da educação em museus fora e dentro do país. Já existem também materiais produzidos a partir dessas reflexões. Parcerias entre museus, escolas e universidades começam a ser melhor articuladas. Mas há muito ainda a ser feito! Os desafios ainda são vários e estão relacionados, por exemplo, à valorização do papel dos educadores nos museus e à própria constituição de setores educativos nesses locais. É necessário caminhar muito ainda na percepção de que os profissionais da educação em museus devem estar envolvidos não só na elaboração das ações, mas na pesquisa e avaliação das mesmas, além de conhecer e participar das diferentes dimensões da instituição. A compreensão de que se desenha aqui e agora um amplo e novo campo de pesquisa e de atuação profissional, que pode contribuir para compreensão, pelos diferentes públicos, da ciência como cultura pode certamente ser potencializado via a divulgação e a educação em museus.

Martha Marandino é professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Não Formal e Divulgação em Ciência (Geenf), vice-diretora da Associação Brasileira de Pesquisa e Educação em Ciências (Abrapec) e secretária da Regional 1 - São Paulo e Mato Grosso da Sociedade Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio).

Notas

1 VAN-PRAET, M. e POUCET, B. (1992) Les musées, lieux de contre-éducation et de partenariat avec l'école, In: Education & pédagogies – dés élèves au musée, No. 16, Centre International D'Études Pédagogiques.
2 Presentes nas escolas especialmente no fim do século XIX e início do XX, a “lição das coisas” ou “método de ensino intuitivo” pretendia substituir o caráter abstrato e pouco utilitário da instrução por meio do uso de objetos em contraponto da palavra.
3 MARANDINO, M.; SILVEIRA, R.V.M.; CHELINI, M. J.; BIZERRA, A.F.; GARCIA, V. A. R.; MARTINS, L.C.; LOURENÇO, M.F.; FERNANDES, J.A.; FLORENTINO, H.A.A. Educação não-formal e divulgação científica: o que pensa quem faz? In: Atas do IV Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências – ENPEC. 2004.
MARANDINO, M Educação em museus: a mediação em foco. GEENF/FEUSP/Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP. 2008
4 Os trabalhos citados estão disponíveis no site do Geenf da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – www.geenf.fe.usp.br