O surgimento da rede mundial de
computadores e o desenvolvimento tecnológico que se deu, principalmente, a
partir da década de 1990, proporcionaram uma maior agilidade e facilidade de
comunicação e de se obter informações, revolucionando não somente o modo de se
comunicar, mas também de buscar o conhecimento. E foi nesse cenário que as
bibliotecas e as obras raras migraram para o formato digital. Se, num passado
distante, o conhecimento era restrito, centralizado e focalizado em
determinados grupos sociais, hoje, o que ocorre é justamente o acesso ampliado
para um público cada vez maior. “Com a intensificação do uso das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) na área de ciência da
informação, a partir dos anos 80, e com a abertura da rede internet na década
de 90, as bibliotecas passaram a considerar, sob uma nova ótica, a questão da
manutenção dos seus acervos e do acesso à informação, agora via web”, explica
Rosaly Fávero Krzyzanowski, bibliotecária, especialista em ciência da informação
na área de saúde e coordenadora da Biblioteca Virtual do Centro de Documentação
e Informação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),
no artigo “Bibliotecas e portais de conteúdos científicos, tecnológicos e culturais
– recursos para ampliar a visibilidade da informação na web”, publicado na
revista Ciência & Ambiente (nº
40, 2010). Ainda segundo Krzyzanowski, “A
passagem dos textos dos livros, periódicos, jornais – entre outros documentos –
para a tela do computador rompe as estruturas do texto escrito e gera profunda
transformação na materialidade desses. É a passagem do texto em suporte papel
para o suporte eletrônico, que oferece novas possibilidades para o registro e
uso da informação”.
Luiz Atílio Vicentini,
coordenador do Sistema de Bibliotecas e da Biblioteca Central (César Lattes) da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considera importante o processo de
digitalização de obras de difícil acesso como forma de conservação dessas obras
e de ampliação do conhecimento: “essas iniciativas vêm de encontro à
democratização do acesso ao conhecimento, pois estamos diante de uma sociedade
que ‘consome’ constantemente mais e mais informações”, afirma. Ângela Monteiro,
coordenadora da Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional, (FBN), confirma essa preocupação em
democratizar o conhecimento e também em preservar essas obras que antes eram de
acesso restrito. “Além de facilitar e democratizar o acesso, a digitalização também
contribui para a preservação física da obra, na medida em que evita o manuseio,
e para a preservação do conteúdo informacional na medida em que o difunde e o dissemina”.
De acordo com Vicentini, o que dificulta o processo de
transformação para o formato digital das obras raras é justamente a
complexidade da conversão, se comparada a uma obra impressa atual, pelas
características de formato e impressão que elas apresentam, que demanda um
trabalho específico e mais demorado. Ele lembra os altos custos da criação de
uma infraestrutura que permita o trabalho de digitalização de obras raras. Além
disso, até pouco tempo não havia empresas privadas, órgãos de fomento e bancos
que financiassem a instalação de laboratórios de digitalização nas
instituições. Apesar desses percalços, ele acredita que o Brasil não esteja
atrasado nesse processo, que tem como pioneiros a França e os Estados Unidos.
Marta Valentim, doutora em ciências da comunicação
pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP),
não concorda com Vicentini, para ela o Brasil está sim atrasado em
relação ao cenário internacional , e bastante, e diz que países como Alemanha,
Canadá, Estados Unidos e Inglaterra estão à frente. Na opinião de Valentim isso
se deve ao alto custo que a digitalização desse tipo de obra envolve. “Essa
situação está diretamente relacionada a recursos financeiros, é caro
digitalizar e preservar obras raras, exige a aplicação de tecnologias de
informação e comunicação próprias para isso, bem como pessoal especializado
para trabalhar com esse material”.
Valentim explica a complexidade e os processos aos quais
as obras exclusivas e raras – que requerem inúmeros cuidados – devem ser
submetidas, no processo de digitalização e preservação, em cada uma das etapas:
“é necessário pensar na matriz da obra que será preservada, bem como na
armazenagem dela, o que requer equipamento e estrutura tecnológica específicas
para esse fim. É importante também definir o formato em que a obra será
armazenada e acessada. Outro fator a ser pensado é relativo à resolução da obra
digitalizada (o máximo de qualidade possível), e na resolução para acesso, que
deve ser compatível com a capacidade de o usuário final ter uma imagem de
qualidade quando capturar o elemento da internet. Porém, esse download tem que ser, ao mesmo tempo,
rápido. É também necessária, mas aí, por parte dos usuários, a utilização de
softwares para a captura, vizualização, navegação, impressão, etc”.
Para Vicentini, nem mesmo os desafios enfrentados pela
tecnologia da digitalização diante da fragilidade e antiguidade de algumas
obras raras, cuja manutenção física é cercada de cuidados, devem ser vistos
como um empecilho para a mudança do impresso para o digital. “Eu diria que a
digitalização está a favor da preservação dessas obras, pois existem
equipamentos apropriados para esse processo, mesmo para esse tipo de
documento”, mas o coordenador das bibliotecas da Unicamp ressalta que o que
precisa ser feito com certa antecedência é a restauração de obras raras, antes
de digitalizar. Essa “restauração tem crescido nacionalmente, pois já existe
apoio financeiro para esse tipo de trabalho”, confirma o pesquisador.
Embora o processo de digitalização
pareça consolidado, como saída para conservação do acervo das bibliotecas e,
principalmente, das obras que tenham valor especial, seja pela especificidade
de sua concepção, seja por sua antiguidade – além de ser o melhor meio de
garantir o acesso do público geral a esses acervos –, ainda há poucos projetos no
Brasil. Entre eles, Vicentini cita o projeto da Biblioteca Nacional, que
participa do projeto de construção da Biblioteca
Digital Mundial (World Digital Library),
coordenado pela Biblioteca do Congresso
dos Estados Unidos e disponibiliza raridades como a Bíblia
Mogúncia (uma das obras impressas mais antigas do mundo), gravuras de
Debret, a Carta de Abertura dos Portos, mapas antigos, as ilustrações do Livro de horas, entre outras, que podem
ser acessadas neste link.
Há oito anos, a Biblioteca Nacional iniciou o processo de digitalização dessas
obras raras, exclusivas e de acesso difícil ou restrito e já conta com um
número bastante expressivo de títulos digitalizados, conforme comenta Monteiro.
“ A BN vem digitalizando seu acervo através de projetos temáticos desde 2003. A partir de 2006 foi
criada a BNDigital e esta digitalização passou a ser feita de forma sistemática. já foram digitalizados 23.000 itens
(ou títulos)”.
Vicentini lembra ainda da
importância da Brasiliana
Guita e José Mindlin instalada em um novo prédio dentro da Universidade de São Paulo (USP). A
biblioteca está digitalizando a coleção de obras raras doada pelo bibliófilo José Mindlin e se estruturando para digitalizar outros acervos raros e de domínio público.
“ A quantidade de obras raras que já passaram por esse processo até o momento
não é o mais importante. O que deve ser levado em consideração é que os
projetos citados, anteriormente, são projetos de digitalização de obras raras
consistentes, bem estruturados e ao longo dos próximos anos teremos acervos
digitalizados no Brasil de grande relevância em âmbito mundial”, diz Vicentini.
A relevância das bibliotecas digitais de teses e dissertações
Assim como os acervos de obras de
difícil acesso são importantes para difundir o conhecimento, as bibliotecas
digitais que disponibilizam teses e dissertações também têm um papel primordial
na difusão da informação, tanto para a comunidade científica e acadêmica,
quanto para a sociedade em
geral. Entre os principais exemplos, pode-se citar: a
Biblioteca Digital da Unicamp, devendo ressaltar ainda o projeto Biblioteca Digital de Teses e Dissertações
(BDTD), desenvolvido pelo Instituto
Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) do Ministério da
Ciência e Tecnologia (MCT), que possibilita a integração dos dados de todas as
teses digitalizadas nas instituições participantes do mesmo e que conta
atualmente com 97 instituições participantes e mais de 157 mil teses indexadas.
Sobre a Biblioteca da Unicamp,
criada em 2011, Vicentini afirma: “uma universidade como a Unicamp tem um
perfil de desenvolvimento de novos conhecimentos e de inovação, muito desse
conhecimento vem sendo registrado nas dissertações de mestrado e teses de
doutorado ao longo dos mais de 40 anos de vida da universidade. O acesso às
dissertações e teses, mesmo tendo essas obras armazenadas nas 27 bibliotecas da
universidade, tinham acesso restrito, ou seja, a consulta só poderia ser feita
localmente nas bibliotecas”.
Em contrapartida, nos últimos
anos, tem crescido mundialmente o movimento em prol do open access (ou acesso aberto), fazendo com que universidades de
todo o mundo começassem a disponibilizar as teses e dissertações de seus
pesquisadores. “Diante desse movimento mundial, a maioria das universidades
brasileiras também começou a digitalizar as suas teses. Todo
esse trabalho possibilita que o acesso ao conhecimento registrado nas
dissertações e teses antes com acesso ‘restrito’ passasse a ter uma maior
difusão. O número de downloads nas
teses da Unicamp demonstra isso, estamos próximos dos 7 milhões de downloads realizados”, diz o coordenador
da Biblioteca da Unicamp.
Para acessar as teses e
dissertações presentes na Biblioteca Digital da Unicamp e fazer download das mesmas é preciso ter um
cadastro como usuário. Há um banco de dados da Biblioteca Digital dessa
universidade que registra todos os downloads
de teses e dissertações. Esses dados revelam que pessoas de mais de 70 países
procuram por elas. “Atualmente temos mais de 785 mil usuários cadastrados do
mundo todo. O perfil desses usuários é o mais variado possível, temos desde
particulares a pessoas de instituições de renome. Do total de usuários
cadastrados até a presente data temos: 751 mil do Brasil, 15 mil de Portugal, 3
mil dos Estados Unidos, mil da Argentina e mil do México. Se olharmos o número
de downloads realizados, temos: 5
milhões do Brasil, 59 mil de Portugal, 20 mil dos Estados Unidos, 8 mil do
México e 7 mil da Argentina”, revela Vicentini.
Scientific Electronic Library Online (SciELO), um modelo
SciELO é uma biblioteca científica eletrônica criada,
em 1997, pela Bireme, Organização Panamericana de Saúde (Opas) e Organização
Mundial da Saúde (OMS), em parceria e com o apoio financeiro da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), buscando a renovação do
processo de comunicação científica tradicional, pois integra a função de
publicação com a manutenção e a preservação de coletâneas de periódicos e o
controle bibliográfico. O modelo apresentado pelo SciELO foi desenvolvido para
contemplar as necessidades da comunicação científica, tendo início no Brasil e,
atualmente, presente em países em desenvolvimento (América Latina e Caribe),
tornando-se uma solução para garantir o acesso gratuito e universal à
literatura científica dos países que fazem parte do projeto. Nela estão
disponíveis também procedimentos integrados que possibilitam medir o uso e o
impacto dos periódicos indexados. Desde 2002, esse modelo tem o apoio do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e
integrou-se às bases de dados bibliográficas Medline e Lilacs, ao serviço de
busca do PubMed – da National Library of
Medicine –, e à base de currículos da Plataforma Lattes, gerenciados pelo CNPq.
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