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A raridade de Mindlin - Carlos Vogt
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Bibliotecas: tradição no acúmulo e circulação de ideias
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As obras raras das bibliotecas brasileiras
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Conservação, o restauro e espaço
Maria Clara Rabelo
Na busca por obras raras, não existem fronteiras
Carolina Ramos
Entre saques e chamas, um tesouro sobrevive
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Uma biblioteca, uma obra rara e sete monges mortos
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Entrevistado por Simone Pallone / Tradução: Isabela Palhares
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Reportagem
Na busca por obras raras, não existem fronteiras
Por Carolina Ramos
10/04/2011

Obras raras não são amadas apenas por bibliófilos apaixonados que investem tempo e somas consideráveis na formação de suas coleções particulares. Livros, manuscritos, teses e periódicos únicos pelas suas características podem também se tornar objeto de desejo de pesquisadores que precisam de informações específicas para seus projetos. Para esses profissionais, as seções de obras raras de bibliotecas – tanto no Brasil quanto no exterior – se tornam, portanto, uma essencial fonte de dados.

A necessidade de consulta a esse material especial depende do tema e período estudado pelo pesquisador. Em algumas situações, as respostas a suas questões de pesquisa podem levá-lo para longe do lugar onde a sua dúvida se originou. Esse foi o caso da física Cibelle Celestino Silva, professora do Instituto de Física de São Carlos da Universidade São Paulo (USP) e pesquisadora colaboradora do Grupo de História e Teoria da Ciência da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de onde saiu rumo a Washington (EUA). O estudo da correspondência entre um pesquisador francês e um colaborador próximo, necessário ao seu pós-doutoramento, foi o principal motivo da pesquisadora ir à capital norte-americana por seis meses em 2004, como pesquisadora residente da Dibner Library, do Smithsonian Institution. A Dibner Library é a seção de livros e manuscritos raros relacionados à história da ciência e da tecnologia e reúne 35 mil livros e dois mil manuscritos, muitos deles produzidos entre os séculos XV e XIX. Foi lá que a pesquisadora estudou as cartas trocadas entre o pesquisador Jean Antoine Nollet (1700-1770) e o seu colaborador mais próximo, um fabricante de instrumentos chamado Etienne-François Dutour.

Esses manuscritos não possuem cópias e, apesar de haver livros importantes que abarcam o período desses documentos, a pesquisadora os usou como fonte para esclarecer alguns aspectos relacionados ao debate que ocorria à época sobre determinados fenômenos elétricos, informações importantes para o seu projeto a respeito da história da eletricidade no século XVIII. “Nesse período, coexistiam várias explicações diferentes para os fenômenos elétricos e a Dibner Library possui um dos melhores acervos do mundo sobre eletricidade no século XVIII”, explica Celestino Silva. Além das cartas, obras do pesquisador francês também foram fonte de consulta para ela. “Mas o que tornou minha ida a essa biblioteca realmente necessária foi o estudo da correspondência entre Nollet e Dutour”, afirma a pesquisadora.

Por situação parecida passou o pesquisador Alexsander Lemos de Almeida Gebara, professor de história da África na Universidade Federal Fluminense. A pesquisa para seu doutorado, sobre o explorador inglês Richard Francis Burton, o levou em 2004 para Londres, mais especificamente às estantes do Public Record Office, do Foreign Office, onde estão reunidos documentos que cobrem mil anos de história. “A principal questão, naquele momento, é que eu tinha os relatos de viagem de Burton, mas não tinha acesso à documentação produzida por ele quando cônsul na Baía de Biafra (África)”, conta o pesquisador. “Então, para concluir a pesquisa, eu precisava basicamente dessa documentação que se encontra no Public Record Office”.

Ao contrário do que se possa imaginar, o maior obstáculo a esse tipo de empreitada não é a restrição do acesso ao documento. Para Gebara, por exemplo, a principal dificuldade não foi exatamente a busca, mas sim o manuseio das obras. “São delicadas e precisam de cuidados especiais, como o uso de máscaras e luvas”, relata. Já a física Cibelle Celestino Silva aponta a compreensão das caligrafias dos diversos autores nos manuscritos como a parte mais difícil do trabalho. “Isso pode até parecer estranho, mas é uma fase que leva vários dias de leituras dos manuscritos até que seja possível se sentir à vontade com a caligrafia”, comenta.

Se, por um lado, as dificuldades existem, elas podem ser compensadas pelo contato com obras bastante peculiares. O historiador Alex Gebara avalia que a cópia mais rara que ele possivelmente tenha encontrado seja a de um poema do explorador Burton, intitulado Stone talk. “ Trata-se de uma sátira sobre a própria Inglaterra e suas relações coloniais, particularmente com a Índia”, explica. De acordo com o pesquisador, como se tratava de uma crítica bastante forte ao governo inglês, a mulher de Burton procurou coletar e destruir a maior parte das mil cópias publicadas, embora a autoria do texto tenha sido “disfarçada” por Burton com o pseudônimo de Francis Baker. Apesar do esforço da senhora Burton, algumas poucas cópias escaparam ilesas. “Eu tive acesso a uma delas na British Library”, conta Gebara.

E mesmo quando não tem relação direta com a pesquisa, a visita às seções de obras raras impressiona. A Dibner Library, nos Estados Unidos, por exemplo, possui uma coleção de incunábulos (impressos dos primórdios da invenção da imprensa) do final do século XV que marcou a lembrança da estada de Cibelle Celestino Silva naquela biblioteca. Durante uma visita guiada, o diretor me mostrou uma edição dos Elementos de Euclides, publicada em Veneza em 1482, com uma tiragem de apenas mil exemplares. Foi emocionante poder ver e tocar uma obra tão importante para a história da ciência e, ao mesmo tempo, tão antiga. Para ela, o interesse vai além da busca direta por informações, mas passa também pela emoção de se tocar em objetos que foram escritos há séculos, por pessoas de carne e osso, em um período bem diferente do atual.

Além do prazer do contato com obras tão especiais, possivelmente o maior benefício está em encontrar informações disponíveis somente nessas bibliotecas. Para Cibelle Celestino Silva, do ponto de vista historiográfico, o uso de manuscritos permite buscar informações que podem ter sido ignoradas por outros historiadores e que, muitas vezes, não aparecem nos livros e artigos científicos publicados, como erros, mudanças de ideia, especulações ou hipóteses posteriormente abandonadas. “Há também um lado bem curioso, porque entendemos como um determinado pesquisador costumava explicitar suas ideias, dúvidas ou preconceitos para amigos e colaboradores próximos, coisa que raramente faria em uma obra publicada na forma de livro ou artigo”, revela.

“O valor desse tipo de documento é imensurável porque é uma fonte viva para os pesquisadores”, opina Jeorgina Gentil Rodrigues, bibliotecária da Seção de Obras Raras A. Overmeer, da Biblioteca de Ciências Biomédicas do Instituto de Comunicação e Informação Científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Essa seção recebe, mensalmente, a consulta de dez a quinze pesquisadores e alunos de pós-graduação stricto sensu, cuja formação está relacionada às áreas de especialização do acervo: ciências biológicas, medicina e história natural. Esses usuários vão, principalmente, em busca dos periódicos nacionais e estrangeiros disponíveis na seção, que somam 562 títulos com cerca de 15 mil fascículos e integram o total de 40 mil volumes que compõem o acervo de obras raras da biblioteca.

Tempos modernos

Os avanços do mundo digital facilitaram a vida dos pesquisadores que, por um motivo ou outro, não podem se deslocar para a consulta presencial a obras imprescindíveis para seu trabalho. Um exemplo nesse sentido é a consulta virtual à Seção de Obras Raras da Fiocruz, maior do que a presencial. Segundo a bibliotecária Jeorgina Rodrigues, a seção atende de trinta a quarenta pedidos por mês feitos por intermédio do serviço Comutação Bibliográfica (Comut), que permite a obtenção de cópias digitalizadas de documentos disponíveis no acervo.

Mais do que facilitar, a digitalização e a internet podem ser as únicas alternativas para o sucesso completo de determinado trabalho. Foi o que ocorreu com o doutorado do físico João Paulo Martins de Castro Chaib, que inclui a tradução integral do livro Théorie de phènomènes électro-dynamiques, uniquemente déduite de l’expérience, a principal obra sobre eletrodinâmica de Ampère. Todo o trabalho de tradução foi possibilitado graças à internet. “Consegui a versão reimpressa de 1990 do Théorie, por meio do sistema integrado de bibliotecas do Cruesp (Conselho de Reitores da Universidades Estaduais Paulistas) e, depois, a versão de 1826 on-line pelo site Gallica, que disponibiliza para download vários livros de domínio público que constam no acervo da Biblioteca Nacional francesa”, explica. Esse trabalho resultou na única tradução completa da obra em outra língua e sua publicação, no formato de livro, já está sendo estudada por Chaib e por seu orientador, André Koch de Torres Assis, da Unicamp.

“Encontrar outras publicações, artigos mais específicos e localizar certos assuntos nos manuscritos foi mais trabalhoso”, comenta Chaib. Ele explica ainda que precisou comprar alguns artigos e, mais uma vez, a internet foi providencial, já que as bibliotecas e editoras enviavam as fotos ou o artigo em formato pdf (para visualização no programa Acrobat Reader, da Adobe). Mesmo com as facilidades oferecidas pelo mundo virtual, Chaib foi à França, embora o motivo da viagem tenha sido mais pessoal do que profissional. “O fato de ficar três anos e meio respirando textos em francês me levou a viajar para Paris. Mas aproveitei para digitalizar certos textos e figuras das edições de 1821 e de 1824 do livro Précis élémentaire de physique, de Jean-Baptiste Biot, para enriquecer futuros trabalhos”, conta. Assim como a paixão do bibliófilo faz com que a obra rara não tenha preço para ele, para o pesquisador, ainda que aproveite as facilidades da digitalização, a experiência do contato com a raridade continuará inigualável.