“O maior antropólogo do mundo”, “um intelecto de exceção”, “o pesquisador que tornou o mundo mais tolerante”, “um dos grandes pensadores” ou “um dos maiores intelectuais do século 20”. Títulos elogiosos não faltaram ao antropólogo Claude Lévi-Strauss, nos textos publicados pelos principais veículos da imprensa brasileira, a partir do anúncio da morte deste que é considerado por muitos o pai da antropologia moderna. Na cobertura do falecimento de Lévi-Strauss feita pelos jornais e revistas nacionais, dois temas chamaram atenção: sua experiência no Brasil e a disseminação do respeito às diferenças culturais.
Lévi-Strauss faleceu na madrugada de 01 de novembro, vinte e oito dias antes de completar 101 anos. Do presidente da França, Nicolas Sarcozy, ao músico brasileiro Caetano Veloso –passando por escritores, acadêmicos, ex-alunos e intelectuais (como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) – foram ouvidos pela imprensa muitos daqueles que, de alguma forma, estiveram ligados a Lévi-Strauss. Artigos e entrevistas do antropólogo foram republicados; e obras suas foram revistas, como As estruturas elementares do parentesco, publicada em 1949, e Saudades de São Paulo, de 1996.
A importância do Brasil para a carreira do pesquisador – e, em consequência, para a antropologia –, em virtude da experiência vivida por ele no país, ganhou destaque na imprensa. Nascido em Bruxelas e criado na França, onde estudou direito e filosofia, Lévi-Strauss foi convidado a dar aulas de sociologia na recém-fundada Universidade de São Paulo (USP), em 1934. Ficou no Brasil por cinco anos, período em que viajou ao interior do país em expedições de campo e conheceu os índios Caudiuéus, Bororo e Nambiquara. A experiência brasileira é contada em Tristes trópicos, livro publicado por ele em 1955.
O nascimento da vocação para a antropologia, a descoberta da etnografia e os estudos que deram base ao estruturalismo tiveram o Brasil como cenário, destacou a imprensa nacional, ilustrando a influência das experiências vividas no país na carreira de Lévi-Strauss. Por outro lado, a percepção da obra do antropólogo pelos brasileiros e a contribuição dessa obra para a compreensão de nossa própria realidade não mereceram o mesmo destaque da imprensa e parecem menos palpáveis.
Segundo a cientista social Mariza Martins Furquim Werneck, do Departamento de Antropologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que desenvolveu diferentes estudos baseados no trabalho de Lévi-Strauss, a complexa obra do antropólogo é considerada bastante hermética e permanece, em geral, desconhecida pelos brasileiros. “Até Tristes trópicos, livro de fácil acesso, circula mais nos meios intelectualmente privilegiados”, aponta a pesquisadora. “Mesmo quando um compositor popular do alcance de Caetano Veloso homenageia-o em suas canções, não acredito que seja plenamente compreendido”, completa Werneck. O músico brasileiro citou Lévi-Strauss, de forma direta, em O estrangeiro, canção lançada em 1989. Citou-o ainda, indiretamente, em outras duas canções, segundo conta o próprio compositor em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo (04/11/2009).
Ao mesmo tempo em que aponta o desconhecimento de boa parte dos brasileiros acerca do trabalho de Lévi-Strauss, Werneck destaca a importância da obra do antropólogo para o Brasil. “Em relação aos indígenas, Lévi-Strauss revelou uma face ignorada de nós mesmos. E o fato de ser um dos professores-fundadores da USP imprimiu, desde o começo, em nossas universidades, uma marca de exigência e de inquietação intelectual importantíssimas”, destaca a pesquisadora.
O contato de Lévi-Strauss com os índios brasileiros teria sido fundamental, também, como base para a construção das ideias que geraram outro tema recorrente na cobertura da morte do antropólogo: o respeito às diferenças culturais. Jornais e revistas brasileiros destacaram a contribuição de Lévi-Strauss para o fortalecimento da tolerância entre os povos, na medida em que o trabalho do antropólogo, que modificou o estudo das relações sociais, contradisse os conceitos de raça e a hierarquia entre sociedades e afirmou a igualdade entre a mente civilizada e a chamada mente “selvagem”.
Pode-se questionar, no entanto, se a contribuição de Lévi-Strauss para esse respeito às diferenças conseguiu transpor os limites das universidades, refletindo-se na sociedade como um todo. Para Werneck, a discrição do antropólogo, sobretudo em seus últimos anos de vida, talvez não tenha facilitado a divulgação de suas ideias. “Embora sua figura intelectual tenha ultrapassado, fora do Brasil, os muros da academia, Lévi-Strauss sempre teve uma postura extremamente discreta – embora firme – em seus posicionamentos políticos”, avalia a pesquisadora. Ainda assim, o trabalho do antropólogo pode ter colaborado com transformações positivas. “A esperança é sempre a de que tenha, sim, contribuído para alguma mudança, ainda que imperceptível”, afirma Werneck. “Acho que as mudanças que um grande pensador imprime em seu tempo de vida não se dão a ver com facilidade”, completa a pesquisadora.
Biografia, obras e teorias de Claude Lévi-Strauss já haviam sido discutidas um ano atrás, em comemoração ao centenário do antropólogo, como contribuições não só para a ciência, mas para a sociedade como um todo. Em virtude de sua morte, amplamente noticiada nos principais jornais e revistas nacionais, suas ideias foram revisitadas e, novamente, levadas ao grande público. Para Werneck, o pensamento de Lévi-Strauss, que “une inteligência e sensibilidade”, tornaria melhor a humanidade, se fosse mais conhecido. Ao avaliar a importância da comunicação do trabalho do antropólogo para toda a sociedade, a pesquisadora argumenta: “Seria importante a divulgação de suas ideias para um público não especializado, na medida em que ele contribuiu para repensar a humanidade em uma outra escala, fora dos mecanismos de poder, e de afirmações de superioridade de qualquer espécie”.
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