Instrumentos variados, às
vezes conflitantes e pouco específicos. De acordo com os gestores da
área de
Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I),
encontrar o caminho correto por
entre o emaranhado de leis, normas e decretos que regulam as atividades
da área
se tornou uma tarefa difícil e arriscada. Isso porque os instrumentos
utilizados para o controle e fiscalização não levam em conta as
peculiaridades
do trabalho científico, e o resultado são prestações de contas
glosadas, multas
e autuações.
“Hoje, a questão legal é o
maior problema para quem trabalha com CT&I no nível federal e
também dos
estados”, resume o presidente do Conselho Nacional das Fundações
Estaduais de
Amparo à Pesquisa (Confap), Mario Neto Borges. A fim de debater o tema,
o
Confap e o Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de
CT&I (Consecti) se reuniram em Belo Horizonte (MG) nos dias 30 e
31 de maio. O
objetivo do encontro foi apontar os principais problemas do arcabouço
legal
vigente e dar início à preparação de uma proposta de revisão que será
enviada
ao Congresso Nacional.
“Se o
Brasil não enfrentar essa questão agora, não vai conseguir acompanhar o
ritmo
de outros países emergentes, como China e Índia”, aponta o secretário
de
Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia do Estado do Pará, Alex Fiúza de
Mello.
“As leis que regem a área são ortodoxas e inflexíveis. Quando
trabalhamos com
ciência, lidamos com o imprevisível. Ao longo da pesquisa, é possível
descobrir
que um material é mais apropriado do que o inicialmente previsto, ou
inventa-se
um equipamento melhor que o anterior. Nosso arcabouço jurídico não
aceita isso,
é inflexível e inadequado para a gestão da CT&I”.
A Lei
nº 8.666, de 21/6/1993, conhecida como a Lei de Licitações, é o
principal alvo
das críticas. Ela institui normas para licitações e contratos da
administração pública
direta e indireta. Como a maioria das instituições do sistema nacional
de
CT&I são pessoas jurídicas pertencentes a
essa esfera, devem realizar contratações de serviços e compras com base
em suas regras. E aí começam os problemas.
A compra por meio de
licitação tem como objetivo estimular a concorrência entre vários
fornecedores.
Mas é comum na atividade científica que equipamentos ou materiais
imprescindíveis para um trabalho contem com um único fornecedor. Nesse
caso, é
feita uma dispensa de licitação, ato visto com desconfiança pelos
órgãos
reguladores. A lei também não admite contrações avulsas para atividades
de
notório conhecimento nem compras de caráter urgente para situações de
grande
excepcionalidade.
Outro problema diz respeito
aos contratos que, de acordo com a regra geral, devem ter prazo e valor
fixos.
No entanto, como argumentam os gestores, ciência é uma atividade
dinâmica,
cujos resultados não podem ser completamente previstos. “A Lei 8.666
trata
ciência e tecnologia como se fossem obra pública, uma ponte, hospital
ou
rodovia”, critica o presidente do Confap. Para ele, não faz sentido
utilizar a
mesma lei que regula a construção de estradas para fiscalizar os gastos
com
ciência.
Biodiversidade
As atuais disposições sobre o
acesso à biodiversidade para pesquisas científicas e tecnológicas
também são
motivo de reclamação. Para os cientistas que atuam na área, a
legislação atual
é bastante restritiva e impõe uma série de exigências para a coleta do
material
biológico que prejudicam o trabalho. Para a presidente da Fundação de
Amparo à
Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do
Maranhão
(Fapema), Rosane Nassar Meireles Guerra, a legislação exagera nesse
ponto.
“Claro, entendemos que o objetivo é proteger da biopirataria, mas
também é
preciso ter sensibilidade. Por exemplo, muitos de nós trabalhamos com
produtos
naturais obtidos de horto, não são coletados em reservas ou áreas de
preservação. Ainda assim, precisamos cumprir os mesmos requisitos para
realizar
nossas pesquisas”.
Um grande entrave, em sua
opinião, surge quando tratamos da transferência de tecnologia para
empresas.
Ela explica que, no Brasil, ao contrário do que acontece nos EUA ou no
Japão,
não é possível proteger extratos ou atividades biológicas de extratos
que ainda
não foram descritos por outros pesquisadores. E isso dificulta o
investimento
de empresas para produção de determinados produtos em escala
industrial. “Eu
tenho cinco patentes de produtos naturais, mas eles não podem conter
nada da
biodiversidade porque senão o empresário não consegue proteger e
produzir”.
No que se refere à relação
academia-indústria, a crítica é que a legislação atual dificulta a
inovação e
inibe parcerias. Mesmo a Lei de Inovação, criada com esse objetivo,
encontrou
barreiras para a efetiva utilização em questões como a dedicação
exclusiva e
possibilidades de financiamento. Os membros dos dois conselhos também
chamam
atenção para a necessidade de treinamento dos agentes dos órgãos de
controle,
para que eles entendam como funciona a área de CT&I e apliquem as
leis de
acordo com essa realidade. Angela Brusamarello, representante do
Tribunal de
Contas da União (TCU), acompanhou o debate em Belo Horizonte. Segundo
ela, o órgão está atento a essas demandas e já é possível identificar
uma
mudança de postura, com avaliações que se concentram mais no desempenho
e nos
resultados alcançados.
Proposta
Um grupo de trabalho formado por procuradores e
assessores jurídicos de todos os estados participou das discussões e,
com base
nas demandas apresentadas durante os dois dias de reunião, elaborou uma
proposta para um novo arcabouço legal. Além dos temas já mencionados, o
documento também sugere maior facilidade para as importações de
insumos,
criação de um manual de prestação de contas unificado e maior
flexibilidade
para a cessão, transferência e doação de bens. Após o tratamento
jurídico
adequado, essa minuta será entregue aos coordenadores das comissões de
ciência
e tecnologia da Câmara e do Senado.
Presente
no evento, o deputado federal Sibá Machado, integrante da Comissão de
Ciência e
Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), se disse solidário ao
pleito.
Ele compartilha a crença de que os arcabouços legais estão defasados
para
atender às especificidades do mercado de novas tecnologias. Na agenda
proposta,
o documento elaborado pelo grupo de procuradores deverá ser apresentado
no
início de agosto para análise nas comissões de C&T das duas casas.
Segundo
o deputado federal, se houver consenso, seria possível propor uma
medida
provisória.
A
expectativa é que, com uma legislação nova e específica, esse nó seja
desatado.
Como conclui Mario Neto Borges, “aprendemos que não adianta só reclamar
da
legislação, é preciso apontar soluções. E que não devemos tratar do
assunto só
no âmbito do executivo, precisamos envolver esses dois outros elementos
na
discussão, que é o legislativo e os órgãos de controle. Dessa forma, o
tema
ganha a importância que merece”.
4ª CNCTI
O aperfeiçoamento da
legislação brasileira para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação é
uma
demanda de várias entidades ligadas à área. Além do Consecti e do
Confap,
outras entidades se debruçam sobre o tema, como a Sociedade Brasileira
para o
Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e
a
Universidade Estadual de São Paulo (USP). As duas primeiras elaboraram
um
documento que serviu como base para as discussões do tema durante a 4º
Conferência Nacional de CT&I, realizada em maio do ano passado, em
Brasília
(DF). Na ocasião, as sugestões apresentadas durante palestras e
mesas-redondas
se transformaram em recomendações que apontam, sobretudo, para a
necessidade de
fortalecer a interlocução e a interação com os órgãos de controle. As
contribuições estão disponíveis no Livro
Azul, publicação que traz consolidadas as propostas e os desafios
para a
política nacional de CT&I. Ele está disponível para download em: http://www.cgee.org.br/publicacoes/livroazul.php |
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