A expressão “modelo de atenção à saúde” (box 1)
tem sido utilizada com diversos significados e níveis de abrangência. Para
alguns autores, é sinônimo de modelo assistencial, o que limita a compreensão
do termo “atenção” às ações e serviços responsáveis pela assistência a pessoas
que apresentam algum tipo de problema de saúde. Para outros, a expressão inclui,
além das práticas (box 2) assistenciais, diversas ações e serviços que não se
dirigem apenas a pessoas doentes, contemplando ações de vigilância e controle
de riscos que podem afetar a saúde individual e coletiva, bem como ações de
promoção da saúde e melhoria da qualidade de vida dos diversos grupos
populacionais.
Na base dessas diferenças de significado,
encontra-se a diversidade de concepções acerca da “saúde” (box 3), que se desdobra no entendimento das diversas formas com
que as pessoas, os grupos sociais e, principalmente, o Estado, decidem
enfrentar os problemas de saúde. De fato, toda e qualquer pessoa tem certo grau
de autonomia para buscar soluções a esse tipo de problema, e geralmente faz
isso com base no seu entendimento do que seja saúde, em função de sua cultura,
das suas condições e modo de vida como parte de um determinado grupo no seio da
sociedade.
Em uma sociedade econômica e culturalmente
desigual como a brasileira, prevalecem distintas concepções acerca da melhor
forma de enfrentar os problemas e atender às necessidades de saúde individuais
e coletivas. Os grupos politicamente dominantes acabam definindo os modos de
financiamento e organização dos serviços e influenciam nas decisões tomadas
pelo Estado, ou seja, determinam a direcionalidade impressa à política de saúde
e, consequentemente, o modo de organização, financiamento e produção das ações
e serviços de saúde, que tanto pode privilegiar o fortalecimento do setor
público quanto do setor privado, tanto pode privilegiar um modelo de
organização que valoriza a atenção individualizada quanto pode propor a
articulação de práticas de saúde que
contemplam aspectos promocionais, preventivos e assistenciais.
Estudos da área de saúde coletiva,
especialmente no campo das ciências sociais em saúde, têm contribuído muito
para o conhecimento de como as diversas sociedades enfrentaram, historicamente,
os problemas de saúde. Com base nesses estudos é que podemos identificar as
mudanças que ocorreram, ao longo dos séculos, na medicina, principalmente a
partir do desenvolvimento da “medicina científica”, no século XIX, processo que
revolucionou, através da incorporação de tecnologias, a produção de serviços de
saúde, gerando a criação de novas profissões e especialidades, bem como a
reorganização completa do processo de trabalho nesta área.
A forma como esse processo aconteceu na
sociedade brasileira tem sido objeto de vários estudos, que apontam as
transformações ocorridas na política, na organização e na produção de serviços
de saúde ao longo do século XX e no momento atual. Assim, da “medicina liberal”, do início do
século passado, prática na qual o profissional médico detinha o conhecimento e
a tecnologia disponível na época para assistir doentes e tratar doenças,
passamos, paulatinamente, por um processo de complexificação e diversificação das
práticas de saúde, que contemplou, de um lado, a criação de grandes
estabelecimentos voltados à produção de serviços, como hospitais e clínicas
especializadas, que concentram tecnologias de alto custo, e, do outro, a
extensão das ações e serviços de saúde em uma “rede” composta por unidades
distribuídas no território das cidades, visando oferecer a chamada “atenção
primária à saúde” (Starfield, B. 2002; Giovanella;
Mendonça, 2008) o mais perto possível dos locais de moradia e trabalho das
pessoas.
Para entendermos os determinantes desse
processo, precisamos conhecer um pouco da história do Brasil, analisando as
mudanças que ocorreram em nossa economia e na natureza e atuação do Estado nas
diversas conjunturas (República Velha, era Vargas, período desenvolvimentista,
período autoritário, transição democrática e momento atual). Nos limites deste
texto, entretanto, o mais importante é
reconhecer que, por conta das opções políticas que foram adotadas em cada um
desses momentos, configurou-se um “modelo
de atenção médico-assistencial hospitalocêntrico e privatista” (Paim, 1993;
2008), ou seja, uma forma de organização da prestação de serviços de saúde que
privilegiou a assistência médica individual, realizada principalmente em clínicas
e hospitais, por profissionais vinculados a empresas médicas privadas,
financiadas diretamente pelos usuários ou, indiretamente, através dos contratos
e convênios com o Estado e/ou com os planos e seguros de saúde.
Paralelamente, as ações de saúde pública, que
no início do século passado estavam voltadas para o controle das epidemias, por
meio das campanhas sanitárias, conformaram o “modelo sanitarista” (Paim, 1993;
2008), que, ao longo do século, também se ampliou, por meio dos programas de
controle de doenças (malária, tuberculose, hanseníase etc.), e dos programas
voltados a grupos expostos a situações de vulnerabilidade (mulheres, crianças,
trabalhadores etc.) que ainda hoje são parte da ação governamental na área.
Em meados dos anos 1970, a coexistência desses
dois modelos de atenção era sustentada pelo fato de o Estado, por meio da previdência
social (antigo Inamps), financiar a assistência médica aos trabalhadores
inseridos no mercado formal de trabalho e suas famílias, tanto por seus
serviços próprios, quanto por serviços privados contratados e conveniados, ao
tempo em que desenvolvia as ações de saúde pública, através de campanhas e
programas.
O movimento pela reforma sanitária brasileira
(RSB), reunindo um conjunto de entidades, como o Cebes, a Renovação Médica, o
movimento estudantil, associações populares, entidades ligadas à igreja etc.
problematizou, entre outras questões centrais, esse modelo, apontando sua
“insuficiência”, “inadequação”, “ineficiência”, ineficácia” e “iniquidade”.
Essa foi a base da proposta de mudança na política de saúde a partir dos princípios
de universalidade, integralidade e equidade, princípios, que, como sabemos,
foram consagrados na Constituição Federal de 1988 e na legislação básica do
Sistema Único de Saúde (SUS), após longa luta pela democratização do país e
pelo reconhecimento do direito à saúde como um direito de cidadania.
O projeto de RSB inclui a proposta de
organização do modelo de atenção à saúde,
que materialize tais princípios, o que tem estimulado a realização de estudos
e pesquisas sobre o tema, bem como a experimentação e incorporação de várias
propostas de mudança nas práticas e na organização dos serviços públicos de
saúde, ao longo dos últimos 28 anos. Esse processo começou ainda antes do SUS,
na época da implantação do SUDS (1987-1989), quando vários estados e municípios
implantaram distritos sanitários (DS) (Mendes,
1993), modelo organizacional de base
territorial, que implica a reorganização da oferta de serviços a partir da
análise da situação de saúde da população que vive no território do DS e da
programação de ações adequadas à solução dos seus problemas e atendimento de
suas necessidades.
Neste cenário, surgiu a vigilância da saúde (Paim, 2003; Teixeira et al, 1998), proposta que contempla a articulação das
ações de promoção da saúde, prevenção de riscos e agravos, assistência e
reabilitação, partindo da compreensão acerca da multiplicidade e objetos de
intervenção no campo da saúde, em função dos determinantes sociais do processo
saúde-doenças e da diversidade de problemas epidemiológicos, clínicos,
psicológicos e sociais que se apresentam como efeitos destes determinantes,
base também da proposta de redefinição das ações programáticas (Schraiber,
1990; Schraiber, et al. 1996) nas unidades de saúde, a partir da reorganização
da atenção a grupos vulneráveis.
Várias outras propostas foram sendo
incorporadas, redefinidas e rearticuladas na realidade concreta dos municípios
brasileiros a partir dos anos 1990, como
é o caso da saúde da família (MS, 1998), que enfatiza o trabalho coletivo de
equipes multiprofissionais, a proposta de linhas de cuidado
(Franco; Magalhães Junior, 2014) que atualiza a antiga ideia de
hierarquização tecnológica e busca garantir a integralidade do cuidado e, também,
a ideia de redes integradas de saúde (Mendes, 2010; Silva, 2011), que busca
resignificar a gestão territorial dos serviços de saúde também com vistas a
garantir a integralidade da atenção.
Em outra perspectiva, foi elaborada a proposta
da clínica ampliada (Campos 2003;
MS, 2007), que valoriza o trabalho assistencial e pretende integrar a dimensão
biomédica que prevalece na prática clínica, hegemônica, no âmbito dos serviços
de saúde, mesmo nos estabelecimentos que compõem a rede de atenção básica, com
os aspectos psicológicos e sociais implicados na relação entre os profissionais
e os usuários do sistema, daí sua articulação com programas que enfatizam o acolhimento
(Franco et al, 1999; Tesser et al., 2010) e a necessidade de humanização do
cuidado (Deslandes ; Ayres, 2005).
O SUS tem sido, assim, um grande “laboratório” em
que se experimentam e, por vezes, se institucionalizam, propostas de mudança do
modelo de atenção, que têm em comum a busca pela superação dos limites dos
modelos ainda hegemônicos. Sejam eles o modelo medico-assistencial hospitalocêntrico
ou o modelo sanitarista, herança do período anterior ao SUS, o que evidencia o
quão distante estamos de um sistema de saúde que opere segundo a lógica da
intervenção sobre determinantes, riscos e danos, contribuindo não só para o
cuidado à saúde mas, sobretudo, para a melhoria da qualidade de vida da
população.
No momento, atual, inclusive, no qual vivemos
uma crise econômica, política, ética e institucional que ameaça o processo de
consolidação do SUS, agudizam-se as tensões que atravessam o cotidiano dos
profissionais e trabalhadores que atuam na gestão e, principalmente, na
produção de ações e serviços, dificultando ainda mais a introdução e
institucionalização de mudanças organizacionais, tecnológicas e relacionais que
possam vir a configurar um modelo de atenção integral à saúde. Isso demanda,
mais que nunca, a luta em defesa do SUS constitucional e a mobilização social
em torno da criação de condições para a efetivação do direito à saúde. Carmen Fontes Teixeira é professora titular do Instituto de Humanidades, Artes e
Ciências (UFBA) e docente do programa de Pós-Graduação do Instituto de Saúde
Coletiva (UFBA). carment@ufba.br Referências Campos, G .W. S. “A
clínica do sujeito: por uma clínica reformada e ampliada”. In: Campos, G.
W. S. Saúde
Paidéia. São Paulo, Hucitec, 2003. Deslandes, S. F.; Ayres, J. R. de C. M. “Humanização
e cuidado em saúde”. Editorial. Ciência
& Saúde Coletiva, 10(3):
510-511, 2005. Franco, T. B.; Bueno, W. S.; Merhy, E. E. “O
acolhimento e os processos de trabalho em saúde”. Cadernos de Saúde Pública, 15(2): 345-353, 1999. Franco, T. B.; Magalhães Junior, H. M. “Integralidade
na assistência à saúde: a organização de linhas de cuidado”. In: Merhy, E. E. et
al (org.). O trabalho em saúde: olhando e
experienciando o SUS no cotidiano. 2ª. Ed. São Paulo: Hucitec, 2004. Giovanella, L.; Mendonça, M. H. “Atenção primária à saúde”. In: Giovanella, L, et al. (orgs). Políticas e sistema de saúde no Brasil.
Rio de Janeiro, Fiocruz, Cebes, 2008, p. 575-625. Mendes, E. V. (org). Distrito sanitário: o processo social de mudança das práticas
sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo/Rio de Janeiro, Hucitec/Abrasco,
1993, 300 p. Mendes,
E.V. “As redes de atenção à saúde”. Ciência
& Saúde Coletiva, 15(5): 2297-2305, 2010. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde.
Coordenação de Saúde da Comunidade. Saúde da família: uma estratégia para a reorientação
do modelo assistencial. Brasília, 2a ed. 1998, 36 p. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Clínica ampliada, equipe de
referência e projeto terapêutico singular. 2ª ed. Série Textos Básicos de Saúde, Brasília, 2007. Paim, J. S. “A reforma sanitária e os modelos assistenciais”. In: Rouquayrol,
M. Z. Epidemiologia & Saúde, 4a.
ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1993, p. 455 - 466. Paim, J. S. “Modelos de atenção e Vigilância da Saúde”. In: Rouquayrol, M. Z.;
Almeida Filho, N. Epidemiologia &
Saúde. 6a. edição. Medsi, Rio de Janeiro, 2003, p. 567- 586. Paim, J. S. “Modelos de atenção à saúde no
Brasil”. In: Giovanella, L, et al. (orgs). Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro,
Fiocruz, Cebes, 2008, p. 547-573. Schraiber, L. (org). Programação em saúde hoje. Hucitec/Abrasco, São Paulo-Rio de
Janeiro, 1990, 226 p. Schraiber,
L. B; Nemes, M. I. B.; Mendes-Gonçalves, R. B. (orgs.) Saúde do adulto: programas e ações na unidade básica. São Paulo:
Hucitec, 1996. Silva, S.F. da. “Organização de redes
regionalizadas e integradas de atenção à saúde: desafios do Sistema Único de
Saúde (Brasil)”. Ciência & Saúde
Coletiva, 16(6): 2753-2762, 2011. Starfield, B. Atenção primária: equilíbrio
entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília, Unesco/Ministério
da Saúde, 2002. Teixeira, C. F., Paim, J. S.; Vilasboas, A. L. “SUS,
modelos assistenciais e vigilância da saúde”. Informe Epidemiológico do SUS, Brasília, v. VII, n.2, p. 7-28,
abril/jun de 1998.
Tesser,
C. D.; Neto, P. P.; Campos, G. W. S. “Acolhimento e (des) medicalização social:
um desafio para as equipes de saúde da família”. Ciência & Saúde Coletiva,
15 (Supl.3): 3615-2624, 2010.
Box 1:
A revisão da literatura latino-americana
revela que o interesse em definir e conceituar “modelo de atenção” surgiu no contexto do debate internacional
sobre reformas do sistema de saúde nos anos 80. No Brasil, esse debate deu
lugar à elaboração de várias definições, baseadas em enfoques
teórico-conceituais distintos.
A primeira delas (OPS, 1992) considera “modelo de atenção” como uma forma
de organização das unidades de prestação de serviços de saúde, isto é, centros
de saúde, policlínicas, hospitais. Nessa perspectiva, a organização dos
serviços pode assumir um formato de rede,
entendida como conjunto de estabelecimentos voltados à prestação de serviços
do mesmo tipo, por exemplo, rede
ambulatorial, rede hospitalar,
ou por serviços de distintos níveis de complexidade tecnológica, interligados
por mecanismos de referência e contra referência, constituindo assim, redes integradas
de atenção a problemas ou grupos populacionais específicos (Mendes,
2009).
A segunda emergiu na época de implantação do
Sistema Unificado Descentralizado de Saúde (SUDS), entre 1987 e 1989, e distingue
a “atenção à demanda espontânea”,
da “oferta organizada” (Paim,
1993a) tomando como principal
critério a diferença entre a “consultação”
e a “programação/ações programáticas”
(Schraiber, 1990), ou seja, a existência ou não de um processo de
identificação, seleção e priorização de necessidades de saúde da população
atendida.
Dessa reflexão, surgiu, inclusive, a proposta
de organização da vigilância da saúde,
entendida como uma forma de organização das práticas de saúde que contempla a
articulação das ações de promoção da saúde, prevenção e controle de riscos,
assistência e reabilitação, de modo a se desenvolver uma atenção integral a
problemas de saúde e seus determinantes, a necessidades e demandas da
população em territórios específicos (Paim, 1993b; Teixeira, Paim, Vilasboas,
1998).
A terceira definição fundamenta-se na identificação
dos elementos estruturais do processo de trabalho em saúde e considera que modelos assistenciais podem ser entendidos como “combinações de saberes (conhecimentos) e
técnicas (métodos e instrumentos) utilizadas para resolver problemas e
atender necessidades de saúde individuais e coletivas, não sendo, portanto,
simplesmente uma forma de organização dos serviços de saúde nem tampouco um
modo de administrar (gerir ou gerenciar) um sistema de saúde”. Nessa
perspectiva, os modelos assistenciais são “formas de organização das relações
entre sujeitos (profissionais de saúde e usuários) mediadas por tecnologias
(materiais e não materiais) utilizadas no processo de trabalho em saúde, cujo
propósito é intervir sobre problemas (danos e riscos) e necessidades sociais
de saúde historicamente definidas” (Paim, 2008).
Em síntese, pode-se
conceber “modelo de atenção”, de forma sistêmica, articulando três dimensões:
uma gerencial, relativa aos mecanismos de condução do processo de
reorganização das ações e serviços, uma organizativa, que diz respeito
ao estabelecimento das relações entre as unidades de prestação de serviços,
levando em conta a hierarquização dos níveis de complexidade tecnológica do
processo de produção das ações de saúde, e a dimensão propriamente técnico-assistencial,
ou operativa, que diz respeito às relações estabelecidas entre o (s)
sujeito(s) das práticas e seus objetos de trabalho, relações estas mediadas
pelo saber e tecnologia que operam no processo de trabalho em saúde, em
vários planos, quais sejam os da promoção da saúde, da prevenção de riscos e
agravos, da recuperação e reabilitação.
Referências
Mendes, E.V. As redes integradas de
atenção à saúde. Belo Horizonte. ESP/MG, 2009, 848 p.
Paim, J. S. “A reforma sanitária e os modelos assistenciais”. In: Rouquayrol,
M. Z. Epidemiologia & Saúde, 4a.
ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1993b, p. 455 - 466.
Paim, J.S. “Modelos de atenção à saúde no Brasil”.
In: Giovanella, L, et al. (orgs). Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro,
Fiocruz, Cebes, 2008, p. 547-573.
Schraiber, L. (org). Programação em saúde hoje. Hucitec/Abrasco, São Paulo-Rio de
Janeiro, 1990, 226 p.
Teixeira, C. F.; Paim, J. S. e Vilasboas, A.
L. “SUS, modelos assistenciais e vigilância da saúde”. Informe Epidemiológico do SUS, Brasília, v. VII, n.2, p. 7-28,
abril/jun de 1998.
Teixeira, C.F.; Vilasboas, A. L. “Modelos de
atenção à saúde: transformação, mudança ou conservação?”. In: Paim, J. S.; Almeida
Filho, N. Saúde coletiva: teoria e
prática. Rio de Janeiro: Medbook, 2014. p. 287-301.
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As práticas de
saúde podem ser promocionais, preventivas, assistenciais, reabilitadoras:
As promocionais são medidas inespecíficas de melhoria das
condições gerais de vida e trabalho, incluindo ações de educação e
comunicação em saúdes destinadas a subsidiar a adoção de modos de vida
saudáveis.
As práticas preventivas, por sua vez, incluem medidas
específicas de prevenção de riscos e danos à saúde das pessoas, a exemplo das
ações de vigilância epidemiológica e sanitária.
As práticas assistenciais referem-se a cuidados
dispensados a pessoas doentes, podendo ser realizadas em diversos espaços, na
moradia, nas escolas, ambientes de trabalho e serviços de saúde.
As práticas reabilitadoras incluem medidas de recuperação
da saúde e reabilitação de funções vitais, a exemplo de locomoção, memória,
fala etc. e, geralmente, são destinadas a pessoas que apresentam deficiências
genético-hereditárias ou sequelas de doenças e acidentes.
Referências
Paim, J. S. “A reorganização das práticas de saúde
em distritos sanitários”. In: Mendes (org.). Distrito sanitário: o processo social de mudança das práticas
sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo-Rio de Janeiro: Hucitec/Abrasco,
1993, p. 187-220.
Ayres, J. R. C. M. “Cuidado e reconstrução
das práticas de saúde”. In: Minayo, M. C. S.; Coimbra J. R., C. E. A. (orgs).
Críticas e atuantes: ciências
sociais e humanas em saúde na América Latina. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
2005. p.91-108. |
Box 3:
Saúde é um termo que
possui muitos significados. No senso comum, geralmente entende-se como
“ausência de doença”, o que remete a uma primeira definição de saúde como
“estado” que contempla aspectos objetivos e subjetivos dizendo respeito ao
pleno exercício da capacidade física e mental de um indivíduo. Esta concepção
está na base dos estudos que fundamentam a medicina científica, especialmente
a anatomia, a fisiologia e a patologia, e também dá suporte aos estudos
epidemiológicos, que trata de inferir o estado de saúde de uma população a
partir da identificação da ocorrência e distribuição de doenças, riscos e
outros agravos, como acidentes, violência etc. A crítica a esta concepção “negativa” de
saúde tem gerado a busca por definições “positivas”, das quais a mais
conhecida é a de que “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental
e social”.
Mais recentemente, pesquisadores do campo da
saúde coletiva têm se ocupado em definir saúde tomando como ponto de partida
a reflexão filosófica de Georges Canguilhem, sobre “o normal e o patológico”,
colocando em debate a ideia de que saúde é um “modo de andar a vida”, que
implica a capacidade de se ser normativo em relação aos elementos que
determinam e condicionam o processo saúde-doença, entendido como um processo
dinâmico, histórico e socialmente determinado. Essa perspectiva está na base do
debate contemporâneo no campo da epidemiologia sobre os determinantes sociais
da saúde (DSS) e também repercute nos estudos realizados pela sociologia e antropologia
da saúde, que incorporam elementos culturais que incidem sobre a percepção
dos sujeitos acerca do seu estado de saúde.
Esse debate repercutiu no âmbito do processo
de reforma sanitária brasileira, e contribuiu para a incorporação de uma
noção ampliada de saúde na Constituição Federal (1988), que em seu artigo 196
afirma: “A saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Referências
Almeida Filho, N. O que é Saúde? Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2011,160 p. (coleção Temas em saúde).
Batistella, C. “Abordagens contemporâneas do conceito de saúde”. In: Fonseca, A. F. (org.). O território e o
processo saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV, Fiocruz, 2007. p. 51-86.
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