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Reportagem
Indicadores chineses de C&T crescem em ritmo mais acelerado que a economia
Por Rodrigo Cunha
10/04/2012

O jovem chinês Yaqiang Wang acaba de concluir seu doutorado em bioquímica na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, nos Estados Unidos. Após se graduar na Universidade Huazhong de Ciência e Tecnologia e de obter o mestrado no Instituto Wuhan de Física e Matemática, instituições localizadas na capital da província chinesa de Hubei, Wang passou quatro anos se especializando em química de proteínas nos Estados Unidos, onde publicou trabalhos em periódicos especializados como o Journal of the American Chemical Society. Tinha tudo para continuar por lá. Mas os chineses, que como ele, têm ido estudar em áreas da ciência básica de ponta nos Estados Unidos, passaram a ver oportunidades promissoras de carreira científica no retorno à sua terra natal. E os atuais indicadores chineses de ciência e tecnologia confirmam isso.

Enquanto a economia chinesa cresceu, anualmente, uma média próxima dos 10% na última década, os investimentos da China em ciência e tecnologia (C&T) aumentaram em média 20% ao ano. Antes mesmo de superar o Japão como segunda maior economia do mundo, em 2010, a China já havia alcançado o segundo lugar em número de artigos publicados em revistas científicas, em 2008, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2010, superou a Coreia do Sul, França, Reino Unido e Holanda em número de pedidos de patentes no âmbito do Tratado de Cooperação de Patentes, da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, e chegou ao quarto lugar, aproximando-se da Alemanha, Japão e Estados Unidos. Embora seja preciso relativizar o que na China é gigantesco em termos absolutos, sua ascensão em C&T é inegável.

O despontar dessa nova potência científica e tecnológica, mais evidente em certas áreas do que em outras, tem sido gradativo ao longo dessas três décadas de abertura e crescimento da economia. “Desde o início de seu governo, Deng Xiaoping, em discursos no parlamento, em 1979, já dizia que não existia a possibilidade de avançar sem investir em ciência e tecnologia”, afirma José Eduardo Cassiolato, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do Projeto BRICs, uma rede de pesquisa envolvendo os cinco principais países emergentes da atualidade. “Desde a década de 1980, há um apoio sistemático ao sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. Os chineses estão colhendo agora os resultados de 30 anos de investimento em infraestrutura e capacitação de pessoal”, continua.

Mas o retorno de pesquisadores titulados no exterior, como o bioquímico Wang, e os avanços chineses em pesquisa básica são frutos de um esforço mais recente do governo chinês. “O que há agora é uma mudança de postura. Os chineses diziam que a pesquisa básica é aquela que é básica para a população. Não sei o quanto isso é só retórica ideológica, mas o fato é que o processo de desenvolvimento chinês prescindiu da pesquisa universitária básica”, explica Cassiolato. A economista da PUC-SP Maria Cristina Penido de Freitas, autora de “A transformação da China em economia orientada à inovação”, confirma: “Embora desde a década de 1980, os programas governamentais chineses contemplassem inovação, só na segunda metade da década de 1990, em particular com o Programa Nacional de Pesquisa Básica, a China começou a desenvolver ‘massa crítica’ em pesquisa básica, mediante investimentos pesados na formação de pesquisadores, laboratórios, centro de pesquisa etc, bem como na atração de cientistas chineses vivendo no exterior”.

Os programas chineses voltados para C&T nos anos 1980 foram pensados para execução em longo prazo e são a base para dois saltos da China nas décadas seguintes: o primeiro, no fortalecimento das pós-graduações e das pesquisas nelas realizadas; o segundo, na mudança do perfil predominante da indústria exportadora, que primeiramente impulsionou o crescimento econômico com a venda de produtos que demandavam mais trabalho do que conhecimento, como roupas e brinquedos, e, mais recentemente, passou a ter uma forte participação dos itens de alta tecnologia.

Em 1982, o governo de Deng Xiaoping lançou o Programa Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnologias-Chave, executado ao longo de quatro planos quinquenais. E, em 1986, lançou o Programa Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em Alta Tecnologia, que criou 54 parques de alta tecnologia no país. O primeiro surgiu em 1988, na zona industrial de Pequim, próximo às duas principais universidades chinesas, a Universidade de Pequim e a Universidade Tsinghua.


Prédio principal da Universidade de Tsinghua, na capital chinesa.
Além de figurar entre as 50 melhores do mundo no ranking da
Times Higher Education, tem parcerias com diversas instituições
estrangeiras, incluindo a Coope/UFRJ. Foto: Wilhelm Oliver

A capacitação em C&T e o salto na produção científica

Em termos de formação de pessoal, o governo chinês investiu fortemente para que pesquisadores chineses estudassem no exterior. De acordo com Lea Velho, do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre 1980 e 1988, cerca de 20 mil estudantes chineses de pós-graduação retornaram titulados dos Estados Unidos. Esse retorno impulsionou os programas chineses de pós-graduação, fazendo com que o número de doutores formados internamente na China saltasse de menos de mil, em 1991, para mais de 4 mil, em 1996. A pesquisadora da Unicamp observa, no entanto, que após os conflitos sociais e o massacre de estudantes na Praça da Paz Celestial, em 1989, a taxa de retorno de chineses que iam estudar no exterior caiu drasticamente. Dentre os estudantes que ingressaram no doutorado nos Estados Unidos, em 2002, apenas 8% haviam retornado à China em 2007. Para reverter esse quadro, o governo chinês lançou em 2008 o Programa dos Mil Talentos, com vantagens para atrair chineses titulados no exterior e pesquisadores estrangeiros, ampliadas pelo Plano Decenal de Desenvolvimento de Talentos, de 2010, que ofereceu laboratórios com tecnologia de ponta e generosos orçamentos para pesquisa e atraiu Wang e seus contemporâneos.

O fortalecimento da pós-graduação chinesa, que verificou um crescimento de 24% ao ano em suas titulações entre 2000 e 2005, tem reflexo evidente no aumento da participação da China na produção científica mundial. Segundo dados da National Science Foudation (NSF), dos Estados Unidos, essa participação era de apenas 0,3% em 1998. Uma década depois, o número de artigos publicados por pesquisadores chineses ultrapassou a casa de 112 mil, respondendo por 12,6% da produção mundial. Entre 2004 e 2008, a participação chinesa ficou acima dos 10% em seis áreas do conhecimento: ciência de materiais, química, física, matemática, engenharias e ciência da computação. Márcia Regina Gabardo da Câmara, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), aponta um relatório da Thomson Reuters de 2011 que destaca a liderança da China em ciência de materiais. Foram mais de 55 mil artigos publicados por chineses em um período de cinco anos, ante 38.189 dos Estados Unidos. Mas a pesquisadora da UEL pondera: “As publicações chinesas, embora sejam superiores em número, apresentam um índice de impacto inferior às publicações americanas”. O índice de impacto é calculado pela relação entre o total de citações e o número de artigos publicados, o que dá uma média de citações por artigo. Por esse critério de índice de impacto, a China passa para sexto lugar no ranking, com média de 2,61 citações por artigo, menos da metade da média de 5,83 dos Estados Unidos. Ainda assim, em números absolutos, as citações de artigos chineses no período ficaram acima de 140 mil, atrás apenas da União Europeia e dos Estados Unidos. Muitos são em coautoria com pesquisadores de outros países. “Os principais trabalhos envolvem grafenos, com destaque para os russos Andre Geim e Konstantin Novoselov, ganhadores do prêmio Nobel de física de 2010, que pesquisaram com chineses em seus laboratórios em 2004 e 2005”, ilustra.

A evolução do investimento em pesquisa e a participação da indústria

Esse destaque da produção científica chinesa aconteceu em paralelo com o aumento dos investimentos da China em pesquisa e desenvolvimento na última década. Em 2000, o gasto chinês com ciência e tecnologia, embora fosse mais do que o dobro do brasileiro, em termos absolutos, representava 0,9% do seu Produto Interno Bruto (PIB). Em 2008, o investimento em C&T já era de 1,54% do PIB na China, e em 2009, de 1,7%. A meta do governo chinês é superar a média de 2,1% dos países desenvolvidos e alcançar 2,5% do PIB em 2020. Essa meta está dentro do Programa Nacional de Médio e Longo Prazo para Desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia, lançado em 2006 e previsto para execução até 2020. Um de seus principais pontos é o incentivo à inovação nativa. “Na avaliação do governo chinês, não basta mais engenharia reversa ou cópia para sustentar o crescimento da economia em um patamar elevado. Assim, além de priorizar a inovação nativa original, um dos pontos centrais do plano é capacitar a China para dar saltos tecnológicos em áreas prioritárias”, avalia Freitas, da PUC-SP.

Os resultados dessa política aparecem tanto no aumento da participação dos itens de alta tecnologia na pauta de exportação da China quanto no aumento vertiginoso das patentes chinesas na década passada. “O registro de patentes na China e por chineses no exterior só começou a ser expressivo na década de 2000, porque apenas em 2001 o país aderiu à Organização Mundial de Comércio. Até então, a lei de propriedade intelectual era muito falha e não estimulava o registro de patentes”, explica Freitas. A China saltou de 119 patentes registradas no Escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos, em 2000, para 2.657, em 2010.

Cassiolado, da UFRJ, faz ressalvas ao uso de patente como indicador de inovação. “O número de registros às vezes pode ser enganoso. Dez patentes podem representar apenas um produto”, pondera. “A China usa o escritório de patentes de uma forma mais política. Os chineses usam o sistema alemão de patenteamento, que dá prioridade para o modelo de utilidade. Esse aumento das patentes da China corresponde a um período em que as empresas chinesas passam a ter um peso no mercado global e o patenteamento faz parte de uma estratégia de concorrência de mercado. São muito mais patentes de empresas grandes do que especialização chinesa em uma área específica de pesquisa”, completa. De fato, a instituição que aparece no topo da lista das que mais registraram patentes em 2011 é a empresa chinesa de telecomunicações ZTE (Zhongxing Telecom Equipment Corporation). E outra empresa chinesa do mesmo ramo, a Huawei Technologies, também aparece no ranking das dez instituições com mais registros de patentes no âmbito do Tratado de Cooperação de Patentes.


Unidade da Huawei Technologies em Xangai. A empresa nasceu dentro
da universidade. Foto: Tim Griffith

A ZTE, segunda maior empresa chinesa de telecomunicações, foi criada em 1985 e conta com oito centros de pesquisa e desenvolvimento na China e outros seis ao redor do mundo. Já a Huawei, fundada em 1988 na província chinesa de Guangdong, surgiu como spin off universitário. Com investimento estrangeiro, a empresa se internacionalizou e expandiu na década passada e, além de contar com centros de pesquisa e desenvolvimento em Pequim, Xangai e em outras cidades chinesas, mantém centros de P&D nos Estados Unidos, na Rússia e na Suécia. A Huawei já se tornou a segunda maior fabricante de equipamentos de telefonia móvel do mundo. Como a China já demonstrou a sua força no campo da alta tecnologia, superando Estados Unidos e Japão em 2010, com a fabricação do supercomputador mais veloz do mundo em termos de processamento, não será nenhuma surpresa se alcançar a liderança em outras searas.