10/12/2016
Luiz Marques*
“Quem é o “nós” dessa pergunta? Dos 4,77 bilhões
de adultos do planeta, 383 milhões possuem US$ 211,4 trilhões, ou 84,6%, da
riqueza mundial. Eles representam cerca de 8% da população adulta atual,
conforme mostra a pirâmide da riqueza global divulgada pelo Crédit Suisse em
2015:
Pirâmide da riqueza global evidencia má distribuição de renda (Foto: Crédit
Suisse/divulgação)
A resposta é sim, para essa minoria que se
beneficia de tudo o que o dinheiro pode comprar (segurança alimentar e
sanitária, educação, tecnologia, mobilidade etc), e pode, portanto, viver
melhor em 2015 que seus avós em 1900. A resposta é não, porém, se o “nós” da
pergunta se refere aos 4,38 bilhões de indivíduos adultos que devem disputar
apenas 15,5% da riqueza mundial.
Esses 92% da população adulta atual vive hoje
pior que há duas gerações. Pior em termos relativos, já que o conceito de bem-estar
evolui segundo o que é acessível aos 8% mais ricos, e esses 92% mais pobres
estão mais distantes que nunca desse conceito. E pior mesmo em termos
absolutos, já que a desigualdade não é apenas dos ativos, mas também das
rendas.
Thomas Piketty mostra que “desde os anos 1970, as
desigualdades aumentaram nos países ricos, e nomeadamente nos Estados Unidos,
onde a concentração de renda retornou nos anos 2000-2010 ao nível recorde dos
anos 1910-1920, ou mesmo o ultrapassou ligeiramente”.
Paul Krugman reitera que desde 1979 houve queda
de renda real (corrigida pela inflação) para os 20% mais pobres da população
dos EUA, “enquanto a renda do 1% mais bem pago do mercado quase quadruplicou e
a renda do 0,1% mais rico cresceu ainda mais”. O fenômeno é geral. Segundo a
Oxfam, sete entre dez pessoas vivem em países onde a desigualdade econômica
aumentou nos últimos 30 anos”.
*Sociólogo, é professor do Departamento de História do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. 1º lugar no Prêmio Jabuti 2016
categoria Ciências da Natureza, Meio Ambiente e Matemática, com o livro Capitalismo e colapso ambiental (Ed. Unicamp, 2015)
Claudio Edinger*
“Se vivemos hoje melhor do que viveram nossos
avós? Absolutamente! Temos infinitamente mais recursos para criar, produzir,
aproveitar o que criamos, como nunca na história. Amamos mais, temos muito mais
intimidade, mais informação, mais cultura do que eles jamais tiveram.
Não há qualquer tipo de comparação possível. Como
era possível viver sem Google, smartphones,
câmeras digitais, computadores? Ou sem o nosso conhecimento atual de ciência,
engenharia, direito, medicina, filosofia, música, poesia, arte? Não consigo
imaginar. Meu avô paterno nasceu no fim do século XIX e morreu com 67 anos, em
1963.
Viveu duas grandes guerras, fugiu da Alemanha,
onde largou tudo para trás. Minha avó paterna morreu antes dos 50 anos. Meu avô
materno morreu nos anos 1970, com pouco mais de setenta anos. Teve também que
largar tudo em seu país e começar vida nova no Brasil. Minha avó materna morreu
com 86 anos, em 1984.
É impossível comparar a vida dos meus avós, em
particular, com a minha hoje, estável. Sou da primeira geração de brasileiros
de minha família, que não viu guerras, nem fome, nem perseguição comunista e
nazista. Vivemos hoje infinitamente melhor em todos os sentidos”.
*Fotógrafo, natural do Rio de Janeiro. Autor de 17 livros, participou de
centenas de exposições ao redor do mundo. Fotografou para Time, Washington Post, Fortune, Forbes, Elle, The New York Times Magazine,
entre outras publicações de destaque. Atualmente, desenvolve trabalhos com a
técnica de foco seletivo em câmeras de grande formato. É um dos principais
nomes da fotografia contemporânea.
Estêvão Kopschitz Xavier Bastos*
“Sim. A renda per capita do brasileiro atual é de
cerca de US$ 10 mil, mais de 30 vezes superior à da década de 1960. A
mortalidade infantil era de cerca de 100 por cada mil nascimentos e hoje é de
14. A média de anos na escola, atualmente, no Brasil, é de cerca de oito anos;
em 1980 era de aproximadamente três. Esses são indicadores de que a renda, a
saúde e o nível educacional do brasileiro melhoraram muito desde o tempo dos
nossos avós. A facilidade de viajar pelo país é também muito maior, o que
permite mais opções na busca por oportunidades de estudo e trabalho. Assim, do
ponto de vista econômico, parece-me só haver vantagens hoje, em comparação com
o tempo de nossos avós”.
*Economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Autor do
Guia de análise da economia brasileira (Ed. Fundamento, 2015).
Jorge Miglioli*
“O mundo muda permanentemente. Inclusive a
própria natureza, em especial aquela mais próxima dos seres humanos: áreas
desmatadas, áreas urbanizadas, áreas depravadas, áreas renovadas, entre outras.
E os seres humanos também sofrem constantes alterações, não só mentais como
também físicas, estas resultantes dos tipos de alimentação, das atividades
exercidas e do modo de vida.
Mas é na área social que as mudanças são mais
evidentes, por que é nessa área que o mundo mais se altera, seja por
participação nos diferentes níveis de renda ou classes sociais.
Em determinados termos a vida da população
brasileira melhorou desde o tempo de nossos avós, as cidades se desenvolveram e
a oferta de bens e serviços aumentou consideravelmente. No entanto, as
contradições do capitalismo continuam a perpetuar-se e a desigualdade ao acesso
a esses bens pelas diferentes classes de renda mantém-se igual ou, em alguns
casos, até se acirrou.
Durante os últimos anos, a economia brasileira
passou por momentos de expansão, nos quais todas as classes sociais se
beneficiaram. No entanto, é no momento atual de instabilidade e crise que as
reais fissuras da sociedade se mostram evidentes e, dentre elas, o abismo
social torna-se cada dia mais e mais visível”.
*Formado em ciências sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), é mestre em planificação (1964) e doutor em economia (1968), ambos pela
SGH Warsaw School of Economics (Polônia). Atualmente é professor colaborador da
Unicamp.
Wagner Balera*
“Sob a perspectiva do direito, sem dúvida, vivemos
melhor do que viveram nossos avós. Não vamos esconder um fato: é enorme o mapa
da exclusão social em nosso país. Esse contingente, que se conta em milhões e
milhões de pessoas, é titular de direitos públicos subjetivos de seguridade
social. Portanto, têm direito aos chamados direitos
humanos, a alguma forma de apoio oficial, nos programas de saúde e de
assistência social. Também nesse item da assistência social vivemos melhor do
que nossos avós no trato com as pessoas com deficiência, igualmente contadas
aos milhares de milhares. No tempo de nossos avós essas pessoas eram mantidas
em casas ou em asilos. Hoje elas podem circular e são cada vez mais ampliados
os meios de acessibilidade para elas. Ganharam cidadania, por assim dizer.
Todo o arcabouço constitucional estruturado para
erradicar a pobreza e a marginalização e para reduzir as desigualdades sociais
foi posto em movimento. Está se mostrando insuficiente, é bem verdade. Mas a
questão aí é de opção política, não de direitos”.
*Professor titular de direitos humanos e livre-docente em direito previdenciário
na PUC-SP.
Danilo Terra, Pedro Tuma e
Fernanda Sakano*
“Do
ponto de vista da composição e articulação de espaços nos ambientes
construídos, é possível dizer que houve avanços significativos nas relações
sociais, se tomarmos como referência a geração de nossos avós. É recente a
predominância de pessoas vivendo em cidades, e o sentimento romântico da vida
no campo, na prática, não se confirma. As cidades, apesar de todos os
problemas, provêm segurança e oportunidades, e com elas relações sociais
diversas e potencialmente transformadoras.
Uma
residência “ideal”, por exemplo, contava com inúmeros ambientes segregadores,
como o quarto para os criados, a sala
para senhores e outra para damas; a cozinha era um ambiente fechado
e destinado aos trabalhadores domésticos.
É
um processo, claro. Ainda temos cidades segregadoras e edifícios com elevadores
de serviços, uma alusão aos criados,
e quartos de empregadas, mesmo que
nestes não caibam sequer um criado mudo. O entendimento sobre “viver bem”
relacionado ao amadurecimento das relações sociais é complexo, mas fundamental
em inúmeros momentos do cotidiano de nossas vidas”.
*Sócios do escritório Terra e Tuma Arquitetos Associados. Têm entre seus
trabalhos mais emblemáticos a Casa Maracanã e a Casa Vila Matilde, projeto que conquistou os prêmios Archdaily Building of the Year 2016 e a X Bienal Iberoamericana de Arquitectura y Urbanismo 2016
Gonçalo Amarante Guimarães
Pereira*
“Com
certeza vivemos melhor do que nossos avós à luz da biologia, se pensarmos
apenas no corpo. Biologicamente, não fomos feitos para viver tanto tempo; se
olharmos a média de idade ao longo dos últimos tempos, aumentou enormemente. E
o ser humano, a partir do momento que entra na velhice, começa também a
enfrentar alguns impasses.
Hoje
temos recursos muito melhores para lidar com esses problemas. Boa parte dos
avós morriam muito cedo – aos cinquenta anos já eram idosos e no fim da vida –
e tinham uma série de problemas de saúde que hoje são manejáveis: hipertensão,
câncer de próstata, câncer de mama e outras doenças naturais da idade. Hoje
você fica ativo até a hora que quiser ou o Alzheimer permitir.
Outro
aspecto que destaco é que hoje temos uma espécie de compromisso com o sucesso.
“O que o outro vai falar de mim se eu não tiver sucesso?” Isso gera grande
pressão e ansiedade na sociedade, admito. Então, pergunto: “de quais avós
estamos falando?” Vamos simplificar: um avô de sucesso do ponto de vista
intelectual, financeiro, social é muito mais feliz hoje; um avô sem sucesso
seria muito mais feliz no passado quando a pressão pelo sucesso era menor ou
inexistente.
Ademais,
hoje existe o “Deus Google” que é onipresente, onisciente – que obviamente não
é uma pessoa, mas uma plataforma. Eu posso usar o Google e encontrar qualquer
coisa que eu queira saber. Particularmente, quando eu for avô, seguramente vou
preferir viver nessa época ante qualquer outra (risos). Novamente, do ponto de
vista biológico, hoje se vive muito melhor do que no passado”.
*Professor titular do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador do
Laboratório de Genômica e Expressão da mesma universidade. É membro da Academia
de Ciências do Estado de São Paulo.
Anibal Vercesi*
“A
vida ficou muito fácil em alguns aspectos. Atualmente, temos conhecimento de
recursos de informática e é, por exemplo, muito mais fácil fazer pesquisas hoje
do que era no passado. Quando precisava consultar livros durante minha
graduação em medicina, eu me deslocava até a Bireme denominação original da
Biblioteca Regional de Medicina da USP, em São Paulo. Passava o dia lá e tinha
que andar dez quarteirões à noite para tomar o ônibus. Hoje não faria isso porque
teria medo.
Hoje,
temos a concentração nos grandes centros, a agressão à natureza. Me parece que
o homem está se metendo em uma arapuca muito complicada. Mesmo no momento em
que se sabe que os carros estão queimando petróleo e promovendo um aquecimento
global, nunca se produziu tantos carros.
“Não sei por quanto tempo
o planeta irá aguentar o que chamamos de progresso” (Foto: Erik Nardini)
É
muito difícil falar que agora é melhor ou pior. Há vários aspectos que temos
que considerar. Melhorou em vários aspectos, mas em outros está muito pior. Há
30 anos eu entrava numa sala e dava aulas tranquilamente, porque os alunos eram
meus amigos, eu os conhecia por nome. Agora, eu entro numa sala enorme sabendo
o nome de três ou quatro.
As
relações entre as pessoas mudaram demais. Eu gostava muito mais de como era
antes. Mas eu prefiro também sentar para trabalhar no meu computador, colocar
uma música maravilhosa e fazer uma pesquisa bibliográfica aqui do que ter que
ir até a rodoviária, tomar um Cometão clássico ônibus da Viação Cometa que faz
o percurso Campinas-São Paulo. A empresa ficou conhecida por seus veículos
estilizados com motivos astronômicos e ir até São Paulo.
Então,
temos avanços, mas o que me parece é que o ser humano, no sentido humano, está piorando. A qualidade das
pessoas está regredindo, e acredito que estamos vivendo mudanças que não são
adequadas para a natureza humana. Não considero que uma criança que levanta de
manhã, senta-se na frente do computador e fica ali o dia todo terá uma vida
saudável como eu que levantava de manhã e tinha um contato com a natureza,
andava pelos campos, montava em cavalos.
Avanço
da ciência, qualidade de vida de quem tem acesso aos bens que estão sendo
gerados, mas a desigualdade também é um desastre. Hoje, eu tenho muito mais
conforto do que tinha numa casa quando morava no campo. Todas as casas têm eletricidade,
por exemplo. Mas mesmo com todos esses avanços da ciência, da informática e da
tecnologia, eu não sei por quanto tempo o planeta irá aguentar o que costumamos
chamar de “progresso”.
* Médico, professor titular de bioquímica do Departamento de Patologia
Clínica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. É membro da coordenação de
biologia da Fapesp.
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