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O professor e a sala de aula virtual: as novas relações no ensino
Por Marcela Marrafon de Oliveira
10/09/2012

A educação a distância (EaD) já é uma realidade consolidada no mundo atual e trouxe transformações no processo de ensino-aprendizagem que ainda estão em debate. Uma delas diz respeito ao novo papel exigido do professor que trabalha com EaD, muitas vezes nomeado como tutor virtual. A antiga posição de um professor que se considerava o centro do saber e de alunos que recebiam o conteúdo passivamente não funciona mais. Com a facilidade de acesso à informação que a internet possibilita, talvez o maior desafio para o professor de EaD (e também para o do ensino presencial) seja auxiliar a pensar e selecionar o montante de informação disponível. “ Hoje, o professor interage com os alunos e ambos são emissores e receptores, estabelecendo uma relação de troca, de cooperação, de construção em comum”, afirma Liane Tarouco, no artigo “O professor e os alunos como protagonistas na educação aberta e a distância mediada por computador”.

Embora essa nova função do professor como mediador já tenha sido problematizada pelos pedagogos, antes mesmo da expansão da EaD, foi essa nova modalidade de ensino que a reforçou, segundo Denise Lima e Abreu, coordenadora da Universidade Aberta do Brasil na Universidade Federal de São Carlos (UAB-UFSCar) e professora dos cursos de formação em tutoria virtual e de professores em EaD. “Com o ensino a distância, torna-se necessária a constante interação entre professores junto aos estudantes, principalmente motivando-os a vencer os obstáculos naturais referentes ao processo de se aprender de forma assíncrona (ou seja, cada estudante em seu tempo)”, ressalta.

Uma das grandes novidades da EaD é o trabalho fragmentado e dependente de vários profissionais. Daniel Mill, professor adjunto da UFSCar e especialista em estudos de gestão estratégica em EaD, e Fernando Fidalgo, diretor do Centro de Apoio à EaD da Universidade Federal de Minas Gerais, nomeiam esse processo de polidocência. No artigo “Sobre tutoria virtual na educação a distância: caracterizando o teletrabalho docente”, os autores observam que o trabalho em EaD envolve docentes e não-docentes para dar conta da complexidade da aula nessa modalidade e da quantidade de alunos. “Na educação a distância, não há a opção de um único profissional realizar toda a ‘aula’ porque, via de regra, a quantidade de alunos ou a complexidade do processo de trabalho impossibilita a ‘unidocência’”, afirmam.

O professor que trabalha com EaD costuma ser identificado como tutor virtual, tutor eletrônico, tutor online ou animador. Ele é um dos profissionais que compõem a polidocência e é o responsável pelo contato online com os alunos, atuando como mediador e facilitador do processo de ensino-aprendizagem. Segundo Mill e Fidalgo, o tutor que atua nos encontros presenciais com os alunos é o tutor presencial, e o que os acompanha à distância, tendo seu trabalho mediado pelas tecnologias de informação e comunicação, é o tutor virtual. Este último não é propriamente um professor como o de cursos totalmente presenciais. Além dos tutores, a estrutura dos profissionais de um curso de EaD envolve os programadores, gestores, coordenadores do curso, professores autores do material didático e coordenadores de tutores. Segundo Lima e Abreu, o coordenador de tutoria, que realiza a intermediação entre professores-autores, gestores e tutores, é essencial no processo de gestão da EaD para garantia da qualidade no processo de ensino-aprendizagem.

Um exemplo do trabalho compartilhado a partir do conceito de polidocência acontece no Programa Rede São Paulo de Formação Docente - Redefor, iniciado em 2011 e já na sua segunda edição. O programa, que oferece especialização para professores da rede pública do estado de São Paulo, é resultado de uma política de formação continuada oferecida pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo em convênio com as universidades públicas paulistas: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista (Unesp). São 16 cursos de especialização com duração de um ano: 13 nas disciplinas do currículo escolar (como língua portuguesa, educação física, matemática, entre outras) e 3 voltados para gestão. Os cursos do Redefor são todos a distância, mas exigem alguns encontros e provas presenciais.

“Os trabalhos são compartilhados a partir do conceito de polidocência: a disciplina não é exclusiva do professor-autor, nem é simplesmente o cumprimento de tarefas por parte dos tutores. Na prática, o sistema aproxima-se dos modelos presenciais, quando a tarefa da coordenação é organizar a equipe, debater e estabelecer princípios e objetivos centrais do curso e assegurar que os participantes se envolvam no projeto”, explica José Alves Freitas Neto, professor da Unicamp e coordenador da disciplina de história do Redefor. “Portanto, a coordenadoria exerce uma tarefa de planejamento e acompanhamento das atividades; os professores-autores são formuladores de textos e dão o suporte teórico para o curso; enquanto os tutores, em suas salas e diante das peculiaridades de cada turma, atuam no esclarecimento, no aprofundamento e na complementação de informações oferecidas pelo material do curso”, acrescenta. Ele conclui, ainda, que a importância dessa divisão é que todos são partícipes de um processo em larga escala.

"O segredo de um curso a distância é a atuação do tutor"

A capacidade de interação, a clareza na explicação das tarefas, a animação dos debates da disciplina e até mesmo a assistência emocional aos educandos são qualidades descritas como relevantes para a atuação do tutor virtual, que é peça-chave para o bom funcionamento do curso a distância. “Sempre penso que o segredo de um curso é a atuação do tutor, pois ele é capaz de potencializar os conteúdos e propostas de atividades. O inverso também ocorre: ser capaz de minar um material que poderia gerar novos conhecimentos e grandes descobertas por parte dos cursistas”, afirma Freitas Neto. Além disso, o professor da Unicamp ressalta que o tutor não é apenas aquele que operacionaliza a máquina para disponibilizar os materiais do curso, mas alguém que deve desenvolver um ambiente de aprendizagem pautado na liberdade para que todos se sintam à vontade para compartilhar experiências. O curso atinge seu objetivo quando a troca de conhecimentos acontece entre cursistas e tutor, mas, sobretudo entre os próprios cursistas.

Para Lima e Abreu, de todas as habilidades exigidas de um tutor virtual, a mais relevante é saber trabalhar em equipe. “Ele deve ter facilidade em gerenciar grupos. Pensar no coletivo e estar sintonizado com as necessidades dos estudantes de forma a atualizar suas aulas a cada oferta. Com certeza, a maior diferença entre as duas modalidades (presencial e a distância), entre todas que poderíamos citar, é a de saber trabalhar em equipe”, afirmam.

Mudança no papel do aluno

Na relação professor-aluno em EaD, não é apenas o papel do professor/tutor que muda, mas também o do aluno/cursista. “Ele tem maior autonomia, logo necessita ter maior responsabilidade para organizar seu tempo, a execução de suas atividades e a desinibição no ambiente virtual. Curso a distância não é curso por correspondência: as trocas têm que ser efetivas e ocorrer a todo instante”, afirma Freitas Neto.

Dentre as dificuldades gerais dos cursistas de EaD estão a pouca experiência no mundo virtual e o excesso de postagens nas discussões promovidas nos fóruns, que podem resultar na perda do sentido do debate, aponta Adolfo Tanzi, especialista em produção e gestão de material didático para EaD e tutor online em língua portuguesa do programa Redefor. “Muitas vezes, os cursistas sofrem para se adequarem às exigências de um curso em EAD. Um exemplo seriam os fóruns de discussões: pela manhã, o cursista tem 10 postagens, e ao chegar do trabalho, no final do dia, tem mais 300. O aluno tem que participar de uma conversa que às vezes já está esgotada ou em que ele perdeu o fio condutor. Mas se ele não escreve, é entendido que não está participando. Sendo assim, muitas postagens se repetem como se estivéssemos em um quarto escuro onde o que eu falo e o que falam tem que ser repetido inúmeras vezes”, ilustra.

O plágio é outro problema recorrente, facilitado pelas tecnologias de informação e comunicação. No entanto, observa-se que ele não é exclusivo dessa modalidade de ensino a distância, pois, no passado, os alunos também tinham a prática de copiar textos de enciclopédias, por exemplo. Uma saída para essa dificuldade está em trabalhar com os alunos a importância da ética nos trabalhos acadêmicos. “O que acontece é que hoje, com a tecnologia e o acesso à informação, isso ficou mais evidente. Precisamos letrar nossos alunos para que usem as citações devidamente e que tenham uma postura correta com a sua própria aprendizagem”, observa Tanzi.

O curso a distância exige habilidade na escrita, pois é por meio dela que toda a comunicação ocorre, tanto nas dúvidas que o cursista envia ao tutor por e-mail e nos debates em fóruns com os colegas, quanto nos trabalhos das disciplinas. Por isso, nos casos de cursos de formação continuada para professores, cuja prática na sala de aula se baseia na oralidade para a transmissão do conhecimento, a escrita pode ser uma dificuldade. “Na sala de aula, eles praticam mais a oralidade do que a escrita. Corrigem mais do que escrevem e, quando o papel se inverte, têm grande dificuldade. E isso não se deve, como seria simples supor, a uma formação precária. Mas acho que, principalmente, a uma falta de treino, de prática. Quem fica anos sem escrever um texto mais longo, certamente enfrenta dificuldade para ordenar e expressar claramente suas ideias”, observa Freitas Neto.

As transformações produzidas pela EaD no processo de ensino-aprendizagem exigem ainda pesquisas na área para melhor compreensão dessas mudanças. “Temos muito que caminhar. Os cursos em EaD estão baseados em disciplinas, tempo-duração e avaliações exatamente como o que acontece no ensino presencial. Se quisermos dar o primeiro passo à frente, teremos que quebrar muitos tabus de como esses cursos estão estruturados hoje e entender que a aprendizagem nos meios digitais se dá de forma diferente. A simples transposição didática do meio presencial para o digital não é suficiente”, conclui Tanzi.