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Por trás dos holofotes
Matias Spektor discute em seu último livro como oposição e governo se uniram para conquistar o apoio de Bush no período de transição em 2002
Kátia Kishi
10/04/2015
O resultado das urnas após eleições presidenciais, em qualquer país que seja, pode gerar desconforto no governo, se a vitória for de um candidato da oposição ao atual ocupante da Presidência. Esse desconforto não se caracteriza apenas pelo clima de derrota que fica no ar, mas também pela perda de força política do ainda presidente em término de mandato, em contraposição a seu sucessor, que estará no auge de sua influência política, mas sem poder usá-la até o dia de sua posse. Essa fase é caracterizada como período de transição, como ocorreu nos meses que antecederam a passagem da faixa de presidente de Fernando Henrique Cardoso (FHC), do PSDB, para Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.

Naquele contexto, ainda em 2002, Matias Spektor, atualmente professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (FGV-RJ) e colunista do jornal Folha de S. Paulo, discutiu com um colega sobre a vitória do candidato considerado de centro-esquerda contra o candidato do então governo considerado por Spektor de centro-direita, enquanto cursava seu doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Em meio a suas reflexões, Spektor anotou em um caderno os seguintes questionamentos: “Qual o efeito dessa transição sobre a política externa?”; “De que maneira as relações internacionais afetarão esta transição presidencial?”. Dez anos depois, ele pôde escrever o livro 18 dias – Quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de Bush, lançado ano passado, em que narra, de forma inédita, a “política por trás da política externa” nesse período de transição, mesclando artigos e documentos públicos e privados com diversas personagens entrevistadas, desde diplomatas, congressistas, ministros, assessores presidenciais até os próprios ex-presidentes brasileiros e Condoleezza Rice, a conselheira de segurança nacional e ex-secretária de Estado do presidente americano George W. Bush.

As dúvidas que motivaram o trabalho não surgiram sem fundamento. Apesar do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) ter vencido as eleições em outubro de 2002 com o apoio de 53 milhões de eleitores, ficando atrás apenas de Ronald Reagan em números absolutos de votos na história das democracias ocidentais, Lula e sua equipe já sabiam que enfrentariam dificuldades de negociação no mercado financeiro internacional e precisariam se antever para terem governabilidade.

Entre as dificuldades, Spektor destacou em seu livro que o “risco-país” disparou de 800 para 2.400 pontos conforme Lula se aproximava da presidência. Ele também selecionou trechos de matérias de jornais com falas de investidores e políticos considerados da direita do Partido Republicano, incluindo o próprio presidente Bush, que “tinham ojeriza a Lula”. Henry Hyde, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos chegou a comentar que “há uma chance real de que Fidel Castro, Hugo Chaves e Lula da Silva possam construir um eixo do mal nas Américas” (p.12).

Se o contexto nas relações externas era claramente desfavorável ao PT, internamente, também não era nada positivo para FHC, que terminava o mandato com uma aceitação pública baixa diante das denúncias de corrupção de seu governo, da crise energética com o apagão de 2001 e da crise internacional de 1999 que atingiu o Brasil e desvalorizou o real. Para piorar a situação, Spektor explica que em Wall Street ninguém sabia se o novo governo assumiria os compromissos com os grandes bancos, a ponto de os agentes financeiros apostarem contra o real, o que poderia acabar com o maior legado tucano, a estabilidade da moeda brasileira. Visando preservar sua imagem na história do país, FHC optou por uma transição amigável que pudesse aproximar o PT do governo republicano de Bush e minimizar eventuais danos na economia brasileira, ao invés de jogar contra o adversário recém-eleito e acabar sendo ferido nesse embate.

O livro de Matias Spektor resgata esse pequeno fragmento histórico pouco conhecido da política brasileira em que dois dos principais partidos do país, um de governo e outro de oposição, por motivações diferentes, se uniram na busca por um mesmo ideal. Apesar da estrutura do texto propor uma discussão dividida em 18 capítulos, representando os dias de negociação entre 28 de outubro de 2002, dia que Bush ligou para parabenizar Lula pela vitória nas urnas, até o dia 10 de novembro, quando o presidente americano recebeu em Washington o ainda não empossado presidente brasileiro, o livro vai muito além desse recorte temporal.

Com texto que deixa a leitura fluída e, por vezes, chega a ser didático, Spektor discute temas que poderiam interferir na negociação entre os países, como direitos humanos, política nuclear, crises dos países vizinhos e outros que flutuam de modo não linear ao longo da narrativa. Sobre a transição em si, o autor impressiona ao revelar que a parceria das principais forças políticas brasileiras que se opunham na ocasião começou ainda no período de campanha eleitoral: “Fernando Henrique buscara aproximar-se de Lula a partir do início de 2002, quando as pesquisas começaram a apontar sua provável vitória. O presidente mandara seus ministros da área econômica conversarem com a equipe do PT e convidara José Dirceu para uma bateria de encontros privados. Dirceu entrava nos palácios presidenciais pelas portas dos fundos ou no meio da noite para não ser visto pela imprensa. Esses encontros eram ocasiões de conhecimento mútuo.” (p.52).

Outros pontos da narrativa também são surpreendentes, como por exemplo, a caracterização da própria figura de Dirceu como importante canal de comunicação com os americanos. A narrativa é costurada por diversas histórias importantes que explicam o melhor período das relações que o Brasil já teve com os Estados Unidos. Spektor não deixa de mencionar a necessidade de uma reanálise de como os países devem encontrar um novo caminho para se comunicarem, devido à relação fragilizada desde que Barack Obama assumiu a presidência americana e colocada em xeque por Dilma Rousseff após a revelação de uma possível espionagem dos Estados Unidos sobre seu governo.

Por sua rica pluralidade de vozes, o livro de Matias Spektor se mostra necessário não só para quem se interessa pelas relações internacionais, mas também para quem deseja entender mais como são as articulações que ocorrem nos bastidores da política, no caso, as que permitiram a fala do presidente republicano dos Estados Unidos para o petista: “Senhor presidente, nesta cidade há quem diga que uma pessoa como o senhor não pode fazer negócios com uma pessoa como eu. Hoje estamos reunidos para mostra-lhes que estão equivocados”.

18 Dias – Quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de Bush
Autor: Matias Spektor
Selo: Objetiva
Ano: 2014
298 p.