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Projeto no Cais pode prejudicar ventilação natural de Recife
Por Roberto Takata
28/05/2015

Os planos de edificação da área do Cais José Estelita, na região central de Recife (PE), podem prejudicar a ventilação natural da região, criando uma zona de desconforto térmico principalmente na faixa mais próxima ao solo. Essa é uma das conclusões do trabalho desenvolvido pela arquiteta Joana Pack Melo Sousa na dissertação de mestrado "Influência da forma urbana na ventilação natural: um estudo de caso no Cais José Estelita, Recife", defendido ano passado na Universidade Federal de Pernambuco, sob orientação do arquiteto Ruskin Marinho Freitas.

No estudo, Sousa utilizou a técnica de fluidodinâmica computacional com o uso de um aplicativo para simular os fluxos atmosféricos na presença de diferentes perfis de barreiras físicas. Esse procedimento é utilizado, por exemplo, pela indústria naval e aeroespacial para determinar o melhor desenho de navios e naves.

O consórcio Novo Recife pretende, com a construção de 12 torres, verticalizar o terreno que atualmente é ocupado por armazéns do antigo cais. A fim de avaliar o possível impacto desse projeto, a arquiteta utilizou seis configurações distintas do conjunto das edificações: uma similar ao projeto original do consórcio e variações com maior ou menor altura dos prédios, distância entre eles e presença de "porosidades" (afastamento entre os pavimentos), fatores que dificultam ou facilitam a passagem dos ventos vindo do mar.

Como se trata de uma cidade sob clima quente e úmido, a circulação de ar é vital para o conforto térmico. O ar úmido dificulta a transpiração, importante resposta fisiológica do organismo para resfriar o corpo. O vento aumenta a taxa de evaporação do suor, resfriando a pele. Além disso, contribui para a dispersão de partículas de poluentes em suspensão no ar.

De acordo com o estudo, o afastamento entre os prédios previsto no projeto imobiliário permite a passagem dos ventos, mas como não há afastamento no nível das garagens, a circulação próxima ao solo atrás das edificações é prejudicada. Como consequência, para os pedestres nas imediações, isso significa maior desconforto térmico. Além disso, o vento, canalizado para as laterais dos prédios, também deverá causar desconforto pela maior velocidade devido à concentração do fluxo do ar nas ruas transversais.

A configuração de edifícios mais baixos permitiu, nas simulações, uma melhor circulação de ar, mesmo com maior número de prédios em relação ao projeto original. "Generalizar que a verticalização é negativa para a cidade não é correto", ressalta Sousa, citando estudos que mostram que edificações altas podem melhorar a circulação ao nível do solo na zona em que o vento incide, ao desviar o fluxo das camadas de ar mais altas para baixo. "Mas a verticalização não tem sido positiva para Recife, devido à forma como tem sido feita, ou seja, não são efetuados estudos que analisem os impactos ambientais e sociais do adensamento permitido pelo plano diretor, nem das regras estabelecidas por esse plano", complementa.

Entre as recomendações urbanísticas sugeridas pelo estudo estão a exigência que projetos de grande impacto demonstrem as alterações que possam ocorrer no padrão de ventilação do entorno; substituição de muros por elementos vazados como grades e cercas vivas; aumento do recuo obrigatório nos pavimentos de garagem, evitando a constituição de um bloco contínuo de edificações no nível dos pedestres e estímulo ao uso de pavimentos vazados.

Histórico

A região do Cais José Estelita abriga, em uma área de mais de 100 mil metros quadrados, um pátio ferroviário e vários armazéns de açúcar. Fica entre o bairro de classe média alta de Boa Viagem e o Recife Antigo, o centro histórico da capital. As instalações encontravam-se abandonadas pelo poder público quando foi a leilão em 2008. A compra, realizada por pouco mais de R$ 55 milhões por um grupo imobiliário formado por consórcio de várias construtoras, entre elas a Moura Dubeux e a Queiroz Galvão, despertou polêmicas desde o início, já que o terreno era garantia de dívidas trabalhistas com os funcionários da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), como noticiou à época o Diário de Pernambuco.

Em abril de 2012, quando se preparava a demolição das edificações – antes mesmo da aprovação do projeto, que previa a construção de sete torres residenciais, duas comerciais, dois flats e um hotel – pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Prefeitura do Recife, um movimento de ocupação contra a derrubada dos armazéns se formou, ficando conhecido como OcupeEstelita. As críticas centram-se em relação aos possíveis impactos do projeto em termos de mobilidade urbana e ambiental, além dos usos alternativos que se poderiam fazer do terreno, como parques e construções populares, e da falta de transparência por parte do consórcio e das autoridades nas decisões sobre o projeto.

A reportagem tentou entrar em contato com o Consórcio Novo Recife, mas não obteve resposta.