O acidente vascular cerebral (AVC), popularmente conhecido como “derrame”, constitui hoje um dos principais problemas de saúde pública no mundo e particularmente no Brasil. Segundos dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2004, o AVC ocupava a terceira colocação dentre as principais causas de morte. Atualmente, é a segunda causa de morte no mundo e a primeira no Brasil, na frente de doenças como infarto do coração e câncer.
Outro fator importante é o impacto social dessa condição. Grande parcela dos pacientes pós-AVC evoluem com depressão. Muitas dessas pessoas eram, até então, pessoas ativas economicamente, com trabalho estabelecido e, de repente, ficam incapacitados para realizarem as atividades, que até então exerciam. É a doença neurológica incapacitante mais comum no mundo todo.
A mortalidade também é alta. No primeiro mês, pode chegar a 78% dependendo do tipo e da localização do AVC.
Os AVCs podem ser classificados como: isquêmico (AVCi), no qual existe um déficit do fluxo sanguíneo para uma determinada área cerebral, secundário à obstrução do vaso; ou como hemorrágico (AVCh), em que o déficit é secundário à ruptura de um vaso.
Sendo assim, acidentes vasculares cerebrais (AVCs) constituem uma emergência médica e, por isso, devem ser tratados como tal. Há a necessidade dos pacientes serem conduzidos a centros especializados, onde exista uma equipe médica multidisciplinar (neurologia clínica, neurocirurgia, enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia) treinada para o tratamento de AVC.
Assim, os pacientes devem ser transportados preferencialmente aos centros de hierarquização dos serviços de saúde. Enfatiza-se ainda a importância do rápido reconhecimento dos sintomas pela população, da agilidade e organização no atendimento pré-hospitalar e da sua adequada comunicação com as unidades de emergência para a preparação do recebimento dos pacientes.
Todos esses fatores são fundamentais para um dos principais obstáculos no tratamento do AVC: o tempo. Sabe-se que a perda de tempo para a abordagem desses pacientes resulta em uma pior evolução.
Tratamento na fase aguda
Todo paciente com suspeita de AVC deve ser encaminhado para sala de urgência ou emergência. Deve ser monitorado quanto à pressão arterial sistêmica, nível de glicose no sangue e temperatura. Exames de sangue são coletados e o paciente deverá ser encaminhado para realizar exame de tomografia de crânio. Esse exame mostra ao médico se o AVC foi do tipo isquêmico ou hemorrágico e, a partir daí, consegue-se estabelecer a conduta mais adequada dependendo do tipo.
O acidente vascular isquêmico (AVCi) corresponde a 80% de todos casos de AVCs. A oclusão do vaso leva à perda da suplementação de oxigênio e glicose e mudanças no metabolismo celular resultando no colapso de produção de energia e morte da celular.
A terapêutica no AVCi visa, fundamentalmente, conter essa cascata que leva, em última análise, à morte celular. É sabido que na fase aguda do AVCi, existe uma área central de isquemia, onde o tecido cerebral já morreu e, ao redor dessa, uma área funcionalmente prejudicada, mas estruturalmente intacta, que mantém características condizentes com disfunção, mas não morte celular, chamada área de penumbra.
Sabe-se que se a oclusão do vaso acometido não se desfizer, essa área de penumbra evoluirá para morte e, assim, aumentará o tamanho do acidente AVC, e pior será a evolução desse paciente.
Atualmente, após um estudo denominado Ninds, pacientes com AVCi – que preenchem o protocolo de inclusão e cheguem ao hospital até seis horas do início dos sintomas – podem receber uma medicação (rt-PA), que tem a capacidade de desfazer o trombo que está ocluindo o vaso. É a chamada terapia trombolítica ou trombólise. O intuito do uso do remédio é salvar a área de penumbra, que evoluirá para morte, se o vaso não for reaberto. No estudo Ninds, os pacientes tratados tiveram prognóstico neurológico e funcional favorável após três meses (entre 31 a 50%), enquanto que, entre os não tratados, esse prognóstico foi de 20 a 30% e, quanto mais cedo foi o tratamento, melhor foi o resultado.
Assim, é de suma importância, como já foi citado, o tempo. Para a equipe médica, “tempo é cérebro”, visto que quanto mais cedo o paciente chegar após o início dos sintomas, mais tecido cerebral poderá ser salvo.
As figuras a seguir conseguem exemplificar esse processo. É a imagem do mesmo paciente evidenciando tecido morto (área brilhante na figura 1) e o tecido que está em risco, a área de penumbra, a qual poderá ser salva (toda área vermelha na figura 2).
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Imagem de ressonância magnética do cérebro mostrando uma região brilhante que significa infarto cerebral |
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Imagem de ressonância magnética do mesmo paciente da figura 1, neste caso colorida, devido à manipulação matemática para mostrar a perfusão cerebral usando uma escala de cor. Quanto mais vermelha, menor é a perfusão, que significa uma redução do fluxo de sangue. Nota-se que, se subtrairmos a parte vermelha da área brilhante, teremos uma área em que as células ainda estão vivas, porém, em estado crítico, que corresponde a área de penumbra passível de ser salva. |
Ainda na fase aguda, os pacientes devem ser monitorados quanto à pressão arterial sistêmica, temperatura e nível de glicose no sangue, independentemente se receberam tratamento trombolítico ou não. O manejo da pressão adequado, mantendo a pressão ideal para perfusão do cérebro, é essencial para que os pacientes consigam evoluir com melhor prognóstico.
A temperatura corporal também é outro parâmetro importante. Os pacientes com temperatura acima de 37,5 graus centígrados não evoluem tão bem como aqueles com temperatura abaixo disso.
Por último, a glicose sanguínea. Sabe-se que pacientes após AVC, que mantêm nível de glicose entre 80 a 140 mg/dL por 48 horas, tendem também a ter um prognóstico favorável.
Os procedimentos neurocirúrgicos nos pacientes com AVC isquêmico, em geral, estão relacionados às transformações hemorrágicas secundárias e à AVC extenso. Cerca de 1 a 10% dos pacientes com AVC isquêmicos apresentam edema com efeito de massa, entre o segundo e o quinto dia. Porém, alguns pacientes podem deteriorar já nas primeiras 24 horas e têm mortalidade de até 80% e sem tratamento clínico efetivo.
Pacientes com AVC extensos, submetidos à craniectomia descompressiva (retirada de parte da calota craniana) nas primeiras 48 horas após o início dos sintomas, apresentam melhor prognóstico em relação aos pacientes com tratamento clínico. Assim sendo, tal procedimento é realizado nesses casos.
Já o AVCh corresponde a 15 a 20% dos acidentes vasculares cerebrais, sendo responsável pela maioria das mortes atribuídas ao AVC. Os pacientes com AVCh devem ser avaliados, calculado o volume de sangue, definida a localização e o estado clínico, pois são fatores que interferem inicialmente com relação ao prognóstico. Esses pacientes devem ser monitorados também quanto à pressão arterial, nível de consciência, saturação de oxigênio, temperatura.
Diferentemente do paciente que tem oclusão do vaso, e necessita de, se possível, desobstruir o vaso, no AVCh o que se tem é o rompimento do vaso sanguíneo e extravasamento de sangue. Nesse caso, o desafio consiste no controle adequado da pressão arterial, além dos outros parâmetros, para que não ocorra aumento do volume de sangue. Dessa maneira, consegue-se evitar o aumento na pressão intracraniana e a piora do nível de consciência, diminuindo assim a mortalidade.
Além disso, o AVCh pode ser secundário à pressão arterial alta, ao envelhecimento, ao trauma crânio encefálico, ao aneurisma (dilatação da parede da artéria) e a má-formação arteriovenosa (MAV). Os pacientes que evoluírem com aumento da pressão intracraniana, com rebaixamento do nível de consciência, em que o AVCh foi secundário a um aneurisma, podem se beneficiar de tratamento cirúrgico na fase aguda.
Todos os pacientes com AVC devem, após o atendimento na fase aguda e tomadas as devidas condutas, serem encaminhados para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), para que tais parâmetros continuem sendo monitorados e a investigação prossiga.
Outros procedimentos, como cabeceira a trinta graus, passagem de sonda nasoenteral para evitar aspiração, uso de meias compressivas ou uso de medicamentos para prevenir trombose venosa nas pernas devem ser realizados ainda nessa fase, quando indicado e possível.
Wagner Mauad Avelar é médico neurologista, pós-graduando do Departamento de Neurologia Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e neurologista do Programa de Neurovascular do Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp. E-mail: wagner.avelar@gmail.com
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