10/10/2014
Elucidar casos policiais por meio de DNA não é mais novidade, mas é com curiosidade que os leitores de A história da humanidade contada pelos vírus, bactérias, parasitas e outros microrganismos acompanham a saga do nascimento e da evolução de infecções e epidemias que assolam a humanidade – passos possíveis justamente devido ao estudo genético de vírus, bactérias e parasitas.
Escrito pelo médico infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Stefan Cunha Ujvari, que também é professor da Unifesp, o livro traz um panorama original do surgimento e evolução de doenças contagiosas cujos microrganismos estiveram presentes em nossos ancestrais. “Os primeiros hominídeos africanos surgiram com fósseis infecciosos em sua bagagem genética. A epopeia de nossos ancestrais, bem como a nossa própria, seria marcada por novos agentes infecciosos adquiridos ainda no solo africano e durante nosso dispersar pelo planeta. No entanto, a ciência mostra que também nascemos com alguns microrganismos herdados de nossos ancestrais. Microrganismos que evoluíram conjuntamente com os hominídeos desde a separação dos chimpanzés”, escreve o autor nas páginas iniciais do livro.
Ujvari inicia a saga narrando o nascimento da Aids. Por meio de explicação didática acerca do funcionamento biológico das células, passando pela descoberta do retrovírus incorporado ao nosso DNA e seguindo em direção aos relatos científicos da descoberta da doença em meados dos anos de 1980 – quatro anos depois de ter sido registrada a primeira epidemia de ebola na África –, o livro parte da descrição da Aids para ressaltar os avanços da ciência em estudar o material genético dos microrganismos, o que possibilitou remontar, com rigor, a história do nascimento das infecções humanas.
No primeiro capítulo, intitulado “África: estação de origem”, o ponto de vista dessa história é deslocada para os chimpanzés da costa oeste africana, que viram os primeiros homens brancos chegarem ao continente 1470. Os macacos foram testemunhas tanto da chegada de negros acorrentados como da embarcação superlotada que ia para outros continentes. Tempos depois, com o fim do tráfico negreiro, os chimpanzés se depararam com invasões humanas para a retirada de látex e outras fontes de suas florestas. Mas foi com a guerra civil e com a disputa por territórios que esses animais, de testemunha, transformaram-se em vítimas de caçadores famintos por sua carne, vendida em mercados dos vilarejos próximos na tentativa de aplacar a fome. O que ninguém sabia é que os chimpanzés – de Camarões e do Gabão – portavam um vírus, encontrado, de acordo com o autor, em mais de 30 espécies de primatas. Com os estudos genéticos, esse vírus foi identificado com o HIV.
O vírus entrou no organismo humano por meio de ferimentos provocados pelas guerras civis da década de 1930 e alcançou as secreções genitais, passando a ser transmitidos por relações sexuais. Mutações no interior do organismo humano tornaram o vírus diferente do encontrado nos chimpanzés: passou a ser restrito aos humanos. A degradação social, que traz fome, violência e prostituição, foi a responsável por disseminar o vírus da Aids, num primeiro momento, entre a população africana e, mais tarde, viajando para outros continentes.
Rotas migratórias
Em cerca de 200 páginas, A história da humanidade contada pelos vírus mescla a história de nossas migrações, das conquistas e guerras provocadas pelo homem e, antes disso, da nossa própria evolução, com a explicação das origens, do funcionamento e das adaptações de germes que causam doenças como tuberculose, sífilis, raiva, gripe, hepatite, sarampo, malária, hepatite, ebola, entre outras enfermidades. O estudo do DNA dos microrganismos se coloca ao lado de outros conhecimentos, como a arqueologia, para ajudar a elucidar episódios históricos ainda controversos. “Os agentes infecciosos não contam apenas a trajetória seguida pelo homem: relatam os fatos ocorridos durante essa grande epopeia”, escreve.
A pergunta, por exemplo, relacionada à evolução do homem, se houve ou não encontro entre o Homus erectus e o Homus sapiens, ganhou novos apontamentos por meio do DNA de piolhos. Achava-se que o Homos erectus não mais existia à época da saída do Homus sapiens da África, mas, de acordo com Ujvari, “o estudo genético dos piolhos humanos aponta para um provável encontro entre esses hominídeos”. E mais: com o estudo da bifurcação evolucionária de dois tipos de piolhos – os que vivem em nossas cabeças e os que estão presentes no corpo humano –, descobriu-se a data estimada em que os homens passaram a usar roupas. “Somente quando nos vestimos proporcionamos mutações para o surgimento dos piolhos de nossos corpos. Estudaram-se as diferenças do DNA desses piolhos e calculou-se a data provável de separação de ambos. Teria ocorrido entre 42 e 72 mil anos atrás”.
O livro tem a vantagem de ter sido escrito em linguagem acessível para ser entendido por não-especialistas – importante medida de divulgação científica no campo das epidemias mundiais. Mas é importante ressaltar que se trata de um livro denso, contendo a história e o funcionamento de diversas moléstias provocadas por vírus e bactérias, descritos em seis capítulos.
No último deles, depois de discorrer sobre as migrações humanas, sobre a chegada dos europeus à América, o nascimento da agricultura e a domesticação de animais, o autor conta os avanços da medicina e da ciência na cura e prevenção de várias doenças. A última, que Ujvari deixa em aberto, é o ebola. Segundo ele, apesar de o vírus da doença já ter tido a sua história traçada, ainda é preciso mais estudos para desvendar outras lacunas. “Nosso serviço de espionagem necessita continuar trabalhando a todo vapor, pois ainda não esclarecemos os passos do microrganismo que se encontra nas matas a nos espreitar até a próxima epidemia”. A depender das notícias veiculadas nos meios de comunicação, a história do ebola já ganhou outros elementos na história mundial.
A história da humanidade contada pelos vírus, bactérias, parasitas e outros microrganismos
Autor: Stefan Cunha Ujvari
Editora Contexto
Ano: 2008
202 p.
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