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Entrevistado por Por Patrícia Mariuzzo e Flávia Natércia
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Entrevistas
Langdon Winner
Idealizador da teoria da política tecnológica reflete sobre as formas pelas quais as finalidades humanas são poderosamente transformadas na medida em que se adaptam aos meios técnicos
Por Patrícia Mariuzzo e Flávia Natércia
09/07/2007

Professor do Departamento de Estudos sobre Ciência e Tecnologia do Instituto Politécnico Rensselaer, em Nova York, Langdon Winner é autor de Autonomous Technology – the myth of technology out of control (1977) sem tradução no Brasil, entre outras obras. Para ele, estudar as tecnologias é mais do que revelar suas origens e seu contexto social. Winner sugere que se preste atenção às características dos objetos e nos significados destas. Nesta entrevista, concedida por e-mail para a revista ComCiência, ele retoma questões levantadas em seu livro de 1977, fala sobre internet e aquecimento global, e aponta caminhos para questionar os padrões que usamos para lidar com a tecnologia hoje. Segundo ele, há espaço para questionar as escolhas individuais e as escolhas de nossa sociedade sobre tecnologia. “De fato existe um grande número de pessoas envolvidas nisso. Elas estão questionando padrões de alimentação, de consumo de energia, transporte, a economia voltada para a guerra e outros temas importantes onde a tecnologia ameaça o presente e o futuro da humanidade no planeta. Uma atitude que qualquer um pode ter para restaurar o senso de livre-arbítrio é questionar a linguagem usada para descrever uma situação ou alguém. O termo inevitável, por exemplo, exige uma crítica cuidadosa. Eu tendo a acreditar que quando as pessoas dizem que algo é inevitável o que elas freqüentemente querem dizer é: sua participação nisso não será necessária, obrigada”, diz ele.


ComCiência - O que significa determinismo tecnológico?
Langdon Winner
- A idéia de determinismo tecnológico pode ter diferentes significados. Basicamente, o termo se refere à crença de que a tecnologia é a força motriz para mudança na história mundial, especialmente na história moderna. Ao contrário da academia, onde esta idéia é cada vez mais questionada, na sociedade contemporânea o determinismo ainda está muito vivo. As pessoas abraçam a idéia de que os computadores, a internet, os telefones celulares e as novas tecnologias em geral são a fonte de todas as mudanças na sociedade e na política. O problema aqui não é acreditar numa teoria inadequada para as mudanças sociais, mas que este determinismo tecnológico diário as deixem menos inclinadas a procurar um papel a desempenhar nessas mudanças. O problema é desistir de tentar influenciar, de alguma maneira, essas mudanças.

ComCiência - O que faz a tecnologia parecer autônoma? Existem elementos nas mudanças tecnológicas que não dependem do livre-arbítrio? É possível que nossa capacidade de escolha seja prejudicada pelas novas tecnologias?
Winner
- Existem várias respostas possíveis. A profunda ironia presente em boa parte da moderna ficção científica, assim como no trabalho de alguns filósofos da metade do século XX, é que o mesmo – e alardeado – poder da tecnologia pode, também, contradizer a própria finalidade humana e, talvez, destruir a humanidade. Assim, a genialidade e o dinamismo da tecnologia moderna, chamados formalmente de “progresso”, pairam ameaçadores sobre a sociedade. Por isso entidades sem vida – ou equipamentos técnicos – parecem ganhar vida. Isso está geralmente articulado com inquietações ligadas a profundas transgressões no processo histórico da humanidade, para tirar vantagem dos poderes da natureza. Representações da tecnologia fora de controle são um meio de confrontar estas transgressões, o desenvolvimento de armas nucleares, por exemplo. Nesse sentido, livre-arbítrio não é algo dado, mas sim um projeto. Um norte-americano que come no McDonald´s, compra no Wal-Mart, prefere carros esportivos que consomem mais gasolina e tolera a eterna construção de um complexo militar-industrial tem espaço pequeno para fazer escolhas. Ele simplesmente segue práticas de cultura tecnológica divulgada para sua obediência. Mesmo assim, há lugar para questionar as escolhas individuais e escolhas de nossa sociedade sobre tecnologia. De fato existe um grande número de pessoas envolvidas nisso. Elas estão questionando padrões de alimentação, de consumo de energia, transporte, a economia voltada para a guerra e outros temas importantes nos quais a tecnologia ameaça o presente e o futuro da humanidade no planeta. Uma atitude que qualquer um pode ter para restaurar o senso de livre-arbítrio é questionar a linguagem usada para descrever uma situação ou alguém. O termo inevitável, por exemplo, exige uma crítica cuidadosa. Eu tendo a acreditar que quando as pessoas dizem que algo é inevitável, o que elas freqüentemente querem dizer é: sua participação nisso não será necessária, obrigada.

ComCiência - Segundo o filósofo Paolo Rossi (Naufragio senza spettatore, 1995), há uma diferença entre a aposta no avanço do conhecimento, deflagrada com a Revolução Científica, e o “mito do progresso”, forjado pelos iluministas e positivistas. A primeira representaria uma esperança “razoável” depositada numa viagem arriscada e imprevisível por um oceano desconhecido. Trata-se de viver mirando o futuro, concebendo a história como inovação e tradição. O segundo seria alimentado por uma fé que apela a uma filosofia da história na qual a humanidade caminha necessariamente tanto para um aumento do saber-poder quanto para um maior desenvolvimento moral. Para Rossi, é o mesmo que a crença em um paraíso na terra. Que relação têm o mito do progresso e o mito da tecnologia “autônoma” ou “fora-de-controle”?
Winner
- Esta é uma questão difícil porque eu não sei qual foi a motivação do trabalho de Rossi. Minha percepção é de que a convicção, reconhecida por Descartes e Bacon e desenvolvida por Condorcet, de que o conhecimento científico e a tecnologia iriam melhorar as condições de vida na Terra quase desapareceu. O conceito de progresso não está necessariamente ligado à mudança tecnológica. Hoje, a consciência de que os benefícios dos avanços tecnológicos são desiguais e de que algumas sociedades têm mais hesitado do que “progredido” traz uma grande perplexidade. Os termos que substituíram progresso são inovação e sustentabilidade, nenhum dos quais expressa a antiga idéia de movimento para a prosperidade universal. Meus estudantes e colegas na universidade se deixam seduzir pelas maravilhas da inovação. Isto significa acreditar que melhorias em processos e produtos podem ser atingidos, então, “get busy”. Nós celebramos inovações como o iPhone porque elas nos possibilitam esquecer o fato de que centenas de milhões de pessoas não têm água potável para beber.

ComCiência - Artefatos tecnológicos costumam ser naturalizados no discurso de diversos atores sociais – pesquisadores, divulgadores da ciência, jornalistas. Invenções técnicas são tratadas como descobertas. Quais os efeitos políticos dessas operações?
Winner
- Antes de explicar o complexo processo social pelo qual a tecnologia chega em nossa vida diária, muitas pessoas preferem contar o que chamo de histórias para crianças – histórias sobre heróis-inventores, sobre milagrosos avanços científicos, sobre os grandes presentes que saem dos laboratórios para fazer nossa vida melhor. Eu pergunto aos jornalistas e divulgadores científicos por que eles insistem em contar isso quando há tantas boas histórias para serem tiradas das ciências sociais e da filosofia, que dariam ao público informações confiáveis sobre o reino da tecnologia. Repórteres honestos dizem que eles estão presos a velhas e familiares formas de narrativa porque estas são as únicas que os leitores e seus editores podem entender. Jornalismo científico e tecnológico raramente conta os bastidores, repletos de coisas interessantes, mas também com conflitos e negociações que existem por trás de inovações, de novas tecnologias.

ComCiência - Uma pesquisa conduzida pela Pew Internet e American Life e pela Universidade Elon entrevistou vários líderes na internet. Os resultados detectaram que 42% dos entrevistados estavam pessimistas sobre a capacidade humana de controlar a tecnologia no futuro. Esta significante porcentagem concordou que o perigo e a dependência da net iria aumentar mais do que nossa habilidade de controlar esta tecnologia. Qual a sua opinião sobre isso?
Winner
- Se o estudo deste grupo estiver correto nossos líderes da internet (sejam eles quem forem) não estão exercendo muita liderança. Eu estou inclinado a perguntar qual seria o interesse deles em propagar esta visão do futuro. Um passo mais positivo seria informar à população quais as oportunidades podem emergir da internet e como elas podem ser inteligentes e democraticamente confrontadas. Infelizmente, muitas celebridades em universidades e no mundo dos negócios querem que o público acredite que a tecnologia simplesmente varre o mundo com sua influência, muda tudo, mas não dá oportunidade para reflexão ou ação. Esta postura deixa o poder dessas pessoas intacto e dá um recado para o público do tipo: podem voltar a dormir.

ComCiência - Na história das invenções é comum dizer que uma inovação é a salvação da sociedade livre e democrática: televisão, rádio, eletricidade, carros e até a energia nuclear já foram alvo desse tipo de afirmação. A World Wide Web pode parecer fora de controle por várias razões: qualquer um com um computador pode editar blogs ou postar conteúdo na internet. Ela está realmente estruturada em padrões democráticos? Trata-se de uma forma neutra de tecnologia?
Winner
- A esperança de que novas tecnologias trarão liberdade e democracia tem sido um tema comum nos últimos séculos. Às vezes essas idéias são razoáveis ou até louváveis. O que elas têm em comum é uma crença de que a inovação traz uma grande benção e que não envolve imaginação, esforço ou conflito. O que freqüentemente ocorre, entretanto, é que a forma institucionalizada da tecnologia – na indústria, nos meios de comunicação etc – incorpora poder econômico e político. Na metade do século XIX, a chegada da ferrovia foi celebrada como um grande acontecimento nos Estados Unidos. No fim do mesmo século, todavia, muitos fazendeiros viam as companhias ferroviárias como uma ameaça ao seu status econômico. É interessante que os entusiastas da internet hoje não mencionam a televisão como uma esperança similar à net. Não muito tempo atrás a mesma retórica utópica que elogia o cyberespaço era comum em discussões sobre a TV. Hoje ela é vista como uma monstruosidade política, um meio através do qual o grande capital controla o processo político e neutraliza a democracia. O mesmo será verdade sobre a presença política da internet? Ainda é muito cedo para dizer. Existem muitas pessoas trabalhando criativamente para democratizar a internet. Ao mesmo tempo, temos que reconhecer que há forças poderosas que gostariam de estrangular a democracia na rede e substituí-la por alguma coisa mais controlável: filmes, esporte, entretenimento e propaganda on-line.

ComCiência - Em seu livro Autonomous Technology – the myth of technology out of control o senhor diz que a corrida tecnológica surtiu um efeito de aceleração nas culturas ocidentais. Isso, por sua vez, fez surgir sociedades desequilibradas. O senhor poderia explicar melhor esta idéia?
Winner
- Estive recentemente em Madrid, e assisti uma grande parada gay que reuniu centenas de pessoas de todas as idades e culturas. No mesmo dia eu conversei com um padre católico que descreveu tentativas da igreja de prevenir até mesmo pequenas mudanças sociais. O contraste era impressionante. Obviamente esses abismos culturais estão fortemente conectados com o ritmo das mudanças tecnológicas no trabalho, nos meios de comunicação, na medicina etc. O principal desequilíbrio que eu vejo tem base no fracasso da humanidade em fazer uma transição gradual para novos modos de vida. Rigidez fundamentalista e resistência a novas identidades e novas formas de relacionamento são os grandes problemas do homem no presente.

ComCiência - No seu site o senhor afirma que é a favor das tecnologias que refletem práticas de democracia, justiça, sustentabilidade ecológica e que contribuem para a dignidade humana. O senhor acredita que podemos usar o desenvolvimento tecnológico de uma forma benéfica?
Winner
-Definitivamente sim. Boa parte da tecnologia hoje favorece a guerra, a injustiça social e a exploração descuidada do meio ambiente. É importante lembrar que é possível criar culturas tecnológicas alternativas. Durante os anos 70 havia uma discussão aberta sobre esta possibilidade. A chegada do movimento ambiental e a crise energética inspiraram tentativas de buscar tecnologias sustentáveis e fontes de energia renováveis. Muitas pessoas também se engajaram politicamente por mais justiça e participação democrática. Esses desafios foram apressadamente abandonados por causa de afirmações do presidente Ronald Reagan (presidente dos Estados Unidos entre 1981 e 1989) de que havia abundância de energia. Um compromisso com o desperdício e com o crescimento econômico ambientalmente descuidado foi reafirmado com um grande sinal de alívio por parte da comunidade empresarial. Assim, uma oportunidade de pesquisa e investimento em alternativas verdes foi perdida.

ComCiência - Em relação ao aquecimento global, o senhor acredita que a tecnologia pode ajudar o homem a diminuir sua pegada tecnológica no planeta?
Winner
- Sim, de fato esta é a maior prioridade para o homem hoje. James Hansen, especialista da Nasa em mudanças climáticas, argumenta que existe atualmente pouco tempo, uma década ou menos, para o homem completar a transição para uma economia que cortaria drasticamente as emissões dos gases do efeito estufa. Diante dessa emergência, muitos projetos econômicos, programas políticos e educacionais parecem pura loucura.