Entre a espécie humana, as condições de dependência que o bebê apresenta exigem a presença direta de um adulto que forneça os cuidados necessários para satisfazer as necessidades básicas e garantir sua sobrevivência. Nesse sentido, o cuidado torna-se importante, principalmente durante os primeiros anos de vida da criança. Tanto mães quanto pais poderão desenvolver comportamentos de cuidado com os filhos, e a forma como cada progenitor vai desempenhar suas funções e responsabilidades com as crianças e também com o lar vai depender de fatores biológicos e culturais em constante interação.
Embora, hoje em dia, a criança possa ser cuidada e assistida por diferentes tipos de adultos (pais biológicos, adotivos, parentes, conhecidos, babás, professores e professoras etc), neste artigo, daremos ênfase aos cuidadores biológicos, uma das dimensões da existência humana e que acompanha nossa história filogenética, enquanto espécie. Em função de sermos mamíferos, essa condição teve algumas implicações ao longo da evolução. Por exemplo, a fertilização, a gestação e a amamentação têm consequências sobre o custo e o envolvimento direto com a prole. Hoje em dia existem diferentes possibilidades de criar uma criança, quando a mãe, por diversos motivos, não pode estar presente. No entanto, por mais de 90% de nossa história enquanto espécie, a mãe era a principal figura de cuidado e proteção para a criança. Assim, a mãe participa de forma direta, desde o início da gestação, no momento e após o nascimento da criança. O contato direto do pai com a criança era algo menos frequente. O cuidado era mais indireto. No momento presente, cada vez mais os pais (homens) estão envolvidos com seus filhos (como veremos mais à frente), mas enquanto evolução da espécie, a trajetória teve especificidades que precisam ser compreendidas.
Nesse sentido, é importante entender como foram selecionados os mecanismos adaptativos do cuidado parental no decorrer da evolução do ser humano. Esse conhecimento nos ajuda a compreender as especificidades do cuidado e também nos permite pensar em alternativas de como ajudar as pessoas a cuidar das crianças quando as condições são diferentes em relação à história filogenética. O entendimento do passado só é útil quando nos ajuda a melhorar a qualidade de vida do presente e lançar perspectivas positivas para o futuro de estabelecimento de um ambiente saudável para nossas crianças e famílias.
A psicologia evolucionista traz contribuições para explicar as especificidades existentes entre homens e mulheres e inclui uma compreensão mais abrangente do fenômeno. As especificidades no investimento de pai e mãe são importantes para compreender as diferenças no cuidado materno e paterno, lembrando sempre que tais diferenças irão depender de características biológicas em interação com o contexto cultural, o qual irá influenciar as funções a serem desempenhadas por homem e mulher na formação de uma família e no cuidado com filhos e filhas.
Em se tratando dos fatores biológicos e culturais em constante interação, faz-se necessário indicar algumas importantes mudanças que ocorreram e que estão ainda acontecendo nas configurações familiares, que acabaram por alterar o modelo tradicional de família (em que o pai é identificado como provedor e mãe como responsável pelo cuidado com o lar e com os filhos), para um funcionamento familiar em que pai e mãe passam a dividir ou a compartilhar, de maneira mais evidente, as tarefas domésticas e de cuidados com as crianças.
Pesquisas em sociedades industrializadas com nível elevado de escolarização e urbanização apontam que a intensificação da participação feminina no mercado de trabalho pode ser considerada como influência significativa que contribuiu para a modificação nas funções paternas e maternas. Nesses contextos, a mulher está investindo mais tempo em sua escolaridade e na sua atuação profissional, contribuindo também com a renda familiar. Para o homem, surge a oportunidade de participar ativamente das tarefas de casa e do cuidado com os filhos. Uma maior autonomia e independência por parte das mulheres ocasionou, assim, modificações nas configurações familiares.
A família, responsável pela transmissão de valores, crenças, ideias e significados, tem, portanto, forte influência no comportamento das crianças. As relações estabelecidas no sistema familiar são importantes para a promoção do desenvolvimento infantil. Nesse cenário, torna-se necessário considerar as transformações ocorridas que indicam a coexistência de diferentes tipos de famílias, bem como as interações parentais (pais-crianças) e conjugais (pai-mãe).
Novas configurações familiares se apresentam delineadas, considerando sua pluralidade e diversidade, como, por exemplo, famílias divorciadas, recasadas, adotivas, monoparentais, chefiadas por homens ou mulheres, produções independentes, casais homoafetivos, dentre outras. Tais arranjos familiares atuais se dão dentro de um contexto histórico e cultural que envolve as estruturas socioeconômicas identificadas, como já referidas anteriormente, por acontecimentos que remarcam o papel dos membros da família na sociedade. Embora se reconheça que existam vários tipos de configurações familiares, neste texto, estaremos focando nossa análise em famílias biparentais e heteroafetivas.
No caso do funcionamento familiar, as relações conjugais, ou seja, o relacionamento estabelecido entre homem e mulher que formam um casal e que acabam tornando-se pais e mães, também podem fornecer indícios de como se dá a organização familiar, a divisão dos papéis e funções e das interações de mães e pais com os filhos. Estudos indicam que a qualidade das relações conjugais pode influenciar a maneira como pais e mães interagem com as crianças e desempenham os seus papéis parentais. Relacionamentos positivos e com altos níveis de satisfação dos cônjuges geralmente aparecem associados a pais mais sensíveis e mais envolvidos no cuidado com seus filhos. O contrário também ocorre, sendo que, na presença de conflitos conjugais, as interações parentais tendem a diminuir consideravelmente.
Essas reflexões dão indícios de que para buscar compreender, descrever e analisar a paternidade, é fundamental incluir as diferentes dimensões, sociais, culturais, psicológicas, jurídicas e biológicas. Para tanto, a paternidade tem sido considerada um fenômeno complexo, pois está relacionada a múltiplas variáveis de influência. A seguir serão abordadas algumas dessas dimensões.
A paternidade: caracterização, influências e determinantes
As evidências de que o pai também pode desempenhar um importante papel no desenvolvimento e bem-estar infantil e os indícios de uma maior participação paterna ocasionaram um incremento nas pesquisas envolvendo o pai. Para tanto, o pai começou a ser incluído como sujeito nas investigações.
A intensificação dos estudos envolvendo a paternidade datam mais especificamente da década de 1970. Desde então, estudos internacionais e também nacionais indicam que a participação paterna tem sofrido alterações no decorrer dos anos. Identifica-se um pai mais diretamente envolvido com as crianças e, mais do que isso, ele aparece participando até mesmo em atividades antes nem tanto relacionadas às suas funções, tais como o suporte emocional e o contato mais direto com a criança em termos de interação no dia a dia, disponibilidade e presença para satisfazer as necessidades dos filhos. Além do contato com os filhos, o pai tem sido mais ativo na realização das tarefas domésticas, embora a responsabilidade principal nessa função ainda permaneça com a mãe.
O papel do pai vem sendo então distribuído em: tradicional (provedor), moderno (participa do desenvolvimento acadêmico e moral da criança) ou emergente (divide atividades com a esposa). As funções paternas estão se mesclando e, à medida em que são encontradas famílias em que as divisões de papéis são mais claramente definidas, ou seja, a mãe assume as responsabilidades com os filhos e o pai com o trabalho fora de casa e a garantia do sustento econômico, também existem famílias nas quais a mãe possui considerável jornada de trabalho fora de casa e, consequentemente, o envolvimento do pai com o lar e com os filhos é maior.
Partindo do pressuposto de que a paternidade é um fenômeno complexo, estudos têm procurado identificar as variáveis que exercem influência no comportamento do pai com os filhos, bem como quais determinantes podem servir para explicar a variação no envolvimento paterno em termos de quantidade e qualidade. Resultados de pesquisas parecem mostrar relações significativas entre características pessoais (idade, escolaridade e personalidade do pai), características do ambiente familiar (relação conjugal com a esposa e as características infantis tais como temperamento, idade e sexo dos filhos) e as características do contexto social (representadas mais especificamente pela jornada de trabalho fora de casa de pais e mães).
Houve um aumento, ao longo dos últimos anos, no número de estudos que discutem a temática do envolvimento paterno. Uma das formas utilizadas para contribuir cientificamente com os conhecimentos relativos à paternidade, à relação entre pais e mães e às consequências do envolvimento parental para o desenvolvimento infantil provém de pressupostos evolucionistas, baseados na teoria da evolução das espécies de Charles Darwin.
Investimento parental e especificidades de pai e mãe
O termo "investimento parental" parte de uma compreensão evolucionista e entende o fenômeno das relações de pais e mães com seus filhos de modo mais geral, considerando os aspectos ontogenéticos e filogenéticos em interação. Dessa forma, propõe-se que as atividades ou envolvimento direto e indireto realizado por pai e mãe irão contribuir de forma imediata ou não para a sobrevivência da espécie. Assim, o investimento parental diz respeito ao grau com que cada sexo investe na sua prole, a qualquer investimento que pais (pai e mãe) despendem em favor da prole (filhos) visando aumentar a sobrevivência e, consequentemente, seu sucesso reprodutivo ou a garantia da perpetuação dos seus genes e da sua espécie.
Partindo desse princípio de que o investimento parental identifica diferenças na quantidade e no tipo de investimento que pai e mãe despendem aos filhos, passa-se a compreender, portando, que existirão comportamentos específicos no cuidado. Entende-se que o cuidado parental humano pode ser compreendido por meio de uma interação de fatores biológicos e culturais, nos quais são encontradas diferenças e também similaridades no comportamento maternal e paternal humano. O interesse está em procurar caracterizar como se dá a participação paterna na atualidade. O objetivo é compreender o papel do pai em função das possíveis variáveis que serão úteis para explicar um maior ou menor envolvimento ou participação paterna direta ou indireta.
Com relação à dimensão cultural, pode-se referir o desejo social de igualdade entre as funções maternas e paternas, ou seja, à compreensão de que homens e mulheres devem contribuir igualmente para o bem-estar dos filhos. O novo modelo de paternidade orienta o pai para a divisão de responsabilidades na criação dos filhos. Espera-se que o pai se envolva, juntamente com a mãe, com o cuidado físico diário dos filhos e participe ativamente do seu desenvolvimento. Assim, um bom pai é aquele que cuida, brinca, instrui e demonstra afeto e amizade pelas crianças, o que caracteriza múltiplas funções e uma maior participação e envolvimento, que vai além do brincar.
O pai desempenha um importante papel para o desenvolvimento socioemocional das crianças, sendo que as interações pai-criança promovem o surgimento de competências sociais. Resultados de pesquisas apontam que, embora tenha sido evidenciado um aumento no envolvimento paterno, a mãe continua como a principal responsável pelos cuidados com os filhos, se envolvendo mais do que o pai, em termos gerais e em dimensões específicas. No que se refere às especificidades do envolvimento, enquanto a mãe se envolve mais em cuidados básicos, o pai se revelou mais envolvido em disciplina. O jogo físico paterno (representado pelas atividades de brincadeira) foi a dimensão em que o pai se destacou em relação às funções desempenhadas pela mãe.
As transformações sociais, econômicas e familiares constituem importantes fatores a serem considerados na caracterização da maternidade e da paternidade na família contemporânea. Para isso, estudos atuais incluem os conceitos de coparentalidade e a noção de complementaridade das funções parentais, como essenciais na promoção de um desenvolvimento infantil saudável.
Relações coparentais: papéis que se complementam
Nas famílias, tem sido apontada uma divisão mais igualitária entre as funções; o pai passou a desempenhar funções denominadas coparentais, devido a um maior compartilhamento de funções com a companheira. Nesse sentido, o enfoque está em, ao invés de destacar a influência exercida por cada um dos pais separadamente, enfatizar a influência conjunta de ambos os pais sobre as crianças.
A coparentalidade é um termo que define o envolvimento conjunto e recíproco de ambos os pais na educação, formação e decisões sobre a vida dos seus filhos, ou seja, pai e mãe dividem a liderança e se apoiam nos seus papéis de chefes da família e nos papéis parentais. No contexto atual das sociedades ocidentais, no qual o envolvimento paterno vem sendo cada vez mais valorizado, compreender como a coparentalidade afeta o desenvolvimento humano tornou-se de grande importância, seja para fins teóricos como para intervenções.
A coparentalidade possui, portanto, como principais componentes, o acordo nas práticas parentais, as divisões de trabalho e o suporte recíproco entre a díade (pai-mãe). Ainda a esse respeito, os diferentes papéis parentais desempenhados por pai e mãe podem ser complementares. Partindo da noção de complementaridade dos papéis materno e paterno para o desenvolvimento saudável da criança, enquanto a mãe (cuidadora primária) passa mais tempo com a criança, estando mais responsável pela alimentação, higiene, cuidado e por garantir uma base segura e de afeto com os filhos, o pai ficaria mais direcionado a estabelecer relações afetuosas incentivando a criança a explorar o ambiente e a lidar com diferentes situações.
Nesse sentido, favorecer o envolvimento dos pais na promoção do desenvolvimento dos filhos torna-se um fator importante e, para isso, a união de esforços, pesquisas, áreas de conhecimento e, principalmente, considerando a multiplicidade de métodos e olhares a respeito do fenômeno, contribui para endossar o conhecimento sobre a paternidade.
Por fim, é importante destacar que a cultura não é algo aleatório, mas que muitas vezes tem como base aspectos que foram selecionados ao longo do tempo. Muitos tipos de intervenções acabam não funcionando, pois parte-se do pressuposto de que tudo pode ser transformado e modificado do jeito que desejamos. Precisamos nos tornar conscientes da nossa evolução para sermos mais efetivos em nossas intervenções enquanto sociedade e pessoas. Ou seja, se quisermos avançar em direção ao futuro de um pai mais participativo na família é necessário compreender muito bem como foi nosso passado. Passado não apenas em termos de um período histórico e vinculado à escrita, mas também pré-histórico, que envolve entender os primórdios e a trajetória da história enquanto espécie.
Mauro Luís Vieira é professor titular do Departamento de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutor em psicologia experimental pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado pela Dalhousie University em Halifax (Canadá) e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento Infantil (NEPeDI – www.nepedi.ufsc.br).
Carina Nunes Bossardi é professora de psicologia na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI-SC), doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC (2011 e 2015, respectivamente) e foi bolsista de doutorado sanduíche pela Capes na Universidade de Montréal, no Canadá. É integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Desenvolvimento Infantil (NEPeDI).
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