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Reportagem
Compartilhar e curtir: a publicidade de si mesmo no Facebook
Por Ana Paula Zaguetto
10/09/2014

Na tela do computador, a página de uma rede social com fotos de um jovem belo e musculoso sentando em uma praia paradisíaca, uma garota escalando uma montanha coberta de neve, um prato de comida esteticamente saboroso e uma selfie de um casal apaixonado. Diante dessa tela está Scott, que olha para seu marmitex em cima da mesa e para sua namorada sentada no sofá assistindo televisão. A rede social lhe pergunta “no que você está pensando?” e Scott responde: “sushi com minha garota hoje à noite!!! <3”. Imediatamente a postagem recebe uma curtida. Scott parece ter descoberto algo.

Esse é o início do curta-metragem What’s on your mind?  (No que você está pensando?), publicado no Youtube no começo de junho e que já conta com mais de 9 milhões de visualizações. No filme, o personagem Scott passa a postar comentários sobre sua vida, supervalorizando e fazendo uma “releitura” de acontecimentos que não foram exatamente um sucesso. As postagens entusiasmadas sobre sua vida feliz vão ganhando cada vez mais curtidas, enquanto que no “mundo real” as coisas estão indo ladeira abaixo para Scott.

O diretor do filme, Shaun Higton, conta que teve a ideia em um dia que estava conferindo seu Facebook e, ao se sentir deprimido por ver uma atualização incrível atrás da outra, pensou consigo mesmo: “ninguém pode ser tão feliz o tempo todo”. E pela repercussão positiva do filme, não é apenas de Shaun a percepção de que nas redes sociais as pessoas parecem ser mais felizes do que realmente são.

Fora e dentro da internet

As redes sociais online são um fenômeno relativamente recente e vêm aumentando sua abrangência ao longo dos últimos anos, tornando-se cada vez mais relevantes no cotidiano das pessoas. Segundo relatório da Serasa Experian, o Facebook é a rede social mais acessada no Brasil, com 67,96% de participação de visitas (em relação a outras redes sociais, como Youtube e Twitter). De acordo com outra pesquisa, da Social Bakers, somos o segundo país em número de usuários nessa rede, 60,6 milhões, e o que mais compartilha conteúdo, sendo uma estimativa de 6,2 bilhões de postagens por mês – mais que o dobro do Egito, o segundo colocado em compartilhamento.

Compartilhar conteúdo, seja através de um texto que expresse seu sentimento ou de uma foto da última viagem, é um dos meios de sociabilização nas redes sociais online, onde também é possível se comunicar através de mensagens privadas. Assim como no mundo do lado de fora da internet, escolhemos o que tornar público e o que contar apenas para um amigo mais próximo. Compartilhar informações é uma das formas de construção de laços pessoais e de identidade e essas informações não são constituídas apenas de relatos e opiniões. A maneira como nos apresentamos – nossa imagem – também transmite ideias sobre nossa identidade. Vestir roupas sociais ou esportivas, ter um carro de luxo ou popular, viajar para o Guarujá ou para Cancun: são opções que fazemos todo dia (de modo consciente ou não) conforme nossos desejos e poder aquisitivo. Todas essas informações dizem quem somos para os outros, com base nos ideais e referências que temos em comum. Estamos sempre diante da aprovação ou reprovação do outro, que poderá se identificar conosco e querer estabelecer vínculos afetivos ou profissionais.

Dessa forma, compartilhar conteúdo na internet não é diferente do que já fazíamos antes da chegada das redes sociais online (nossos círculos de familiares, amigos e colegas de trabalho fora da internet também são redes sociais). No entanto, o que mudou foi a dimensão do nosso poder de compartilhar informação. Para Ana Carolina Coelho, professora e pesquisadora da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “ainda estamos tateando e tentando entender os limites e as formas de estar na internet”. Nela, conseguimos nos comunicar com um maior número de pessoas, inclusive pessoas que não conhecemos, e partilhamos do mesmo espaço que antes era restrito a artistas, políticos, jornalistas – pessoas que tinham acesso aos meios de comunicação de massa tradicionais, como a televisão e o jornal. Outro fator importante é que passamos de apenas receptores de conteúdo para também produtores de conteúdo nas mídias sociais.

Essas novas possibilidades potencializam modos de ser e de pensar a nossa vida, exacerbando tanto aspectos positivos quanto negativos. E a vontade de demonstrar felicidade nas redes sociais o tempo todo, como mostrada no filme What’s on your mind? parece ser um dos grandes dilemas atuais da sociedade. Ao querer parecer mais felizes, podemos estar nos tornando infelizes.

Visibilidade e reconhecimento

Quando falamos em felicidade, devemos lembrar que ela não tem um significado único e imutável. O que é ser feliz varia de acordo com a cultura e o momento histórico. Em nossa sociedade, a concepção dominante de felicidade tem uma estreita relação com o consumo:  ser feliz é poder comprar bens materiais e ter acesso a serviços. Em seu artigo “Estou no melhor momento da minha vida: o imperativo da felicidade nas redes sociais”, Ana Carolina escreve que “a felicidade, em geral, é mensurada por signos visuais que denotem alto poder de consumo e conforto e não poder ostentar tais mercadorias é interpretado como sinal de incompetência”. Ser feliz é uma obrigação e “demonstrar tristeza chega a ser algo punível”.

Segundo o sociólogo Jean Baudrillard, em seu livro A sociedade do consumo, a felicidade em nossa sociedade deve ser visível e mensurável através de “objetos e signos de conforto”. A felicidade “sem necessidade de provas”, invisível aos nossos olhos e aos dos outros, não é válida dentro desse ideal de consumo. Ana Carolina ainda acrescenta que vivemos em um momento que o filósofo Gilles Lipovetsky chama de sociedade da performance, onde o indivíduo deve edificar-se, distinguir-se e ampliar suas capacidades, onde somos “estimulados a buscar o êxito e a superação”.

Essa ideia de felicidade é difundida e reforçada nas novelas, filmes e seriados, no jornalismo e, em especial, na publicidade. A publicidade explora nossos anseios por felicidade para nos manter interessados em consumir. São feitos grandes investimentos em estudos sobre comportamento e tendências de consumo para o planejamento de campanhas de marketing. Giovanna Baccarin, jornalista e empreendedora, explica que as empresas e marcas estão cada vez mais percebendo que o discurso do marketing deve ser sobre quem compra e não sobre o que se vende. Alguém não compra um carro para ser o homem bem-sucedido do comercial do carro, mas para ser visto pelos outros como o homem bem-sucedido do comercial. A visibilidade é uma parte fundamental nessa ideia de felicidade, pois o status adquirido pelo consumo só é possível se houver o reconhecimento dos outros.

Segundo a publicação Status stories da empresa trendwatching.com, especialista em estudos de tendência de consumo, as marcas contam estórias sobre si mesmas a fim de gerar visibilidade e reconhecimento para quem as compra, tornando-se um símbolo de status. Mas apesar desses símbolos permanecerem atrelados à marca, cada vez mais apenas isso não é suficiente. Agora, os consumidores precisam contar aos outros essas estórias para adquirir status. Então, no lugar de contar as suas estórias, as marcas passam a ajudar os consumidores a contá-las uns aos outros. “Nesse sentido, a pessoa vira a própria propaganda do produto e as mídias sociais trabalham muito com isso”, diz Giovanna.

De um lado queremos ter reconhecimento e ostentar nossa felicidade, do outro, estratégias de marketing produzem discursos – as estórias – que irão garantir o nosso status perante os outros, e assim consumimos seus produtos. Dessa maneira, vamos reproduzindo esse referencial de consumo, felicidade e visibilidade. De acordo com Giovanna, “as marcas estão muito atentas ao que está acontecendo e o que elas puderem usar em benefício próprio, elas vão usar. O marketing não apenas cria, mas percebe tendências e as reforça”.

Incorporamos a maneira do marketing de contar estórias e passamos a contar estórias sobre nós mesmos, transformando-nos no produto a ser consumido. Nos sites de redes sociais, isso acontece de maneira mais intensa, pois é mais fácil esconder o que não contribui para uma imagem de sucesso e felicidade, ou maquiar a realidade. Além disso, como dependemos do reconhecimento dos outros, as redes sociais, como o Facebook, fornecem-nos uma ferramenta poderosa para ter certeza desse reconhecimento: o botão curtir. “Não há como negar a emoção que você sente quando posta algo e as pessoas curtem. Essa sensação de validação instantânea e gratificação é viciante”, reconhece Shaun Higton em um artigo que faz reflexões sobre o filme (Are you becoming a ‘human brand’ without even realising it?).

Shaun também considera que o desejo de compartilhar momentos felizes não é um problema em si. Mas o botão curtir é feito para medir o quão legal uma pessoa é, e essa medida acaba ditando o nosso comportamento. Quanto mais um tipo de postagem recebe curtidas, mais propensos estaremos a compartilhar o mesmo tipo de conteúdo. E para o marketing, esse tipo de conteúdo é uma mina de ouro.

Compartilhar felicidade

O Facebook é gratuito para seus usuários, porém é uma empresa que vale 150 bilhões de dólares. O seu modelo de negócio baseia-se em oferecer para anunciantes um público extremamente segmentado, fazendo com que o anúncio atinja o seu alvo. Para identificar esse público, o Facebook (e outras redes sociais) utiliza a técnica da mineração de dados, que consiste em coletar informações e cruzá-las para estabelecer padrões de comportamento e perfis de consumo. E quem fornece essas informações somos nós mesmos, ao postarmos conteúdos no site.

O feed de notícias do Facebook é o local onde vemos as postagens de nossos amigos e de páginas que seguimos. Mas há um algoritmo que filtra quais postagens aparecem e quais ficam em destaque no topo do feed. O Facebook revela alguns parâmetros desse algoritmo, mas não todos. Isso não impede que muitos usuários realizem testes para tentar desvendar o seu funcionamento. Existem até guias, como esse publicado no blog Personal Nerd do Estadão, que ensinam a se tornar popular no Facebook, o que significa ter visibilidade no feed de notícias e assim receber mais curtidas e comentários.

Além da mineração de dados, o Facebook também realiza pesquisas para aprimorar seu algoritmo e desenvolver funcionalidades que nos incentive a compartilhar mais conteúdo: “alguns tipos de publicação são privilegiadas porque dizem algo sobre o seu padrão de consumo. Qualquer mudança que o Facebook faça é para melhorar a coleta desse tipo de informação”, explica Giovanna Baccarin. Para Fernanda Bruno, professora e pesquisadora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o que importa é “manter o fluxo da produção e circulação de informações sobre nossos modos de vida, nossos humores, desejos, que formam a mina de que se alimentam essas corporações. Se a felicidade aumenta o compartilhamento, então, que se promova a felicidade”.

Dessa forma, o algoritmo do Facebook funciona como um mecanismo de controle, gerindo a nossa felicidade sem sequer passar pelo nosso conhecimento. Mesmo que de maneira inconsciente, acabamos compartilhando conteúdos que irão receber mais curtidas e comentários. “O controle algorítmico da felicidade importa pelos seus resultados: mais e mais compartilhamentos, mais e mais dados, mais e mais perfis. Seria, para usar uma expressão do futebol, uma felicidade de resultados”.

A armadilha da felicidade

Podemos estar pagando um preço bem alto pela satisfação momentânea de receber uma curtida ou um comentário. O reconhecimento do outro é importante porque é a partir das nossas relações sociais que constituímos nossa identidade, que afirmamos nossa existência no mundo. Entretanto, segundo a psicóloga Erica Berto, nas redes sociais tornou-se mais fácil criar um “falso self”, um personagem de nós mesmos, e é ele que está recebendo a aprovação dos outros: “como é uma relação a partir de um falso self, acaba sendo uma relação superficial, que num primeiro momento pode satisfazer o ego, mas que não satisfaz as demandas de um relacionamento humano mais completo”.

A necessidade de nos sentirmos integrados e amados faz com que permaneçamos nesse ciclo e vamos negando as nossas dores, perdas e atropelando processos que ocorrem de maneira mais lenta. Como é um movimento em massa, temos a impressão de que todo mundo está feliz o tempo todo e isso acaba causando impactos na subjetividade, podendo despertar sentimentos como a inveja e problemas de autoestima. Em casos extremos, a repressão e a não elaboração de sentimentos pode resultar em patologias, como depressão e síndrome do pânico.

Os impactos na subjetividade vão depender da estrutura psicológica e da capacidade de reflexão de cada um: “os adolescentes têm mais necessidade de seguir um grupo, estão mais sujeitos a cair nessa armadilha se não houver uma reflexão. E essa reflexão não está sendo promovida pela nossa sociedade”, acrescenta Erica. Precisamos estar atentos para não transformar a busca pela felicidade em um caminho para a infelicidade.

E a felicidade, como fica?

No final de What’s on your mind?, Scott está deprimido e decide esconder todas as suas postagens. O diretor do filme prefere não dar muitas explicações e diz que há várias maneiras de se interpretar essa atitude, mas que uma delas é que, ao esconder suas postagens, Scott decide ser honesto consigo mesmo e “a consequência é que seu alter ego digital deve morrer junto com sua popularidade”.

A internet e suas redes sociais, assim como a vida fora delas, são ambientes que nos oferecem muitos potenciais positivos. Enquanto sites como o Facebook reforçam padrões que nos tiram a autonomia e limitam as possibilidades de vida, existem outras comunidades que contribuem para o encontro de pessoas e o compartilhamento de ideias que expandem essas possibilidades. Para Fernanda Bruno, a tarefa é imaginar meios de sabotagem coletiva do controle que sites como o Facebook exercem sobre a nossa felicidade, da mesma forma que já aprendemos a “driblar, enganar e contestar nossos pastores, pais, educadores, médicos e toda sorte de pretensos diretores de consciência”.

Dentro e fora da internet, o caminho para a felicidade talvez esteja também em deixar um pouco de buscar o olhar dos outros e voltar nossos olhos para nós mesmos para descobrir o que nos deixa felizes, mesmo quando não tem ninguém por perto para ver ou curtir.