10/12/2011
“As imagens que você está prestes a ver não são casos isolados.
Estes são os padrões da indústria de animais de estimação, alimentação,
vestuário, entretenimento e pesquisa. A discrição do espectador é aconselhada”.
Com esse aviso, seguido da definição de terráqueos: “substantivo: habitantes da
Terra” e a imagem de nosso planeta visto do espaço, começa o documentário Earthlings. Make
the connection (2005), que ficou
conhecido no Brasil apenas como Terráqueos.
Apesar de ter sido lançado há 6 anos e de ter circulado
bastante nas redes sociais pela internet e, em meio a vegetarianos, veganos,
ambientalistas e simpatizantes, o documentário merece ser retomado neste
momento em que seu diretor Shaun Monson anuncia, para 2012, o lançamento de Unity. The ultimate goal of your life, o segundo volume da trilogia
iniciada com Earthlings.
Shaun Monson é ativista de direitos humanos, animais e
ambientais e fundador da Nation Earth uma organização que busca desenvolver e
repercutir o que eles chamam “mídias educacionais”, de fato, filmes e
documentários voltados às causas pelas quais Monson milita. Earthlings tem, portanto, uma forte
carga militante e, desde o seu lançamento, tornou-se bandeira da causa vegana, ganhou prêmios em três festivais
de documentários (em Boston e em San Diego – EUA – e noArtvist), disseminou-se
pelas redes sociais e caiu no gosto de celebridades – talvez pela narração do
documentário ser feita pelo ator Joaquin Phoenix, vegano e membro do People for
the Ethical Treatment of Animals (Peta), organização que conta com a presença
de vários vegetarianos e veganos famosos.
Dividido em cinco partes (animais de estimação, alimento,
vestuário, entretenimento e ciência) o documentário busca conscientizar ou
convencer sobre a importância de não consumir qualquer produto que tenha origem
animal ou que tenha causado sofrimento aos animais. Embora muitos associem o
vegetarianismo com o veganismo, este último inclui não apenas a negação do
consumo de proteínas animais, mas também de vestuário proveniente de animais
(como couro e peles); cosméticos, produtos de limpeza, alimentos e outros que
tenham sido testados em animais; qualquer tipo de esporte ou entretenimento que
os utilize, ou seja, desde corridas de cachorros e touradas até circos, e, por
fim, pesquisas e estudos que utilizem animais ou a realização de vivissecção.
As imagens do filme são oriundas de uma ampla pesquisa feita,
algumas vezes, com câmeras escondidas, em laboratórios de pesquisa ou de
testes, matadouros, criadouros de animais e outros espaços focalizados pelos
veganos. O tom das sequências é de denúncia a partir de cenas chocantes sobre o
tratamento sofrido pelos animais e, se por um lado pode servir como alerta para
a necessidade de estabelecer uma nova relação entre homens e animais, por outro
choca a ponto de provocar uma certa paralisia. Tal qual alguns filmes
ambientalistas, como por exemplo Uma verdade inconveniente (2006), Earthlings apresenta um cenário chocante
e catastrófico sem apresentar proposições ou alternativas.
No Brasil, alguns documentários seguem um modelo similar de
abordagem, mas arriscam um pouco mais no alcance de seu debate. Esse é o caso
de um dos vídeos produzidos pela ONG Instituto Nina
Rosa, Não matarás
(2006), que tematiza a utilização de animais em laboratórios e centros de pesquisa. Apesar
de incorrer no artifício das cenas chocantes, apresenta depoimentos de vários
pesquisadores em universidades brasileiras que sinalizam alternativas ao quadro
atual de testes ou da vivissecção. Já em A
carne é fraca (2004),
vídeo também produzido por essa ONG, as soluções desaparecem, o show de
horrores predomina, mas há uma série de depoimentos interessantes que
fundamentam melhor o veganismo, inclusive como uma opção política. Neste vídeo,
vale ressaltar especialmente os depoimentos do jornalista Washington Novaes e
do professor de direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Christian Guy Caubet.
Mesmo sinalizando, em seu início, que tratará de padrões
industriais (portanto, de um modo de produção), Earthlings peca por essa ausência de alternativas práticas e de fundamentação
daquilo que poderia lhe conferir um teor político mais sólido, tornando o
choque e a crueza das cenas um tanto vazias desses sentidos.
Por outro lado, o documentário tem o mérito de promover um
deslocamento da centralidade do homem, colocando-o como igual a todos os
animais, seja por sermos todos terráqueos, ou pelo reconhecimento das
possibilidades de expressão e sensação dos animais, isto é, todos igualmente
reagimos à dor, ao frio, à fome e expressamos isso.
No centro dessa tentativa de mudar a relação de dominação
que o homem exerce sobre os animais, está o conceito de especismo, que por
analogia aos termos racismo e sexismo, sinaliza uma forma de preconceito ou
atitude tendenciosa em favor dos interesses de uma espécie, contra membros de
outras espécies. Nesse sentido, os homens utilizam outros animais (que não os de
sua própria espécie) para o suprimento de suas necessidades, desconsiderando ou
ignorando o sofrimento que causam.
As relações de dominação e poder estão, portanto,
tematizadas, assim como uma certa herança do veganismo em relação a outros
movimentos sociais. Mas ao não privilegiar os fundamentos que tornam o
veganismo uma opção política, Earthlings
acaba se afastando do que pode ser a principal força desse movimento.
Essa força está justamente naquilo que agrega uma série de
movimentos que parecem, à primeira vista, opções muito individuais, mas que
demonstram questionar de forma capilar algo mais amplo, como o modo de produção
no capitalismo. Por exemplo, a produção e o consumo de alimentos orgânicos pode
ser vista como uma opção individual por saúde, de forma mais ampla como solução
ambiental e, no limite, como um questionamento do modo de produção em larga
escala, que privilegia a monocultura e envolve grandes corporações.
Earthlings parece
não alcançar justamente esse potencial da causa vegana privilegiando uma
espécie de “choque conscientizador”. O trailer do próximo documentário (Unity)
exibe imagens que sinalizam a possibilidade de suprir essa ausência. A
expectativa, enfim, é que em algum momento a trilogia de Shaun Monson possa
mostrar, de verdade, a que veio e que isso esteja associado a uma reflexão do
próprio movimento sobre seu alcance e potencialidade. Earthlings. Make the connection Direção: Shaun Monson Ano: 2005
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