Atualmente há uma oferta crescente de novas tecnologias que
logo se tornam obsoletas, desde aparelhos fundamentais como geladeiras e
fogões, até celulares e computadores que também se tornaram essenciais em um
mundo com as nossas exigências. Apesar dos novos produtos surgirem no mercado
como produtos que simplificam a vida dos usuários, a relação entre novas
tecnologias e consumo é bem mais complexa e marcada por uma obsolescência
acelerada. Como explica o cientista social Diego Vicentin, membro do
grupo de pesquisas Conhecimento Tecnologia e Mercado (CTeMe), “A indústria
projeta a obsolescência de seus produtos, não há surpresa nisso; não só os gadgets tecnológicos, mas todos os
objetos de consumo têm um tempo de vida útil cada vez mais reduzido”.
Diante disso, a população tenta acompanhar esses
lançamentos, “o encanto da tecnologia é o poder que os processos técnicos têm
de lançar uma fascinação sobre nós, de modo que vemos o mundo real de forma
encantada”, como defendeu o antropólogo Alfred Gell em seu livro The
technology of enchantment and the enchantment of technology. Além
dos novos produtos, atualmente os consumidores se veem diante de novos softwares e aplicativos para os seus
aparelhos, os quais não apenas incrementam as funções, mas em alguns casos são
cruciais para a continuidade do aparelho com o passar do tempo. Neste cenário,
há uma relação de dependência muito grande, mas também existe um ganho bastante
significativo para aqueles que sabem utilizá-los, facilitando suas tarefas de
acordo com suas preferências.
No entanto, como explica Francisco Trento, pesquisador do
programa de Pós Graduação em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), as empresas estipulam um período limite de atualização de seus
produtos que coincide com o lançamento de um novo aparelho: “Um telefone celular
que exige uma ‘atualização’ pode recebê-la oficialmente a partir de um firmware (conjunto
de instruções operacionais programadas no hardware) em aparelhos de até três
versões anteriores. Findo o período, ele se torna obsoleto para o fabricante,
que, assim, induz o consumidor a adquirir sua nova versão. O que não impede que
o antigo seja útil ainda para suas propostas mais básicas”.
Para Vinícius Pereira, da Faculdade de Comunicação da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do PanMedia Lab da
Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), os consumidores de tecnologia
podem ser divididos em três grupos. O primeiro engloba uma minoria mais
crítica, que busca aparelhos que não sejam limitados pelas empresas e que não
estejam submetidos ou restritos apenas às atualizações do fabricante.
Francisco Trento acrescenta que, em geral, esses
consumidores buscam computadores baseado em software livre e celulares com
liberdade para o uso de aplicativos. A comunidade de usuários que conhece a
linguagem de programação cria versões de novos softwares que podem ser usadas
nos aparelhos “obsoletos”. “Não deixa de ser um modo de aumentar a vida ‘útil’
de um produto para os usuários que sintam a necessidade de tê-lo atualizado
constantemente”, argumenta Trento.
Esse é um tipo de consumidor que está cada vez mais presente, basta observarmos
a produção e desenvolvimento de softwares, produções audiovisuais ou
literárias, facilitadas por novas tecnologias digitais, mais acessíveis
financeiramente a uma parte da população.
Já o segundo grupo é formado por uma população que encontra
nos aparelhos tecnológicos um signo de status, como explica Pereira “as
tecnologias são uma forma de falar de si, como as roupas são uma forma de
identificar um grupo, hoje em dia as tecnologias também têm essa finalidade”,
ou como define Vicentin, surge uma espécie de “consumo de potência”, ou seja: o
consumo é um investimento para potenciação de si mesmo, com objetivo de
melhorar a performance no mercado de trabalho e também nas outras esferas da
vida, como familiar e afetiva.
Por fim, o terceiro grupo abrange aqueles consumidores que
não estão totalmente atentos às novas tecnologias, mas que buscam um conjunto
de funcionalidades consideradas atraentes e que sejam uma tendência. Pereira
explica que eles buscam aqueles aparelhos com tecnologias que foram
disseminadas e se tornaram populares, tendências que se generalizaram e viraram
moda, como as telas sensíveis ao toque (touchscreen),
aparelhos com acesso às redes sociais, entre outras. Segundo Pereira, esse
é o grupo que tem um perfil bastante parecido com a maioria dos consumidores
brasileiros, pois “nós vamos logo colocando a mão, rasgando o manual, vamos
direto para a prática. Porque nós tratamos a tecnologia com muita leveza”,
defende.
O Brasil acompanha o
resto do mundo, e o consumo de tecnologias tem se mostrado bastante acelerado.
Segundo uma pesquisa da Consultoria Accenture, em 2010, os brasileiros ficaram
em primeiro lugar no ranking dos países que mais compraram celulares, na frente
de países como Japão e Estados Unidos. As análises qualitativas dessa pesquisa mostraram
que os consumidores brasileiros estão pulando etapas de consumo, uma vez que,
ao invés de preferirem produtos mais baratos e com menos funcionalidades, se
interessam mais por aqueles com tecnologias mais novas e inovadoras. Pereira
defende que o Brasil tem um perfil muito singular e que, com o desenvolvimento
do país, o mercado se torna bastante promissor. Ele ainda explica que a
indústria está muito interessada no Brasil, “esse interesse das grandes
empresas se deve à estabilidade econômica do país, e ao crescimento da classe
C. Isso nos torna potencialmente um mercado fantástico, embora nossas condições
econômicas, grosso modo, ainda sejam muito precárias quando comparadas com a de
outros países. Temos um perfil sofisticado de consumo, que é um grande
interesse pela cultura digital”, diz Pereira.
Mercado de softwares
e aplicativos no Brasil
O mercado de aplicativos e
dispositivos cresce a passos largos no mundo todo e no Brasil não é diferente.
Segundo Danilo Santana, diretor de conteúdo da empresa Quaddro para treinamento
e desenvolvimento de sistemas operacionais, o aumento significativo das vendas
se deve a fatores como: redução de custos da fabricação, aumento da
concorrência e do poder de compra dos consumidores. O diretor cita uma pesquisa
da consultoria Growth From Knowledge (GFK), que divulgou que as vendas de smartphone no país, em março de
2010, totalizaram 193 mil unidades e saltaram para 528 mil, em março de 2011.
No entanto, mesmo com o crescimento constante do mercado
consumidor, ainda falta mão de obra qualificada para o setor de aplicativos
móveis. Como explica Santana, “essa é uma questão muito séria, o Brasil sofre,
e sempre sofreu, com qualificação de mão de obra, e em uma área completamente
nova como o desenvolvimento de aplicativos móveis o cenário é ainda mais
crítico”. A expansão da criação de aplicativos para as plataformas da Apple e Android esbarra na falta de
profissionais capacitados no país. “As empresas e os profissionais até se
interessam em entrar na área e produzir seus projetos, mas a barreira técnica é
muito grande. A plataforma Google Android
por se basear em Java e Flash tende a sofrer menos, mas no caso
da Apple, como a plataforma é
completamente nova para a maioria, o número de programadores é muito baixo”,
complementa Santana.
A saída que as grandes empresas encontraram foi terceirizar
projetos da Índia e China, mas agora buscam contratar profissionais com algum
conhecimento em desenvolvimento de sistemas e capacitá-los para a produção de aplicativos.
Além de ser um mercado promissor e com emprego praticamente garantido, os
profissionais encontram um salário bastante atrativo que pode chegar a
R$100/hora. Segundo Santana, os rendimentos são altos devido a forte demanda, a
alta complexidade e, principalmente, a falta de mão de obra especializada.
Santana acrescenta ainda que hoje essa área é mais admirada
e consumida. “Os aplicativos móveis estão mudando a forma como as pessoas se
relacionam. E fazer parte desse mercado é motivado não só pelo dinheiro, mas
também por essa ‘aura’ de utilidade. Some a isso a possibilidade de produzir um
aplicativo próprio em casa e fazer sucesso, aí está um grande motivador”,
explica o diretor. Exemplo disso são desenvolvedores dos Estados Unidos que
criaram games que se tornaram sucesso
e renderam muito dinheiro em pouco tempo.
Antes, para montar um aplicativo, era preciso ter uma
empresa ou parceria, mas hoje um adolescente pode criá-lo e disponibilizá-lo
para o mundo todo. É o que se chama de prosumer,
ou seja, o consumidor se torna também produtor de conteúdos. No país, as
perspectivas são muito boas. Santana argumenta que o Brasil deve fazer parte
ativamente dessa evolução tecnológica. “Alguns fatores para sucesso de
aplicativos – diz ele - são o visual atraente, além de uma programação bem
feita, boas idéias. E nossos profissionais não são apenas extremamente capazes,
mas também estão entre os mais criativos no mundo, e para essa área isso conta
muito”.
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