O baixo desempenho do ensino médio no Brasil é, há tempos, um indicativo da necessidade de mudanças. Elas vêm acontecendo a passos lentos e poderão ser mais perceptíveis nos próximos anos com a definição de um novo currículo e de reformas nas avaliações de larga escala como Censo Escolar, Saeb e Enem.
Os problemas do ensino médio se refletem em números sofríveis. Desde 2009, vem caindo o ritmo de crescimento do percentual de jovens que concluem essa fase até os 19 anos. Segundo dados de 2013, 83% dos jovens de 15 a 17 anos estavam matriculados na escola. No entanto, apenas 59% cursavam o ensino médio na idade correta, entre 15 e 17 anos, um atraso que leva muitos estudantes a desistir dos estudos. A meta estabelecida no Plano Nacional de Educação (PNE) é elevar esse número a 85% até 2024. Esse patamar deverá representar os jovens matriculados no ano recomendado para sua faixa etária, ou seja, a taxa líquida de matrículas.
Quando se analisa os indicadores de fluxo de estudantes e de qualidade, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – base para as metas da educação a serem alcançadas até 2021 – a situação não é boa, nem na rede privada nem na pública. O índice passou de 3,1 em 2005 para 3,4 em 2013 nas escolas públicas do ensino médio, e caiu de 5,6 para 5,4 nas instituições privadas no mesmo período. Até 2021, será preciso alcançar o índice de 5,2 sendo que hoje, juntas, as redes estão em 3,7.
Mudanças estruturais
Uma nova avaliação de larga escala para o ensino médio têm sido sinalizada pelo ministro da Educação, Cid Gomes, desde o início de seu mandato. Em janeiro deste ano, ele anunciou que colocará a realização do Enem na modalidade online sob consulta pública.
Nessa proposta, a previsão é que o exame tenha um banco com 8 mil questões que poderiam ficar abertas ao público como fonte de estudo. As provas online seriam realizadas em locais designados pelo MEC, e a avaliação seria exclusiva para cada participante, gerada a partir de uma série de itens.
A evolução do Enem para um teste online e individualizado é uma tendência apontada por profissionais da área há alguns anos, segundo Tufi Machado, coordenador de Pesquisa do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (Caed) da Universidade Federal de Juiz de Fora, que foi membro de uma comissão de especialistas que assessoraram o Inep em 2012 e 2014.
A mudança deve baratear a aplicação da prova, mas não será simples, segundo o coordenador. “Há um grande passo metodológico e técnico a ser alcançado, ter sistemas de segurança, rede confiável, bancos de itens grandes e testados, algoritmos de seleção e aplicação desses itens bem projetados”, comenta. Machado ainda acrescenta que permitir que a prova seja agendada poderia diminuir a pressão sobre os estudantes.
Uma reformulação do Enem é necessária e deve ser acompanhada das mudanças no currículo do ensino médio, na visão de Maria Helena Guimarães de Castro, socióloga, diretora executiva da Fundação Seade e que já foi presidente do Inep no governo Fernando Henrique e secretária estadual da Educação em São Paulo de 2007 a 2009.
“Colocar esse Enem atual na internet para avaliar todo mundo é gastar dinheiro à toa. Os resultados do ensino médio só pioram ou ficam estagnados. Tem alguma coisa muito errada. É um problema do currículo principalmente”, afirma.
Para a socióloga, o ensino médio deve oferecer disciplinas comuns como língua portuguesa e matemática, mas permitindo ao aluno se aprofundar, por exemplo, em ciências exatas ou humanidades, conforme o interesse.
O MEC prevê que isso deve ocorrer nos próximos dois anos e conta com iniciativas para reforçar essa mudança: o Programa Ensino Médio Inovador (Proemi) com a articulação entre a União, estados e municípios e o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio para promover a revisão curricular pelas escolas.
A mudança no currículo tem base nas políticas para a educação, mas falta sair do papel. Ela está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). O Conselho Nacional de Educação (CNE) também aprovou, em 2011, novas diretrizes, com resolução publicada em 2012 pelo MEC. O PNE, em vigor desde junho de 2014, depois de quatro anos em tramitação, reforça essa revisão – e também no ensino fundamental.
O novo currículo deverá ter um conteúdo mínimo para alunos de todo o país, podendo contemplar especificidades definidas por estados, municípios e escolas. Uma escola poderá, por exemplo, ter um projeto político pedagógico voltado para música, enquanto outra enfoca física ou outras áreas.
A expectativa é que a escola seja mais atraente para os jovens, tanto em instituições públicas quanto privadas. “Hoje a escola oferece um currículo muito maçante, não atraente para o aluno. Nós estamos matando uma geração, essa geração está desestimulada”, enfatiza Maria Helena.
A resolução do MEC ainda estabelece que o Enem deve, progressivamente, compor o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) como avaliação dessa etapa. Atualmente, a cada dois anos, uma amostra de estudantes do terceiro ano do ensino médio participa do Saeb, com provas de língua portuguesa e matemática. Professores e diretores fornecem informações sobre as condições físicas das escolas.
O Enem deve continuar como certificação para o ensino médio e como acesso ao ensino superior. Em 2014 foram 8,7 milhões de inscritos, 21,6% a mais do que no ano anterior. O exame avalia o desempenho a partir do conhecimento em linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas. Ele pode ser usado para acesso direto à educação superior conforme critérios definidos pelas universidades ou programas governamentais (Sisu, Sisutec, Ciência sem Fronteiras, Prouni) e de instituições privadas. Pode também ser usado para solicitar o diploma de ensino médio pelos maiores de 18 anos que estão fora do sistema escolar.
Ampliar a aplicação do Enem para todos os concluintes do ensino médio será uma maneira de reduzir custos, na análise de Machado. Isso ainda evitará dois sistemas de avaliação cumprindo objetivos diferentes, mas relacionados – o Saeb aplicado de forma amostral no terceiro ano e o Enem como opcional.
O movimento Todos Pela Educação (TPE) ressalta que a promessa de reforma urgente já tem alguns anos e a única mudança concreta foi o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio. O TPE e 16 parceiros debateram sobre essa reforma e lançaram o documento "Proposta para um Ensino Médio compatível com o século 21", no qual fazem uma análise ampla sobre o assunto.
Nele, a necessidade de diversificação do currículo também é enfatizada, assim como um sistema de avaliação que acompanhe essa mudança, evitando que um engesse o outro, enquanto continua a ser usado para acesso à universidade.
Críticas ao uso do Enem
Sobre o Enem com função de vestibular, Leonardo Cordeiro, em artigo publicado recentemente na revista Educação & Sociedade, faz um alerta quanto à metodologia que gera as médias finais para o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do qual participam 128 instituições em 2015.
O pesquisador critica especificamente a combinação da nota da redação, sem tratamento estatístico, com o nível de proficiência obtido nas provas objetivas, as quais seguem a Teoria de Resposta (TRI). Usada desde 2009, nessa metodologia a nota resulta de procedimentos matemáticos complexos, permitindo comparar resultados de provas diferentes aplicadas ao longo dos anos.
Usando a nota da redação para compor uma média aritmética simples "o Inep soma centímetros com polegadas ou graus Celsius com graus Kelvin", exemplifica Cordeiro. No estudo, ele observa que as distorções podem aprovar até 76% dos candidatos que não seriam classificados se a mistura equivocada de notas não acontecesse. O problema será ainda pior se o Enem substituir o Saeb e, portanto, servir de base para o cálculo do Ideb, segundo o autor.
Para Cordeiro, as notas de redação não deveriam sequer ser combinadas com a prova objetiva, pela “impossibilidade de garantir a homogeneidade da correção das redações nesse processo”.
O pesquisador Rodrigo Travitzki, que analisou o Enem como indicador de qualidade escolar em sua tese de doutorado, também reconhece o problema da metodologia de cálculo das notas do Sisu e afirma que elas são conhecidas na literatura especializada, mas faltam estudos sobre inovações viáveis.
Travitzki não concorda com ideia de excluir a redação da nota final. “É importante que o aluno saiba escrever e pensar por si próprio, não apenas escolher uma entre cinco alternativas. Além disso, as universidades podem escolher quais notas utilizam para compor a média final em cada curso, e considero isso uma característica muito interessante do Enem e do Sisu”, afirma.
Avaliações têm pouco impacto local
Para Travitzki, uma mudança possível e imediata é dar mais atenção ao que se faz com os resultados das avaliações. “Não adianta publicar matérias exaltando a ‘melhor escola’ ou o ‘pior município’, isso em nada ajuda a educação. Um grande desafio agora é pensar em como retornar estes resultados para quem pode, de fato, melhorar a educação no Brasil, ou seja, as escolas e os professores”.
Uma assistência aos municípios e estados permitiria o uso dos resultados das avaliações, na opinião de Maria Helena. “O Inep geralmente divulga os resultados em tabelas, não existe um relatório analítico e pedagógico, e isso empobrece a leitura, a análise e a interpretação dos resultados”, afirma. Para a socióloga, uma análise aprofundada direcionada às escolas e redes de ensino poderia melhorar concretamente a sala de aula, o currículo e as práticas pedagógicas.
Tufi Machado acredita que o sistema de avaliação atual do ensino médio (com Saeb, Censo Escolar e o índice Ideb) é tecnicamente satisfatório, e concorda que os dados gerados poderiam ser melhor aproveitados. Diagnósticos mais específicos poderiam indicar o que os alunos estão aprendendo ou deixando de aprender e isso poderia ser incorporado principalmente pela escola pública.
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