10/02/2014
Em meio à polêmica sobre as biografias não autorizadas, o jornalista Sergio Cabral é uma exceção. Apesar de autor de obras do gênero sobre personalidades do porte de Tom Jobim, Grande Otelo, Ari Barroso e Nara Leão – e outros tantos livros sobre grandes nomes da cultura nacional como Pixinguinha, Elizete Cardoso e Ataulfo Alves – garante que nunca teve problemas com os familiares de seus personagens ou qualquer restrição na hora de relatar momentos não tão positivos da vida deles. Ainda assim, defende ideias como a de que, para escrever sobre a vida de uma pessoa, o autor tem de se despir de caráter, de forma a não sonegar informação e não se deixar limitar pelas dificuldades impostas por familiares ou biografados.
Cabral recebeu a reportagem da revista ComCiência em seu apartamento no Rio de Janeiro e falou sobre seu processo criativo, que sofreu forte influência do jornalismo – começou a carreira profissional como repórter policial do Diário da Noite. Com uma modéstia proporcional à simpatia, falou de seus métodos para coletar informações e mostrou as relíquias que acumulou ao longo dos anos: algumas fotografias e uma peça de enorme valor histórico: um recibo assinado por Noel Rosa – dos tempos em que trocou as redações pela indústria fonográfica.
Qual o seu método de trabalho na hora de escrever uma biografia?
Sou jornalista e me acostumei a trabalhar como jornalista, como repórter. Faço o óbvio: colho os dados e escrevo em cima deles. Não tem nada de especial além de medir minha capacidade de recolher excelentes informações, dados importantes, fundamentais para o trabalho. É o que eu busco.
E qual foi sua biografia mais desafiante? Você escreveu sobre o Tom, a Nara, o Grande Otelo...
E também sobre o Ari Barroso... É difícil dizer. Todas tiveram uma dificuldade. Todas tiveram o seu encanto. Nenhuma me provocou grande sofrimento, até porque todas as biografias que escrevi até agora foram obras que não me levaram a ter qualquer tipo de problema com a família. Na verdade, devo até fazer uma confissão: eu gosto das biografias que me dão mais trabalho, aquelas que oferecem mais substância. Ari Barroso e Tom Jobim foram boas biografias... A da Nara Leão foi muito especial porque eu a adorava. Tinha por ela profundo afeto. Foi mais pelo lado sentimental do que propriamente pelo lado material.
É complicado separar o lado sentimental do lado jornalístico na hora de escrever?
Eu sou um jornalista acima de tudo. Posso amar uma pessoa, mas se eu fizer uma matéria sobre ela... O amor pode talvez aparecer de uma maneira muito sutil. Só outra pessoa (lendo a obra) pode dizer isso (se o sentimento influenciou no texto). Eu escrevo com a frieza de um jornalista sem qualquer caráter. Se tiver de falar mal, eu falo mal.
Você teve alguma dificuldade para falar sobre seus biografados com algum de seus desafetos? Como foi a receptividade?
Não tive dificuldade. Todos os personagens sobre os quais escrevi aparentemente não tiveram grandes inimigos, grandes rivais. Então eu não enfrentei esse problema.
E as famílias? Como elas encaram seus projetos? Contou com aprovação dos familiares desde o início de seus projetos ou chegou a iniciá-los antes de falar com a família?
Comigo, até agora, foi tudo bem. Tive a ajuda de todas: de Tom Jobim, Ari Barroso, Nara Leão. As famílias foram maravilhosas. Nunca tive qualquer problema. Ao contrário, tenho vários pedidos para escrever biografias – de familiares, amigos.
Como as famílias podem contribuir na composição de uma biografia?
Quando elas fornecem material fundamental para você escrever. Quando te dão dados, fotografias. Certas famílias contribuem compartilhando algumas histórias. Fora isso elas não devem influenciar. Realmente até hoje não tive problema com família (dos meus biografados), inclusive problemas como os que aconteceram com outros autores em um passado recente, de lidar com pessoas que apareciam querendo participar depois (da obra publicada) da autoria, do rendimento (financeiro). Comigo ninguém falou sobre isso.
Sobre o trabalho em si: você guarda um caderno com as informações, usa gravador, filma?
Tudo. Sou repórter.
Que outros recursos você usa?
Uso todas as armas (risos). Recorro bastante ao gravador, gravo muito, mas todas as formas (de recolher material) são válidas. Vou a bibliotecas, como a Biblioteca Nacional, pego jornais antigos e o que mais tiver (à mão). Todas as fontes possíveis eu vasculho.
Recibo assinado por Noel Rosa
Como você vê a recente polêmica das biografias não autorizadas? Acha que se encontrar resistência o autor deve desistir do personagem?
Eu poderia responder de uma maneira covarde dizendo: “O problema não é meu, se vire!”. Mas vale para mim o que se diz para um repórter: Se vira!. Você tem um problema? Se vira, meu irmão. Leva a matéria (para a redação). Se você trabalhasse em um jornal e eu te mandasse fazer uma matéria e você respondesse: “a família me causou problemas”, eu responderia: “Não tenho nada com isso. Vai lá e traga a notícia. Não tenho nada com isso. Enfrente seus problemas”. A máxima serve para o jornalista e também para o biógrafo.
Das suas descobertas como biógrafo qual foi a mais prazerosa? Uma coisa inédita...
Descobertas eu tive várias. Mas fico preocupado porque quando alguém me faz essa pergunta eu esqueço. Não lembro agora. Tenho várias descobertas, muitas do Tom Jobim, do Ari Barroso. Em toda biografia você é surpreendido. Ao começar o trabalho você não sabe como as pessoas são inteiramente. Você vai aprender trabalhando.
Você escreveu livros e também biografias. Existem diferenças no método de trabalho ou não?
Não. Quando faço uma biografia é como uma reportagem. Claro que eu procuro caprichar na redação, fazer direito, não errar, escrever com clareza, mas não quero brilhar no ambiente literário. Eu sou é jornalista e me orgulho disso.
Existe algum erro que você possa considerar clássico na hora de elaborar uma biografia? Vale lembrar que nós, da ComCiência, não escrevemos só para jornalistas, mas também para cientistas, que não conhecem tanto a rotina da apuração dos fatos.
A pergunta é ótima e eu gostaria de ter uma resposta maravilhosa. Vamos ver... Estar aberto a surpresas. Por exemplo, Grande Otelo. Quando escrevi sobre Grande Otelo tive acesso a vários documentos e me surpreendeu, por exemplo, como ele escrevia bem. Certos textos dele me surpreenderam. Ele até chegou a ser cronista. Sabia escrever, embora tenha estudado pouco. Talvez isso tenha acontecido por ele ter sido leitor. Ele leu os autores, os romancistas, conhecia os cronistas, como Rubem Braga. Ele realmente tinha esse lado pouco conhecido: sabia escrever. Era alfabetizado, escrevia direito.
Quais assuntos ele abordava?
Coisas da vida, algumas filosofias. Do teatro, do cinema, personagens que ele conhecia.
Você tem o hábito de guardar algum suvenir de seus trabalhos?
Infelizmente não. Esse lado meu é um fracasso.
Se você fosse dar um conselho a um jovem biógrafo, mesmo que viesse de outra formação que não a de jornalismo, qual seria?
Eu sou um repórter. Quando descrevo uma pessoa, quando faço uma biografia, é apenas a ampliação de uma matéria que eu faria sobre ele. Para usar uma linguagem antiga, desconhecida de muitos jovens: ao invés de dez laudas eu uso 150 (no tempo da máquina de escrever, o tamanho de um texto jornalístico se dava por meio de laudas – página de 20 linhas e 60 toques).
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