É por meio da exposição de objetos e experimentos científicos em feiras voltadas para o grande público que o gosto e o interesse pela ciência podem nascer, e que grandes carreiras e futuras inovações podem florescer. Mas afinal, o que é uma feira de ciências? Qual sua origem? Quais são seus significados e possibilidades? Quais são as mais importantes, as mais tradicionais?
De acordo com Marcelo Knobel, pró-reitor de graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e um dos fundadores do Museu Exploratório de Ciências da Unicamp, o objetivo das feiras de ciências é o de despertar a opinião pública para as questões e discussões que envolvem a ciência e sua importância e, naturalmente, atrair, quem sabe, alguns talentos para essa área. “Ao colocar as grandes questões científicas em debate, é possível chamar a atenção para essa atividade tão importante para o desenvolvimento do país”, afirma Knobel. Entretanto, embora a realização de feiras seja um movimento que vem crescendo nos últimos anos, especialistas apontam que a iniciativa não é tão explorada quanto poderia e deveria ser. Entre os desafios e dificuldades estão a falta de recursos financeiros e as deficiências na formação dos professores, sobretudo, na rede pública de ensino.
Uma vida de trabalhos e esforços. É assim que Luiz Ferraz Netto, mestre em Ciência Experimental pela Universidade de São Paulo (USP) e, já há muitos anos, professor das disciplinas de física e matemática,d efine sua carreira e a tentativa de disseminar a cultura das feiras de ciência pelas escolas do Brasil. Autor de diversos livros e manuais na área, Netto lançou em 1999 o site Feira de Ciências , com o intuito de incentivar jovens professores a desenvolver a física experimental e, ainda, criar um espaço ao qual eles pudessem recorrer para oferecer algo de experimental a seus alunos. “Eis a função do Feira de Ciências: tentar minimizar a situação esdrúxula na qual se encontram as escolas brasileiras, por meio do acesso aos experimentos e às instruções para realizá-los. O site apresenta mais de mil projetos, a maioria extremamente simples, como sugestão aos professores e alunos”, explica Netto.
E os resultados têm sido ótimos. Em seus 11 anos de funcionamento, o site vem recebendo a procura de professores e alunos de diversas cidades e estados. “A procura é tão grande que recebo cerca de 30 emails por dia com dúvidas, perguntas e solicitações de maiores esclarecimentos sobre os temas do site”, conta. Além de desenvolver um trabalho de estímulo às feiras na própria cidade em que reside, Barretos, no interior do estado de São Paulo, Netto também vem auxiliando algumas outras a desenvolverem seus projetos, como Ribeirão Preto, também em São Paulo, e Frutal, em Minas Gerais. Atualmente, esse entusiasta das feiras escolares está trabalhando na organização de um projeto no Parque do Peão, em Barretos. “Já construímos um salão redondo de cerca de 120 m² para o Parque da Ciência. Será uma Feira de Ciências permanente, funcionando de terça a domingo, para alunos das redes municipal e estadual, além de escolas particulares, universidades e o público em geral”, adianta.
Netto brincando com um de seus inventos, o Levitron, no laboratório de casa.
Segundo Netto, as feiras de ciências têm um papel fundamental nas escolas e deveriam ser mais estimuladas. Ele próprio, quando criança, foi seduzido pela ciência dessa forma, por meio da experimentação e da realização de projetos. “Quando eu estava no colégio, tinha aulas semanais nos laboratórios de física, química (com o professor Lauro Kfouri) e biologia. E aí nasceu o gosto pela ciência experimental. Hoje, infelizmente, essa realidade praticamente não existe. É difícil encontrar laboratórios de física operantes, tanto nas escolas quanto até mesmo em muitas faculdades”, ressalta. Sua paixão pela ciência experimental é tão grande que, ao longo da vida, foi transformando a casa toda em seu laboratório, que além da oficina propriamente dita, também possui um depósito para armazenar todos os projetos do site.
Cenário internacional
Feiras de ciências, propriamente ditas e reconhecidas como tal, existem poucas, mas é possível encontrar bons exemplos, sobretudo, nos Estados Unidos e na Europa. A Empírika, recentemente realizada na Universidade de Salamanca, na Espanha, e o Festival da Ciência de Gênova, na Itália, são exemplos de feiras que trazem um caráter mais amplo, e acabam mobilizando toda a comunidade. Em Gênova, anualmente, desde 2003, durante uma semana, é possível ter acesso, por exemplo, à apresentação de projetos e trabalhos, discussões, palestras, mesas redondas, shows e teatros científicos.
No âmbito escolar, destinado a alunos dos ensinos fundamental e médio, é preciso citar as feiras realizadas pelo International Movement for Leisure Activities in Science and Technology (Milset), que desde 1987 vem instalando escritórios nos cinco continentes, visando promover o desenvolvimento da ciência e de jovens talentos, e cujo evento voltado para a América Latina, a Feira Internacional de Ciências Expo-Sciences Latin America, de caráter itinerante, já esteve presente no Brasil em duas edições. Além dessa, cabe destaque para a Taiwan International Science Fair, realizada em Taiwan, e a Vernadsky National Contest, realizada em Moscou, na Rússia.
Além dessas feiras, existem também as ligadas aos grandes congressos e encontros científicos, como o da Associação Americana para o Avanço da Ciência, e o da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que trazem feiras anexas com a presença de instituições públicas e privadas e suas iniciativas de ensino, pesquisa e desenvolvimento.
Iniciativas brasileiras
No Brasil, além das feiras ligadas aos encontros anuais da SBPC, outros eventos e exposições merecem destaque. Entre eles, a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), a Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec) – realizada no Rio Grande do Sul há 25 anos –, a Feira Nordestina de Ciência e Tecnologia (Fenecit) e a Inova Senai/Olimpíada do Conhecimento, realizada em todo o país, com etapa final no Rio de Janeiro. Direcionadas a alunos dos ensinos fundamental, médio, técnico e profissionalizante, essas feiras têm o intuito de promover a pesquisa científica e tecnológica e, assim, incentivar novos talentos e tecnologias. Os vencedores têm a possibilidade de se apresentar e concorrer em etapas internacionais: no caso da Febrace e da Mostratec, na Intel International Science and Engineering Fair; e no caso da Inova Senai, na World Skills, ambas realizadas nos Estados Unidos.
Família reunida tem contato com a divulgação científica na Febrace.
Também merecem destaque exposições e feiras permanentes, como a Estação Ciência, da USP, o Museu de Ciências e Tecnologia da PUC de Porto Alegre, o Espaço Ciência, em Pernambuco, o Museu da Vida, da Fiocruz, no Rio de Janeiro, e o Museu Exploratório de Ciências, da Unicamp.
Evolução de feiras e mostras
Segundo Knobel, da Unicamp, as feiras dedicadas a ciências surgiram em meio a diversas outras com a ideia de exposições mundiais, muitas vezes, aliando questões científicas a curiosidades, como apresentações da “mulher barbada”, e de gêmeos siameses, por exemplo. “O nascimento dessas questões sempre foi misturado com algo popular, meio místico e mágico, até surgir a questão científica. Em paralelo, também teve o desenvolvimento dos museus propriamente ditos, que surgiram a partir dos grandes museus de história natural, que traziam bichos empalhados, borboletas, insetos, etc. Ao longo do tempo, houve o desenvolvimento de museus mais interativos, que traziam botões para se apertar, exibiam máquinas em funcionamento, e esses evoluíram para o que a gente conhece hoje como ‘museus de quinta geração’, que exploram o envolvimento dos visitantes. Depois, naturalmente, as feiras se especializaram. Com a expansão das atividades econômicas e industriais, o caráter das feiras de exposição e mostras de ciências acabou se diversificando. Hoje você encontra feiras bastante específicas”, explica Knobel.
Ligadas à indústria e, portanto, com um sentido comercial, com o intuito de atrair o público, as primeiras feiras já exploravam a questão do entretenimento. “A ideia era atrair as pessoas, para que fosse um programa familiar, e até hoje perdura esse conceito. Você faz um show ou traz uma grande celebridade, uma novidade, e aproveita para fazer uma feira. Pode ser alguma novidade tecnológica, ou algum monumento, como a Torre Eiffel em Paris, por exemplo”, destaca Knobel. Construída inicialmente para ser desmontada e funcionar como o arco de entrada da Exposição Universal de Paris, realizada em 1889 para celebrar o centenário da tomada da Bastilha – marco do início da Revolução Francesa –, a torre se tornou não apenas o símbolo principal da exposição, como também um dos principais monumentos do mundo, e nunca mais foi desmontada.
As feiras escolares, ao que tudo indica, surgiram mesmo nos Estados Unidos, em princípios do século XX. Alguns professores americanos começaram a incentivar seus alunos a iniciar projetos científicos individuais e a exibir, depois, para seus companheiros de classe e de estudo. E assim tudo começou!
“No intervalo entre as duas Guerras Mundiais, algumas escolas desenvolveram feiras científicas em suas cidades para expor os trabalhos que mais se destacavam. Esse movimento ganhou impulso rapidamente depois da Segunda Guerra Mundial e, em 1950, surgiu na Filadélfia uma grande feira científica, que abraçou trabalhos de outras treze feiras do país. O sucesso desencadeou a formação de muitas outras, atraindo expositores de mais de duzentas feiras estaduais, e a moda científica tomou uma amplitude mundial, produzindo as feiras científicas internacionais que hoje conhecemos – uma espécie de ‘jogos olímpicos’ para os expositores”, explica Netto. “Nessas primeiras feiras norte-americanas, participavam apenas os próprios alunos da escola e seus pais; a comunidade passou a ser convidada um bom tempo depois. Mas as feiras estaduais já eram abertas ao público em geral. A finalidade básica era, e ainda é, mostrar ao vivo e a cores as coisas que são ensinadas no tradicional quadro negro, permitindo um total mergulho nas raízes dos conceitos científicos em física, química e biologia”, salienta.
Segundo Netto, como no atletismo ou na música, é raro que nas feiras de ciências os primeiros prêmios sejam obtidos por estudantes que participam pela primeira vez. Quase todos os estudantes-expositores aficionados têm participado ano a ano, em cada série, adquirindo, com isso, experiência e conhecimentos acumulados. “Apresentar uma exposição com destaque requer do aluno experiência na realização de projetos científicos e prática nas técnicas de exposição”, diz Netto. Ele conta sua experiência em feiras às quais tem sido com frequência convidado, em muitas, participando como juiz. “Muitos erros cometidos em tais feiras foram anotados (a falta de comunicação com razoável antecipação é um deles), e essas anotações são as bases do trabalho que venho desenvolvendo no site, cuja pretensão é a de minimizar tais falhas. Essa é a parcela de contribuição que venho tentando dar”, revela Netto.
De acordo com Roseli de Deus Lopes, coordenadora geral da Febrace, na década de 1980, havia no Brasil um forte movimento de incentivo à ciência, como os diversos projetos ligados à Ciranda da Ciência, e muitas escolas realizavam suas feiras. Mas, gradativamente, as feiras maiores acabaram perdendo força, e as escolares, perdendo o foco. “Muitas vezes, os alunos não desenvolviam o trabalho com profundidade ou simplesmente pegavam alguma coisa que estava em um livro, implementavam, mudavam e faziam uma demonstração. Isso não é de todo ruim, mas o mais importante para uma feira de ciência na escola é que dê espaço para que as crianças e os jovens possam desenvolver alguma coisa inovadora, mesmo que pequena. E é esse movimento de resgate, esse tipo de projeto mais investigativo, que vimos fazendo no caso da Febrace, desde 2003”, explica Lopes.
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