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Na internacionalização científica, o que diferencia as ciências humanas?
Por Kátia Kishi
14/08/2015
Internacionalizar a ciência brasileira é uma preocupação de muitos pesquisadores e editores científicos. Principalmente, após o anúncio dos novos critérios para permanência e indexação de periódicos na coleção SciELO, feito em setembro de 2014. A SciELO é a principal base de indexação de periódicos do país e agrega duzentas e oitenta revistas brasileiras, além de periódicos de outros 10 países da América Latina e também de Portugal, Espanha e África do Sul.

Entre as suas novas exigências, a internacionalização deve ser atendida até 2016, mas a cobrança é diferente de acordo com cada área. Para biologia, engenharias, ciências exatas e da terra, áreas com tradição em publicações na língua inglesa, 85% dos artigos originais e de revisão devem estar em inglês. Já para as ciências humanas, sociais, letras e artes, a exigência é de 30%, justificada pelo impacto regional das pesquisas e predominância de artigos em português.


Sobre o assunto, o pesquisador e sociólogo da Universidade de São Paulo (USP), Sérgio Adorno, aponta que as áreas não podem ser avaliadas igualmente porque têm suas singularidades. E exemplifica que as ciências sociais, principalmente, não têm necessariamente um objeto material de análise: “A nossa área também trabalha com que? Com comportamento, com ações, com valores, com representações, com sentimentos... Então, o modo de você observar cientificamente esses objetos é muito diferente de você analisar os objetos das ciências naturais”.


Adorno explica que além de objetos de pesquisa, as humanidades também têm gêneros de publicações diferentes de outras áreas, o que pode dificultar a tradução para o inglês. A diferença ocorre porque normalmente as áreas biológicas e exatas se comunicam com a comunidade científica principalmente através de artigos em periódicos, que já têm uma estrutura pré-estabelecida, como introdução, metodologia, discussão teórica e resultados, o que torna a linguagem mais engessada, bem como a escrita para o inglês. Já a produção em ciências humanas e sociais é mais variada e extensa em sua linguagem: “Nós escrevemos artigos em periódicos científicos, sim, mas nós também escrevemos capítulos de livros, capítulos de coletâneas e escrevemos livros. O livro, muitas vezes, nas ciências sociais é o fechamento de um ciclo longo de pesquisa, em que se foi divulgando resultados parciais, justamente através de artigos em periódicos, de artigos em capítulos em livros e assim por diante. Então, temos que considerar que essa singularidade das ciências sociais tem que ser observada e tem que ser respeitada. E, certamente, você avaliar um artigo publicado em um periódico científico é muito diferente de você avaliar um capítulo de livro e avaliar um livro”.


Os desafios da internacionalização no campo das ciências humanas e sociais também foi tema de uma mesa-redonda da última reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorreu em julho na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Nessa discussão, Italo Moriconi, diretor da editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), defendeu que as editoras universitárias também devem lutar para traduzir as obras brasileiras para o inglês, como faz com as produções estrangeiras para o português. Porém, entre os problemas, Moriconi destacou que a língua ainda é um obstáculo para a internacionalizar as ciências humanas e sociais, pois não basta o uso de um “inglês instrumental” como em outras áreas, porque não traduz as reflexões e às vezes palavras específicas que sustentam a lógica de uma argumentação nas humanidades. Esse obstáculo evidencia a falta de profissionais fluentes em inglês e que dominem os conteúdos das pesquisas a serem traduzidas.


Adorno, que também participou do debate,
aponta que as humanidades devem mudar a produção científica quando os objetos forem comuns com outros campos do conhecimento e, assim, colaborar para trabalhos mais completos e com mais diálogo e parcerias entre as áreas de pesquisa. Ele destaca, ainda, que antes de traduzir para o inglês, os pesquisadores e editores devem se atentar em quem é o público leitor das publicações: “Gostemos ou não, a língua inglesa se impôs como uma linguagem na qual você comunica resultados de investigação. Isso não significa que você deva só publicar em inglês. Tem assuntos que você vai querer que seu público de leitores sejam os brasileiros, tem assuntos que você vai querer que seu público de leitores sejam os latino-americano. Então, nesse caso, vale mais a pena você publicar em espanhol. Agora, quando você quer ter uma discussão mais ampla e você sabe que seu trabalho pode influenciar o de pesquisadores que frequentemente publicam em inglês, você tem que escrever em inglês. E, querendo ou não, nos grandes fóruns internacionais, hoje, nas áreas de ciências sociais e humanas, o inglês é uma língua oficial”.