Quase meio século se passou desde que Eugene Garfield, em 1963, publicou sua primeira edição do Science Citation Index. Embora a concepção de ciência como um sistema de comunicação que se constrói sobre as contribuições dos outros ser bem conhecida na época, apenas alguns cientistas apoiaram a ideia visionária de que a literatura científica poderia lidar com o computador como um conjunto de textos ligados entre si por meio de suas referências. Com o tempo, o Science Citation Index se tornaria um dos sistemas de informações científicas mais revolucionários e influentes do mundo, agora chamado de Web of Science.
A ideia de um índice de citação parece simples, mas precisou de muito tempo até que alcançasse um lugar no sistema de comunicação científica: um índice de citação é, no sentido mais simples, um banco de dados de referências entre textos. Através desse mecanismo é possível reconstruir o desenvolvimento de uma ideia através do tempo, e se feito de forma agregada, também é possível analisar o desenvolvimento de todas as áreas científicas. Alguns dos usos que foram atribuídos aos índices de citações incluem as buscas de conteúdo, contagens de publicações, rankings, visualização de interações, historiografia e análise de padrões de citações1.
No entanto, os índices são mais do que mecanismos para buscar e estudar a produção científica. Devido ao seu poder informativo, eles conseguiram ocupar uma posição chave na formulação da política científica, sendo particularmente importantes na avaliação da pesquisa. Atualmente, vários sistemas de avaliação de pesquisa no mundo (incluindo os latino-americanos) incorporam de forma direta ou indireta índices bibliográficos para medir a produção de cientistas e instituições de pesquisa, como, por exemplo, o índice Publindex na Colômbia e o índice Qualis no Brasil. Desta forma, os índices bibliográficos ocupam uma posição privilegiada que lhes dá a autoridade para avaliar a pesquisa.
No mundo todo, vários pesquisadores manifestaram sua insatisfação com a ideia de que os sistemas de avaliação estejam obrigando-os a publicar, cada vez mais, em revistas específicas (a maioria de língua inglesa), e valorizando, de modo desigual, a produção realizada em outros idiomas como o português e o espanhol2. Em várias ocasiões, essa pressão tem sido vista como uma manifestação de questões mais amplas, tais como a relação desigual entre um centro científico, formado por países mais desenvolvidos, e a periferia3, ou a oposição entre os interesses comerciais de grandes corporações e o conhecimento público de acesso gratuito4.
Neste sentido, o surgimento de índices bibliográficos alternativos originados na América Latina, tais como SciELO, RedaLyC e Latindex, tem sido impulsionado, em grande parte, pela necessidade de tornar visível e certificar a qualidade da pesquisa que não é considerada pelo Web of Science ou Scopus. Esses sistemas alternativos foram desenvolvidos com o objetivo de fornecer uma infraestrutura de informática capaz de facilitar a consulta, acesso e análise da produção bibliográfica e, hoje, transcendem os limites da América Latina. Abaixo descrevo, muito sucintamente, esses três índices:
A SciELO é uma biblioteca científica online (Scientific Library Online). É tanto uma base de dados bibliográficos quanto uma metodologia de colaboração descentralizada que permite que diferentes organizações e países compartilhem seus acervos de artigos. Como é um modelo descentralizado, existem vários portais como o SciELO Brasil, SciELO Colômbia, SciELO Chile e SciELO Argentina, que podem ser acessados separadamente ou ao mesmo tempo através do site scielo.org. Essa iniciativa oferece acesso ao texto completo de periódicos em várias partes do mundo. A África do Sul, recentemente, se tornou parte desse conglomerado. A SciELO oferece, além de textos completos, um registro de citações dos artigos em sua base.
O Latindex é o Sistema Regional de Informação em Linha para Revistas Científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal. Ele tem a missão de “difundir, tornar acessível e melhorar a qualidade de revistas acadêmicas publicadas na região, através do trabalho compartilhado”. Ele é composto por um diretório de revistas acadêmicas e culturais em formato impresso ou digital, um catálogo que inclui apenas revistas com certos critérios de qualidade e um link para revistas digitais com acesso completo aos textos.
RedALyC é uma rede de revistas científicas da América Latina e Caribe, Espanha e Portugal. Seu objectivo é “a criação, concepção e manutenção de uma enciclopédia online de periódicos científicos de acesso livre, que funciona como um ponto de encontro para todos aqueles interessados em reconstruir o conhecimento científico de e sobre a América Latina”. As revistas que incorporam esse serviço são avaliadas com os critérios do Latindex. RedALyC oferece acesso ao texto completo de 758 revistas e, aos poucos, começa a implementar ferramentas de análise cienciométrica e de citação.
Esses sistemas, entre outros, pretendem aumentar a visibilidade da pesquisa ibero-americana5 (e agora sul-africana) e também começam a se inserir na avaliação dos sistemas de avaliação de pesquisa. Se os compararmos com o Web of Science e Scopus, as semelhanças se restringem ao fato de serem serviços web dedicados à catalogação de literatura científica que atende a determinados critérios de qualidade. Além disso, a estrutura em que os bancos de dados estão organizados constitui um modelo catalográfico similar, recentemente incorporando citações, classificações e comparações.
Contudo, também existem grandes diferenças entre eles. Uma delas é que os índices alternativos possuem um forte compromisso com publicações de acesso aberto e inclusão de textos integrais6. Isso as torna bibliotecas digitais que atuam como repositórios de conhecimento. Essa vantagem, que as coloca em um nível superior de utilização em relação a outros sistemas de indexação comercial, é o que as torna tão interessantes ao sistema de comunicação da ciência.
Entretanto, na minha opinião, essa grande vantagem não tem sido suficientemente explorada. Embora as organizações e países que apoiam essas iniciativas continuem a desenvolvê-las, torna-se necessário que a comunidade de usuários (leitores, pesquisadores, editores, universidades, bibliotecas, cientometristas) assuma um papel mais ativo na sua utilização. Embora seja verdade que houve ganho de visibilidade e acesso aos textos, é de nossa responsabilidade, como usuários, usar essas fontes de dados de forma criativa a partir do conteúdo construído, inovando as maneiras como utilizamos as informações, de forma a tirar proveito da arquitetura aberta que temos disponível. Como incorporá-la em outros serviços, como operá-la, como inseri-la em outros contextos, como tornar relevante para o mundo, são alguns dos desafios que temos pela frente.
Por outro lado, é necessário analisar em profundidade o efeito dos índices nas práticas de publicação de pesquisadores e editores. Ao estar vinculadas diretamente ou indiretamente ao financiamento da pesquisa, é apenas lógico esperar que os índices alternativos influenciem os padrões de publicação dos pesquisadores e as práticas editoriais. Como eles estão influenciando a pesquisa? Qual o papel que desempenham no sistema de comunicação científica?
Há muitas expectativas e desafios e é provavelmente muito cedo para se fazer suposições sobre o futuro. O que é certo é que a existência de índices alternativos expressa um desejo de informação e seu futuro depende, em grande medida, de como nós, a comunidade de usuários, queremos dar utilidade aos recursos a que temos acesso e que posição tomamos sobre o significado da publicação, em um contexto em que a escrita científica se torna tanto uma contribuição ao conhecimento quanto uma decisão política.
Diego Chavarro é mestre em política científica e tecnológica e doutorando na mesma área na SPRU - Universidade de Sussex, Inglaterra. (*) Este artigo foi originalmente publicado em español e traduzido para o português.
Notas e referências bibliográficas
1. Dado o propósito e extensão deste artigo, sugiro ao leitor o livro editado por Cronin & Barsky (2001) para uma seleção de estudos que utilizam o índice de citação Web of Science (que inclue o Science Citation Index) na história, padrões de publicação, estudos internacionais, avaliação bibliométrica e análise de redes sociais. Também sugiro ao leitor os artigos de A. van Raan (“Scientometrics: state of the art”. Scientometrics, Vol.38, no.1, pp.205–218. 1997) e W.Hood & C.Wilson (“The literature of bibliometrics, scientometrics, and informetrics. Scientometrics, Vol.52, no. 2, pp.291–314. 2001) para uma revisão dos usos da cientometria.
2. Lillis, T. & Curry, M. J. Academic writing in a global context. Abingdon: Routledge. 2010.
3. García Canclini, N. “Industrias culturales y globalización: procesos de desarrollo e integración en América Latina”. In: Foro sobre Desarrollo y Cultura, BID. Paris, Unesco. 1999.
4. Guédon, J. In Oldenburg’s Long Shadow: Librarians, Research Scientists, Publishers, and the Control of Scientific Publishing. ARL publications distribution center. 2001. Disponível online (13/04/2012).
5. A RedALyC recebeu o prêmio de melhor site web latinoamericano 2009 da World Summit Award e o SciELO é o primeiro portal Segundo o ranking de visibilidade web webometrics.
6. O SciELO, por exemplo, promove a adoção de licenças creative commons para as revistas que indexa.
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