Ainda são poucos no Brasil os cursos na área das ciências humanas e exatas que adotam integralmente a filosofia do ensino baseado em problemas (do inglês Problem-based Learning – PBL), mas é possível encontrar experiências pontuais que estão indo nessa direção, principalmente nas áreas que envolvem negócios, educação escolar, arquitetura, engenharia, direito e trabalhos sociais. Disciplinas específicas de cursos de graduação e pós-graduação, cursos a distância, projetos pedagógicos e competições, como as voltadas para estudantes de engenharias, são alguns exemplos. O cenário é bastante diversificado: enquanto algumas são uma mistura de elementos de práticas de ensino, outras parecem ser um passo importante para a implantação do método. Ainda que não o sigam à risca, ajudam a ampliar o debate em torno do tema e têm buscado alternativas ao ensino tradicional, na tentativa de estimular os alunos e de aproximá-los à realidade da profissão.
Um dos poucos exemplos de ensino baseado em problemas fora da medicina é o curso de graduação em engenharia biomédica da PUC-SP. De acordo com Ana Lúcia Manrique, o curso está estruturado de modo a contemplar cinco diferentes eixos temáticos que são tratados de maneira especial em cada ano, e vão se integrando ao longo do curso. “Ao contrário do ensino tradicional, em que os conteúdos de uma disciplina são esgotados em um único período letivo, no PBL esses conteúdos estão distribuídos ao longo dos vários anos, e serão apreendidos conforme a importância dos mesmos na resolução dos problemas”, explica. Manrique conta que foi preciso investir não apenas em estruturas físicas, mas principalmente em recursos humanos, para elaborar o projeto pedagógico e para cuidar da formação dos professores para atuar no curso.
Isto porque a implantação do PBL exige uma concepção diferente daquela exigida para um curso tradicional e as dificuldades são de toda ordem: envolvem questões culturais, práticas, institucionais, financeiras, familiares e pessoais; e os desafios para a implantação efetiva do PBL ainda são muitos. Os pais dos alunos, por exemplo, questionam se a metodologia será capaz de formar seus filhos para o mercado de trabalho; os alunos, por sua vez, demoram para assumir seus papéis, e têm dificuldades em se adaptar ao método; e a instituição demanda muitas reuniões para compreender a estrutura de um curso em PBL e decidir a melhor maneira de implantá-lo. Da mesma forma, também os professores têm dificuldades em lidar com grupos com habilidades diferentes, e em se adaptar à metodologia, que exige uma dedicação maior e que é muito diferente daquela em que eles foram formados. Muitos são vencedores no currículo convencional e, portanto, não veem razão para mudar.
De acordo com Luis Roberto Ribeiro, que recentemente lançou o livro Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL): uma experiência no ensino superior (São Carlos: EdUFSCar, 2008), são muitos os problemas encontrados por aqueles que desejam implantar o PBL, como, por exemplo, falta de apoio da alta-administração escolar; conflito com diretrizes e normas tradicionalmente estabelecidas, como a exigência de provas dissertativas individuais; currículos abarrotados; avaliações de programas do tipo do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) que testam a capacidade de memorização dos alunos, e não necessariamente de seu aprendizado; avaliação de desempenho docente pautada na pesquisa; falta de estrutura física; uma cultura positivista da instituição, que valorize o conhecimento científico frente aos conhecimentos da prática e/ou tácitos; e o entendimento de que a prática profissional resume-se à aplicação de modelos fixos e acabados, fornecidos pela pesquisa científica.
“Certamente existem dificuldades práticas, como a necessidade de construção de laboratórios, bibliotecas e ambientes que possibilitem o tipo de interação aluno-aluno e aluno-tutor inerente ao PBL, a realocação de carga horária de professores, para que possam atuar como tutores, sem mencionar a concepção do currículo em torno de problemas, a concepção dos próprios problemas, o dimensionamento do tempo necessário para sua resolução (estudo autônomo dos alunos), a reelaboração das disciplinas de suporte (modelo híbrido) para que informem os problemas que estão sendo trabalhados no momento de sua oferta. As dificuldades práticas não são poucas, mas acredito que não sejam intransponíveis, se há comprometimento de administradores educacionais e professores”, complementa Ribeiro.
Na área das ciências humanas, USP e Unicamp vêm esboçando alguns esforços no sentido de adotar a filosofia do PBL, ainda que em ações pontuais. De acordo com José da Silva Simões, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, várias práticas que vêm sendo adotadas pela faculdade podem ser entendidas como PBL. Embora a filosofia não seja inteiramente adotada, essas atividades são um passo importante para a adoção do método porque levam em consideração o fato de que não só as aulas presenciais são responsáveis pela formação de profissionais mas, também, outras atividades paralelas, muitas vezes à distância. Simões vem aplicando conceitos do PBL em disciplinas na licenciatura em letras, com habilitação em alemão, e com seus orientandos de iniciação científica. “Como a maioria dos alunos da habilitação só aprende essa língua na própria graduação, pensei que talvez pudesse ajudá-los a entender a sua formação como futuros professores, a partir da prática de docência, entendida como uma situação problema”, explica.
As novas tecnologias de informação e comunicação, as chamadas TICs, são ferramentas que auxiliam os cursos estruturados em PBL. Ferramentas como MSN, Skype, Moodle, e ambientes virtuais de aprendizagem especialmente desenvolvidos para esse fim contribuem com a interação dos alunos, com a multidisciplinaridade e a flexibilidade cognitiva exigidas pela metodologia. “Tenho usado muito a plataforma Moodle em meus cursos e percebi que esse é um instrumento poderoso de comunicação entre os membros de uma comunidade. Ainda quero desenvolver melhor o uso dessa plataforma. Diante do grande potencial da rede de informações, sinto-me novamente um profissional em formação. Vou aprendendo com meus alunos. Dividimos o nosso conhecimento (para a soma) e vamos aprendendo”, conta Simões.
A professora Inês Signorini, do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, conta que também está utilizando alguns conceitos do PBL em suas disciplinas, como a de Teorias da Interpretação. Por meio de problemas de interpretação propostos logo no início do curso – que vão sendo desenvolvidos com o auxílio de bibliografia – os alunos são estimulados a entender melhor, por meio de debates, a teoria envolvida na disciplina. De acordo com Signorini, o Departamento de Linguística Aplicada do IEL aprovou recentemente uma proposta de um curso de graduação baseado em metodologias ativas, sobretudo em PBL, que está sendo avaliada pelo instituto, e não há, portanto, prazo para ser implantado. Caso seja aprovada, a graduação em Linguagens e Interfaces da Comunicação será oferecida em parceria com o Instituto de Computação da Unicamp, ou seja, um curso interdisciplinar, que envolve conceitos da computação e da linguística – totalmente diferentes, e bastante complexos – e que demanda uma forma distinta de abordagem.
Ainda que, prioritariamente, os cursos que estão adotando o PBL de maneira mais expressiva sejam os da área da saúde, os entusiastas da metodologia defendem que qualquer curso pode adotar os preceitos da Aprendizagem Baseada em Problemas, bastando para isso empenho e dedicação. “Da raiz do nome é possível depreender o ideal que deveria permear todo e qualquer processo de aprendizagem, em nível escolar ou universitário: o ideal da pesquisa, da aprendizagem baseada no questionamento sobre problemas que se apresentam, na discussão entre pares e na troca entre o conhecimento daqueles que, num determinado nível, se mostram mais experientes com os educandos e formandos”, afirma Simões. Para Maria Carolina Sanchez, gerente do Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo (Insper, antigo Ibmec), “as pessoas tendem a dar respostas voltadas a esse ou aquele conteúdo. Na minha experiência, os cursos com mais facilidade de adotar PBL são aqueles ministrados por docentes que “compraram” a filosofia – não só em termos de formato, mas de epistemologia de ensino”. Atualmente, a instituição utiliza o PBL como técnica de ensino em diversas disciplinas de graduação e pós em administração e economia, mas planeja adotar a metodologia integralmente em seus currículos a partir de 2011.
Estudantes de engenharia têm experiências que aproximam teoria e prática
Muitos cursos de graduação não aplicam a metodologia do PBL, mas têm buscado alternativas para estimular os alunos e aproximá-los da realidade da profissão e da comunidade que os cerca, adotando iniciativas bastante próximas aos conceitos e práticas do PBL. Um bom exemplo são as competições promovidas pela SAE Brasil (Sociedade de Engenheiros Automotivos) que agitam anualmente os estudantes de engenharia de todo o país: a competição Baja SAE Brasil, a SAE Brasil Aerodesign, e a Fórmula SAE Brasil. Nessas competições, as equipes são compostas geralmente por estudantes de diversas áreas da engenharia e por um professor orientador, que auxilia os competidores no desenvolvimento dos protótipos, que leva em média um ano para ser realizado.
As estudantes Keren Dantas, da equipe Baja da Escola Politécnica da USP, e Mariana Cunha Firmino, da equipe Baja Unicamp, contam que o desafio na modalidade Baja é projetar e construir o protótipo de um carro off-road. Como as equipes são compostas por estudantes de diferentes períodos, é comum que eles ainda não tenham tido acesso ao conteúdo teórico necessário para a construção dos protótipos, o que faz com que a teoria seja buscada conforme vão surgindo as necessidades para a resolução dos “problemas”, o que na maioria das vezes, acontece antes que a teoria envolvida tenha sido estudada.
Para Ribeiro, embora essas experiências se pareçam com a metodologia do PBL, na realidade, elas apenas ilustram o que poderia ser feito nas engenharias caso a metodologia fosse adotada. “Parece-me que essas estratégias de aprendizagem se assemelham ao PBL na medida em que envolvem processos de resolução de problemas e de tomada de decisão, e buscam, de forma sistematizada, o desenvolvimento de habilidades e atitudes profissionais desejáveis. Muitas delas não são necessariamente associadas ao conhecimento específico do curso que os alunos fazem; entretanto, a diferença entre o PBL e essas atividades, creio eu, está na essência desta metodologia: no PBL os problemas (melhor dizendo, desafios) são sempre apresentados antes da teoria necessária para resolvê-los”, explica Ribeiro. No caso das competições isso ocorreria apenas ocasionalmente. |
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