O tema “resíduos sólidos domésticos” tem recebido crescente atenção dos educadores ambientais, principalmente em atividades escolares. É um tema de grande interesse não só pela sua universalidade (todos geram lixo), como também por possibilitar, nas escolas, ricas alternativas de trabalho interdisciplinar. No entanto, isso vem ocorrendo não sem equívocos e distorções que se dão tanto pela complexidade do tema como pela falta de informação adequada sobre ele.
Em primeiro lugar é importante que os educadores tenham presente que, no Brasil, a gestão dos resíduos sólidos domésticos é marcada por significativas diferenças regionais, no que concerne à coleta, ao tratamento e à destinação final. Pode-se dizer que poucas são as cidades em que há um serviço adequado oferecido pelas prefeituras. Os vazadouros como destino final, por exemplo, ainda predominam. Vale lembrar também que uma boa gestão de resíduos é cara, principalmente se incorporar os necessários aterros sanitários.
Estamos, porém, longe de equacionar – e há neste sentido enormes dificuldades históricas e sociais – o financiamento desses serviços. A cobrança de taxas através do IPTU não é adequada, entre outras razões por termos, sobretudo nas grandes metrópoles, um significativo número de residências não cadastradas, e mesmo irregulares, que de igual modo demandam pelos serviços de limpeza pública. Além disso, sabemos que a taxa é uma forma injusta de cobrança, já que não leva em conta a quantidade de resíduos gerada. Retirar do orçamento municipal os recursos necessários para cobrir os custos do sistema acaba comprometendo outras obrigações municipais, como saúde e educação.
Convém não esquecer também que, nas médias e grandes cidades brasileiras, o percentual do orçamento municipal destinado aos resíduos sólidos domésticos já é alto mesmo com serviços inadequados. Pelos meios de comunicação é possível perceber as dificuldades político-administrativas que o setor enfrenta pela falta, não insignificante, de lisura nos contratos de serviços e compras, o que vem encarecê-los ainda mais.
Assim, quando falamos em educação ambiental na área de resíduos sólidos, é necessário primeiramente que se saiba, e se repasse, quais são as possibilidades e as dificuldades do setor, e qual a exeqüibilidade das ações propostas e mesmo incentivadas. É importante ter bem claro o que realmente se pode realizar no contexto atual dos municípios brasileiros. O educador ambiental voltado para a questão de resíduos sólidos municipais precisa entender o que é e como deve funcionar um sistema de limpeza urbana em toda a sua complexidade.
É fundamental desenvolver atividades de educação ambiental no sentido de motivar uma maior participação do cidadão no sistema de limpeza municipal, mostrando-lhe as conseqüências ambientais, econômicas e sociais de atos simples e diários como o correto acondicionamento de nossos resíduos, a observância dos horários de coleta, o não jogar lixo nas ruas, o varrer e conservar limpas as calçadas – medidas que há décadas são incentivadas, sem grande sucesso. Sabemos que isso seria decisivo para uma eficiente gestão municipal de resíduos. A síntese dessa linha de trabalho de educação pode ser encontrada no clássico mote “cidade limpa, cidade civilizada”.
Outra linha de atuação dos educadores ambientais tem sido buscar, através dos resíduos sólidos, uma reflexão sobre nossa sociedade industrial consumista e as conseqüências ambientais advindas da sua crescente necessidade de utilização dos recursos naturais. Apesar de ser uma temática decisiva e urgente, não se deve isolá-la da temática “cidade limpa”. Cabe lembrar que países com alto e sofisticado padrão de consumo são os que melhor equacionaram a gestão de seus resíduos – inclusive com eficientes procedimentos de coleta seletiva e reaproveitamento de materiais – principalmente os que desenvolveram mecanismos de financiamento do sistema através da tarifa. Fazem com o lixo o que só logramos alcançar, não sem dificuldades, com a água e a luz: pagar pelo que se produz ou se consome. Não descuidam, certamente, da educação e fiscalização direcionadas à “cidade limpa”.
Uma perspectiva crítica da sociedade de consumo não pode deixar de lado os problemas do nosso dia-a-dia. Muitos educadores ambientais focam temas como a coleta seletiva, o consumo consciente, a reciclagem industrial, a inclusão social de catadores, etc., elementos importantes na gestão municipal de resíduos, esquecendo-se, muitas vezes, de que não são um fim em si mesmos.
É possível ter um bom sistema de limpeza urbana sem coleta seletiva e inclusão de catadores, e ter um inadequado com estas atividades. Vejamos o caso do Brasil: o país é um dos maiores recicladores do mundo, não pela excelência de seus sistemas de coleta seletiva, mas pela existência de milhares de catadores miseráveis que recolhem materiais nas ruas e nos locais de destino final. Não poucas vezes se incentivam onerosas coletas seletivas em cidades ainda carentes de um sistema adequado de coleta domiciliar e destino final. Como justificar esse tipo de coleta, não raro com custos acima de R$ 400 a tonelada, em cidades sem aterros sanitários? Certamente não com a descabida, mas freqüente, concepção de que ela pode dispensar os aterros sanitários.
Assim, é importante que, na educação ambiental, não tenhamos a questão dos resíduos voltada basicamente para a crítica socioambiental, para o modelo produtivo, ainda que em nome de defensáveis teses e utopias sociais. Certamente o tema “resíduos sólidos” nos ajuda a desenvolver, e mesmo a visualizar, essas relevantes questões. Entretanto, o cotidiano da limpeza urbana é também uma realidade a ser discutida e enfrentada independentemente de diferenças sociais ou políticas. Demanda, como dissemos, práticas adequadas por parte de um cidadão educado, balizadas por competentes ações municipais dentro dos orçamentos existentes.
Que mudanças teríamos em nossas cidades se varrêssemos regularmente nossas calçadas, complementando os serviços municipais? Se não jogássemos tanto lixo nas ruas? Se disponibilizássemos materiais recicláveis em postos de coleta voluntária voltados para o apoio à inclusão social? Se onde houvesse espaço ressurgisse a prática da compostagem doméstica? Os ganhos ambientais e econômicos seriam logo percebidos.
Contudo, vale frisar, é preciso que os educadores ambientais discutam e orientem o seu público, distinguindo (apesar das óbvias conexões) a realidade imediata a que estamos atrelados, com suas necessidades cotidianas, daquela que se tenciona construir. Cuidar do lixo é também uma questão estética, de ordenação urbana, e quando isso não é feito, compromete-se a auto-estima e até mesmo a dimensão moral da população, necessárias para sustentar discussões e planejamentos de longo prazo. O compromisso com o imediato e a necessidade de se pensar melhores dias podem ser compatibilizados no mundo do lixo, mas não confundidos.
Emílio M. Eigenheer é coordenador do Centro de Informação sobre Resíduos Sólidos da UFF e professor da UERJ
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