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José Sebastião Witter
Entrevistado por Carolina Cantarino. Foto: Eduardo César/Pesquisa Fapesp
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Entrevistas
José Sebastião Witter
Estudar o povo brasileiro. Foi com essa orientação de Sérgio Buarque de Holanda que o historiador José Sebastião Witter aceitou o desafio, ainda nos anos 1970, de se debruçar sobre uma temática até então inédita no âmbito da academia brasileira: o futebol.
Carolina Cantarino. Foto: Eduardo César/Pesquisa Fapesp
10/08/2006 No início da década de 1990, o historiador foi diretor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), da USP e, em 1994, assumiu a direção do Museu Paulista (mais conhecido como Museu do Ipiranga). Nesta entrevista para a ComCiência, Witter fala da paixão dos brasileiros pelo esporte e dos desafios contemporâneos postos para o futebol.

ComCiência - O senhor foi o primeiro historiador brasileiro a pesquisar sobre o futebol. Ainda nos anos 1970, ministrou o primeiro curso de história do futebol na USP e, mais tarde, escreveu obras como O que é futebol (da Coleção Primeiros Passos) e Breve história do futebol brasileiro. Como foi para o senhor trabalhar com um assunto até então visto com certo preconceito pela academia? O que o levou a estudar o futebol? Quais foram os principais desafios?

José Sebastião Witter - Foi um grande desafio, mas sempre gostei de enfrentar desafios. Não foi nada fácil porque eu era até mal visto e considerado um “jogador de segundo time”. Porque eu aprendi com Sérgio Buarque de Holanda que era necessário estudar o povo brasileiro e há coisa que venha mais do povo do que gostar do futebol? Hoje as coisas estão mudando, mas lá em 1970 o futebol era do povo e o Brasil era o país do futebol. Talvez os maiores desafios foram convencer algumas pessoas que tinham o poder de decisões em apresentações de trabalho em congresso a aceitar temas tão inusitados. Problemas da Academia. Mas, eu acho que estava certo, pois hoje inúmeras teses são defendidas em todas as áreas do saber; da educação física à filosofia... Creio que, ao arriscar, abri um caminho novo e muito frutífero.

ComCiência - Diante da inegável importância do futebol para a sociedade brasileira, e do seu rico universo de significações sociais, políticas, históricas, culturais e econômicas, há quem diga que o tema ainda é pouco estudado no Brasil. Para muitos, isso adviria do fato de que, já que todos os brasileiros "somos treinadores" ou "entendedores de futebol", gostamos de discutir, mas não queremos ler sobre o assunto. Qual a sua avaliação sobre esse tipo de diagnóstico? A produção acadêmica ou mesmo literária, sobre o futebol, é escassa no Brasil?
Witter - Tenho uma visão diferente. Acho que se escreve bastante sobre futebol e já são inúmeras as teses defendidas em diferentes universidades. O mais difícil, talvez, seja publicar porque não se vende muito livro de qualquer espécie no país (os livros são muito caros) e em especial os de futebol. Para fazer um livro que chame atenção são precisas muitas fotos e as imagens encarecem as obras. E quem mais gosta de futebol não tem dinheiro para pagar um livro de 70 ou cem reais, não é verdade? Por outro lado, os diferentes programas de futebol nas rádios e TVs satisfazem os torcedores, ainda mais aqueles que gostam de ver os gols, que são, atualmente, mostrados por muitos ângulos e muitas câmeras. É pena que não se possa baratear os livros e animar os torcedores a ler as obras escritas sobre o "jogo da bola".


ComCiência - Os brasileiros são apaixonados por futebol e, durante a Copa do Mundo, a capacidade desse esporte em mobilizar o país se torna mais visível. Na sua opinião, por que os brasileiros gostam tanto de futebol?
Witter - Difícil encontrar uma causa para os brasileiros gostarem tanto de futebol. Como a formulação da pergunta nos conduz a pensar em paixão, é melhor responder que paixão não se explica. Gostaria de acrescentar que nos dias atuais parece que o mundo se apaixonou por futebol. A prática do esporte é universal e o amor por ele também. Basta acompanhar os campeonatos europeus e observar a quantidade de torcedores nos estádios para se chegar a essa conclusão. Mas, uma explicação para a paixão de tantos é que o futebol é um jogo bonito e muito simples em suas regras. Além disso, por mais que o torcedor assista a muitos jogos durante um único final de semana, por exemplo, ele não se enjoa porque nenhuma das partidas é igual à outra.

ComCiência - Introduzido em São Paulo no final do século XIX como um esporte de elite, o futebol foi, ao longo do século XX, se popularizando e se tornando uma paixão compartilhada por todas as camadas sociais. Sua trajetória histórica também é marcada pela profissionalização e, nos tempos atuais (e principalmente durante a Copa do Mundo) se discute muito o futebol como fenômeno de marketing, como negócio globalizado regido por grandes empresas. Nesse contexto do futebol mundializado, muitos clubes pequenos, por exemplo, estão desaparecendo. Como o senhor avalia esse cenário contemporâneo? Quais seriam as implicações disso para a memória do futebol brasileiro?
Witter - Uma pergunta muito difícil de responder; diria quase impossível. Não que especialistas não possam fazê-lo. Porém eu, como professor de história e muito apaixonado pelo futebol que vi nascer e que pratiquei até os meus 50 anos (amador por excelência), não sei raciocinar com as vultosas somas que de se ouve falar, em especial pela imprensa. Não consigo avaliar o que são as cifras dessas transferências milionárias de jogadores, os montantes dos salários pagos por firmas ou grupos de empresários que até garantem, como sempre é dito, convocações de muitos dos atletas para as seleções de seus países e mesmo a escalação de algumas estrelas sem que elas estejam bem física e psicologicamente. Por outros ângulos, é preciso ter em conta o excesso de profissionalismo entre os atletas enquanto buscam os seus salários e o pouco profissionalismo em alguns quando se trata de empenho e determinação durante uma disputa como a Copa do Mundo. Pergunta que nunca será respondida: o que se passou nos bastidores da Seleção Brasileira na Copa de 2006?

A tendência do mundo contemporâneo é a hegemonia do capital. Isso leva aos mais poderosos a absorção dos pequenos. Como falamos de futebol, as grandes organizações futebolísticas tendem a comprar os passes dos jogadores bons (até potencialmente) quando esses ainda são muito jovens e a mantê-los com o pagamento de altos salários. Os pequenos clubes sequer conseguem manter um jogador razoável por pouco tempo porque há, com a “mundialização” das notícias e dos esportes, a motivação para que, cada um que jogue um pouco, querer atingir patamares elevados. Mas essa mundialização não é só no futebol, infelizmente.

O cenário para a memória do futebol brasileiro se alterará, quem sabe, na questão da Seleção, se os dirigentes brasileiros não souberem cuidar dela da forma mais profissional possível. É preciso encarar com muita seriedade o futuro no que diz respeito à seleção. Se pensarmos nos clubes, no entanto, ou pelo menos nos médios e grandes clubes o Brasil vai bem. E deverá ter futuro muito promissor. Basta que os diretores de cada clube sejam mais responsáveis e pensem no Brasil e não em somas astronômicas para comprar jogadores que não poderão ser mantidos pelos salários atualmente exigidos pelos jogadores. A memória e a História, se não pensarmos em conquistas espetaculares, sempre será mantida e recuperada pelas diversas gerações. Afinal 'tudo é história'.