Egito: a origem
A busca pelo divino marca a história do homem. Os mais antigos cheiros conhecidos são os da fumaça que exalava da queima de madeiras, especiarias, ervas e incensos. Essa prática explica a origem latina da palavra perfume: per (através) e fumum (fumaça), através da fumaça. A origem do perfume se deu a partir de 3.000 a.C., no esplendor da civilização egípcia. Os egípcios eram politeístas, ou seja, adoravam vários deuses, e os homenageavam em ricos rituais. Acreditavam que seus pedidos e orações chegariam mais rápido aos deuses se viajassem nas nuvens de fumaça aromática que subiam aos céus. Acreditavam na reencarnação, e reservavam as fragrâncias também aos mortos. Grande quantidade de aromas acompanhava a passagem desta para outra vida, ao encontro com os deuses, e o corpo do morto devia ser conservado tão inalterado – e perfumado – quanto possível. Mirra, musgo de carvalho, resina de pinho, entre outros ingredientes com propriedades anti-microbianas, eram utilizados no ritual de mumificação, cujos incríveis resultados são admirados até hoje.
Abalastros, 3100 a 1785 a.C
Frascos usados para preparação de ungüentos
Grécia
A mitologia ilustra a importância do perfume na cultura grega, e a história confirma esse fato. Por volta de 800 a.C., as cidades de Atenas e Corinto já exportavam óleos de flores e plantas maceradas: rosa, lírio, íris, sálvia, tomilho, manjerona, menta e anis. Desde então, os aromas eram populares entre os gregos, que cultivavam a arte de utilizar óleos perfumados. Usados pelos atletas e amados pelos poetas, esses preparados tornavam ainda mais atraentes as mulheres de Atenas. Os gregos apreciavam incensos e fórmulas aromáticas, e acreditavam atrair a atenção dos deuses ao usá-los. Eles usavam perfumes até mesmo na comida: pétalas de rosas moídas eram ingredientes de receitas sofisticadas e o vinho era aromatizado com mirra, essências de flores e mel perfumado. Uma lenda cita o buquê favorito de Baco, deus do vinho: violetas, rosas e jacintos adicionados à bebida.
Babilônia
Por volta de 650 a.C a cidade da Babilônia, na Mesopotâmia, tornou-se o centro comercial de especiarias e perfumes da época. Conquistado dois séculos mais tarde por Alexandre, o grande, rei dos persas, o império caldeu tornou-se parte da civilização helênica. A influência persa na vida grega incentivou a apreciação de plantas exóticas e o uso de perfumes e incensos. Alexandre entregou sementes e mudas de plantas da Pérsia ao seu professor em Atenas, Teofrasto, que criou um jardim botânico e foi autor do primeiro tratado sobre cheiros. Esse livro detalhava receitas de preparados aromáticos e perfumes, descrevendo prazos de validade e indicando usos terapêuticos. O texto diz que os perfumes deviam ser protegidos do sol, pois a luz e o calor alteravam seu odor. Essa lição é válida até hoje. Após sua morte aos 33 anos, Alexandre foi cremado em uma pira carregada de olíbano e mirra. Graças à riqueza de alguns manuscritos, resgatados pelo historiador Heródoto, conhecemos as primeiras experiências na extração de cheiros de pétalas e folhas, e de seus usos e funções no preparo de ungüentos, loções e perfumes.
Cleópatra
Cleópatra, última rainha do Egito, representa o símbolo da sedução com seus rituais perfumados. Além de conquistar o coração do general romano Marco Antônio, conseguiu dele a promessa de uma aliança com Roma. Ao que parece, ela era muito mais atraente do que propriamente bonita, e sabia, acima de tudo, como perfumar-se. Untava-se com essências aromáticas dos pés à cabeça, criava em torno de si uma aura perfumada e recebia Marco Antônio em uma cama repleta de pétalas de rosas. Seus requintes eram incríveis: ela impregnava de odor de rosas até as velas de seu barco, e viajou ao encontro do amante inteiramente untada de óleos perfumados, como uma deusa em forma humana, deslizando sobre as águas. Deixava-se admirar recostada no trono de seu barco, que era envolto em nuvens de incenso. Em sua célebre visita a Roma, a rainha do Egito deixou um rastro de rosas por onde passou, e em sua última noite no mundo dos mortais, antes de envenenar-se, banhou-se e perfumou-se da cabeça aos pés com as mais finas fragrâncias. Quando os soldados romanos a encontraram morta em seus aposentos, ainda puderam sentir seu perfume inebriante, feito sob encomenda para seu status real.
Cleópatra untava-se de essências aromáticas dos pés à cabeça
Império Romano
O vasto império conquistado pelos romanos contribuiu muito para a expansão da perfumaria, pois eles consumiam aromas de maneira intensa. O comércio de matérias primas perfumadas foi estimulado pela criação de rotas comerciais para a Arábia, Índia e China. No período imperial, o gosto dos romanos por incensos e perfumes passou dos limites imagináveis, e criou um desequilíbrio na balança de pagamentos do império. Aproximadamente 500 toneladas de mirra e 250 toneladas de olíbano chegavam a Roma pelo mar. Até os cavalos eram perfumados! No século III, Roma se tornou a capital mundial do banho, luxuoso ritual jamais visto em qualquer outra cultura. O banho incluía poções aromáticas variadas. Os cidadãos mais ricos tinham até as solas dos pés perfumadas por escravos. Na cidade podiam ser encontradas mais de 100 casas de banho públicas e privadas, freqüentadas por todas as classes sociais.
Mercadores de cultura
Os árabes foram muito celebrados por suas maravilhosas descobertas, como a bússola e a álgebra. Eles ofereceram à humanidade o primeiro alambique, graças ao alquimista Avicenna, que criou a serpentina de resfriamento. Ele descobriu o método da destilação e preparou a primeira água de rosas do mundo, isolando o perfume das pétalas em forma de óleo (o attar, produzido na Síria). Esse conhecimento, que foi sendo transferido de geração em geração, representou um grande passo na história da perfumaria. Seu apogeu foi na Idade Média, quando os árabes desenvolveram técnicas de destilação de plantas em larga escala. Logo depois, os chineses conseguiram extrair álcool etílico do vinho. O aperfeiçoamento da destilação aconteceu na Itália em 1320, e permitiu a produção regular de álcool a partir da Renascença. Os Cruzados difundiram pelo ocidente as fragrâncias originárias do mundo árabe, resgatando sua influência nos hábitos da população. Eles voltavam das batalhas com preciosidades exóticas na bagagem: especiarias, ungüentos perfumados e essências variadas.
Idade Média
Durante a Idade Média, a perfumaria ficou adormecida. Havia apenas vestígios de medicina e farmácia praticadas com ervas aromáticas nos mosteiros. Neles, os jardins tiveram grande importância para o estudo e a descoberta das propriedades terapêuticas das plantas. A descoberta do álcool foi especialmente útil para fins terapêuticos e de higiene, pois muitos dos extratos alcoólicos vegetais eram usados na luta contra as epidemias, como a peste negra — que assolou a Europa durante séculos, a partir de 1347. Os extratos alcoólicos, contendo alecrim e resinas, eram administrados por via oral com fins medicinais. Pelas crenças da época, o banho devia ser evitado a qualquer custo, pois a água era considerada uma fonte de contaminação. Hoje se sabe que os agentes transmissores da peste eram as pulgas dos ratos. As pesquisas prosseguiram nas destilarias, e levaram aos processos de extração de diversos óleos essenciais.
Renascença
O acúmulo de riquezas vindas do comércio feito durante os séculos XIV e XV levou a prosperidade às cidades italianas, como Florença, o que estimulou grandes investimentos nas artes. A Officina Profumo di Santa Maria Novella, fundada oficialmente em 1612 em Florença data de 1221, quando os frades dominicanos iniciaram as atividades da farmácia que produzia essências, pomadas, bálsamos e outras preparações medicinais. Muitas dessas fórmulas, produzidas até os dias de hoje, foram estudadas durante a corte de Catarina de Médicis, nobre florentina que se mudou para a França em 1533, para se casar com o Rei Henrique II. Na caravana que acompanhou Catarina estava seu perfumista pessoal, Renato Bianco, conhecido como René Blanc, le florentin. René Blanc deu à França as primeiras lições na arte da perfumaria, e fundou a primeira boutique de perfumes em Paris, dando um impulso decisivo para a produção e comercialização de produtos aromáticos. A opulência, o esplendor, a extravagância e o refinamento surgiam nas famílias aristocratas e tomavam conta da corte européia. Nascia assim a Renascença. O interesse pela medicina e pela saúde cresceram, estimulando novos hábitos de higiene.
Grasse
Os perfumes de Catarina de Médici eram feitos em Grasse, pequena cidade no sul da França, aos pés dos Alpes mediterrâneos. Grasse era então um centro da indústria de couro, e até aquele momento, não existia nenhum produto para limpar e perfumar o couro, especialmente o das delicadas luvas das senhoras. Desenvolveu-se então uma arte refinada, tarefa dos maîtres gantier parfumeurs (mestres perfumistas de luvas), que prosperaram em torno de Grasse. Aos poucos, a era das águas perfumadas com flores foi cedendo espaço a composições à base de almíscar. A preocupação com a higiene e os cuidados com o corpo permanecia. Também considerava-se importante o cultivo de jardins, capazes de repelir os odores pestilentos comuns na época. Luis XIV, o “Rei Sol”, que era muito sensível a odores, tinha um perfume para cada dia da semana. Em sua corte, rosas e flores de laranjeira eram usadas para perfumar luvas, e os sabonetes de óleo de oliva faziam parte da higiene diária. As fragrâncias apreciadas por Luís XIV eram produzidas no sul da França. Grasse era a cidade do perfume, e tinha muitas vantagens geográficas para isso: a Provença tinha jardins em que as plantas do Oriente e da península ibérica cresciam maravilhosamente — especialmente as frutas cítricas e as flores, como rosa, cravo, tuberosas e jasmim.
A corte perfumada
Os centros culturais dessa época estimularam a difusão do perfume por toda a Europa. Na França, esse conceito foi intimamente associado ao rei Luis XV e à sua amante, Madame de Pompadour. Sua “corte perfumada" ditava a moda, a beleza e a arte da época, e era fiel ao estilo rococó. Com seu generoso estímulo, a realeza encorajou a prosperidade de Grasse, e a cidade passou então da fase artesanal para a de indústria da perfumaria. Com a descoberta de novas técnicas de extração de matérias primas perfumadas, muitas fábricas se desenvolveram nessa região. Mme. de Pompadour usou seu poder para influenciar a corte de Versailles, e estimulou a popularização do banho. Ela gastava horas no toalete; banhava-se com sabonetes de lavanda, outras flores e ervas. Usava adstringente e incrementava o penteado com pomadas perfumadas. Ela sempre tinha um vaso de jacinto ao seu redor. Incensários e recipientes de porcelana para potpourri encontravam-se espalhados pelos seus aposentos. A rosa era o elemento principal da maioria das fragrâncias, misturada à lavanda, ao cravo, noz-moscada, musgo de carvalho e íris. Violetas também eram muito apreciadas. As luvas tinham perfume de neróli, o óleo da flor de laranjeira.
Napoleão
No início do século XVIII foram lançados diversos livros sobre plantas, abordando inclusive o uso medicinal dos perfumes. O sueco Carl von Lineu foi um dos primeiros a desenvolver um sistema de classificações de odores. Em 1714, o italiano Giovanni Maria Farina, conhecido depois como Jean-Marie Farina, registrou na cidade de Colônia, na Alemanha, um produto batizado com o nome de Kölnisch Wasser (Água de Colônia). A Água de Colônia era feita com essências naturais da Itália: neroli, bergamota, lavanda e alecrim diluídos em álcool neutro. Começava então a jornada mundial da água de colônia, que é comercializada até hoje pela Roger Gallet. Mais tarde, em 1790, surgiu a célebre Kölnisch Wasser N* 4711, criada por Mülhens. Com a Guerra dos Sete Anos, a cidade de Colônia tinha um grande movimento: as tropas francesas estacionaram lá e a “água” de Farina ganhou um excelente "garoto propaganda": Napoleão Bonaparte. De acordo com a história, Napoleão despejava todas as manhãs um frasco inteiro de Água de Colônia sobre a cabeça.
Produzido em 1794, foi desenvolvido especialmente para ser levado dentro da bota de Napoleão Bonaparte, mesmo quando ele estava em batalha |
Despertar perfumado
A França ganhou fama mundial pelas essências e matérias-primas produzidas em Grasse, o que motivou a formação de empresas produtoras de fragrâncias sólidas e tradicionais. O mercado foi crescendo e levou ao surgimento das primeiras grandes marcas da perfumaria francesa: Guerlain, Pinaud, e Roger Gallet. Destaca-se, também, a Hermès, famosa na época por suas luvas perfumadas, e Molinard. Antes, em Londres, surgiram Yardley e Atkinsons. Na França, Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão, proclamou-se imperador como o tio, e assumiu o título de Napoleão III, em 1851. Esposa de Napoleão III, a requintada espanhola Eugênia provocou um retorno triunfal da moda. Ela apresentou um novo modelo para o vestir, com os ombros de fora e saiotes. Seu estilo se deve ao inglês Charles Worth, o primeiro grande criador de moda moderno, que havia emigrado para Paris. No campo das fragrâncias, a eleita de Eugênia era a casa Guerlain. Os espartilhos utilizados na época eram tão apertados que chegavam a provocar desmaios nas mulheres. Elas eram reanimadas com a inalação de sais, misturas de fragrâncias e vapores de amônia levados em charmosos frascos de cheirar, as famosas smelling bottles. A imperatriz veio socorrer as mulheres, lançando um novo estilo de perfume: Eau Impériale, uma mistura de notas cítricas e lavanda, fragrância reanimadora criada em 1861 por Guerlain. A Eau Impériale foi apresentada em embalagem de vidro decorado com o brasão dos Bonaparte: abelhas pintadas à mão em ouro. O amor de Eugênia pelas artes estimulou o desenvolvimento da perfumaria francesa.
Miss dior, 1947 Edição em cristal Baccarat reresentando o obelisco de Paris |
Nasce a indústria do perfume
Nessa época, as fronteiras da perfumaria estavam para ser ultrapassadas nos laboratórios, com a descoberta das estruturas das moléculas perfumadas, e sua posterior síntese química. As mulheres estavam mudando, celebravam a arte de viver. A Belle Époque agitou a arte, a moda e a perfumaria de 1870 até a I Guerra Mundial (1914-1918). Surgiram a luz elétrica, o telefone, o automóvel, o cinema, e a moderna arquitetura — a Torre Eiffel era erguida em Paris. Em 1900, perfumes e artigos de toalete ganharam espaço pela primeira vez na Exposição Internacional de Artes Decorativas, evento que agitou a cidade. Vieram visitantes de todos os cantos da Europa. As francesas saíram às ruas. Mulheres elegantes lotavam os cafés parisienses exalando os mais variados perfumes. Fragrâncias contendo patchuli, heliotrópio, almíscar e baunilha criavam uma atmosfera sensual. Com a chegada do século XX, Paris era a mais chique das cidades. Em cada esquina havia cabeleireiro, loja de luvas perfumadas, butiques de lingerie da mais fina qualidade. Todos os objetos de desejo estavam disponíveis para atender a uma demanda crescente, que permaneceria assim até a década de 50. A indústria do perfume se tornou sinônimo de sofisticação, e os frascos mais requintados eram feitos em cristal Lalique. Na famosa Exposição Internacional das Artes Decorativas e das Indústrias Modernas, realizada em Paris em 1925, a perfumaria francesa, já definitivamente ligada à moda, se consagrou como um rico universo a ser continuamente explorado.
Renata Ashcar é especialista em perfumes e autora do livro Brasilessência: a cultura do perfume.
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