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Vacinas e vacinações - Carlos Vogt
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Vacinas para doenças negligenciadas ganham força com parcerias
Juliana Passos e Patrícia Santos
Da doença à saúde: os caminhos dos patógenos e das epidemias
Michele Gonçalves
O que a vacina tem a ver com o que você come
Gabrielle Adabo
Novas vacinas: tecnologia e burocracia no caminho da inovação
Carolina Medeiros e Simone Caixeta de Andrade
Controvérsias em torno das vacinas
Roberto Takata e Alice Giraldi
Artigos
Panorama do desenvolvimento tecnológico em vacinas no Brasil
Akira Homma, Cristina A. Possas, Reinaldo M. Martins
Medicina de viagem e a importância no controle de epidemias
Marta Heloisa Lopes e Karina Takesaki Miyaji
Campanhas de imunização: um diálogo entre propaganda e educação
Ausônia Favorido Donato
Modelos de análise de decisão na introdução de novas vacinas
Patrícia Coelho de Soárez
Vacinas e a educação em ciência
Paulo Cunha, Verônica Coelho, Sandra Moraes, Silvia Sampaio e Daniel Manzoni
Resenha
Pegadas microscópicas
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Entrevista
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Entrevistado por Tatiana Venancio
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Reportagem
O que a vacina tem a ver com o que você come
Por Gabrielle Adabo
09/10/2014
Os hábitos alimentares mudam de acordo com a sociedade, país e até mesmo de uma pessoa para outra. Os alimentos que fazem parte da composição do prato de cada um obedecem a critérios como a cultura da culinária, a oferta de determinados alimentos na região e até mesmo convicções pessoais. No caso da carne, uma importante fonte de proteína, o consumo é bastante variado em relação à origem (boi, aves, suínos), estando presente na mesa de muitas pessoas ao redor do mundo. O produto é também parte importante da economia de diversos países, movimentando altas somas em importação e exportação. Mas para que isso ocorra, é preciso garantir a qualidade da carne. Tanto em relação ao produto a ser consumido, que pode ser vetor de doenças em humanos, quanto em relação aos rebanhos, para que sejam saudáveis e mais produtivos. Nesse processo, a vacinação exerce papel importante para garantir a saúde e o bem-estar dos animais, dos humanos e da economia dos países que dependem desse produto, como o Brasil.

De acordo com dados do relatório Agricultural Outlook, realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), no período de 2011 a 2013 cada brasileiro consumiu aproximadamente 80 quilos de carne – somados aves, bovinos e suínos – por ano. Quantidade muito superior à média mundial, de cerca de 35 quilos. A estimativa é que o consumo brasileiro ultrapasse esses 80 quilos em um período de 10 anos. O estudo prevê, ainda, que em 2023 a produção de carne mundial terá crescido 19% em comparação com o período base (2011-2013). O Brasil é apontado como o terceiro maior responsável por tal crescimento, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. A carne de aves e dos bovinos são as principais produções brasileiras na previsão, seguidas, em menor quantidade, pela de suíno. 

“No último censo agropecuário foram identificados 2.312.283 estabelecimentos que continham pecuária e/ou criação de outros animais (excluindo-se aquicultura) espalhados nos 8.514.577 de quilômetros quadrados que compõe o território nacional. A Pesquisa Pecuária Municipal aponta a existência de 211.279.082 bovinos em 2012, enquanto o último censo populacional apontou uma população de 190.732.694 pessoas em 2010. Isto é, temos 1,1 bovino para cada pessoa no Brasil, isso sem considerar as outras espécies animais”, mensura a professora de economia rural do Departamento de Zootecnia e Desenvolvimento Agrossocioambiental Sustentável da Universidade Federal Fluminense (UFF), Luiza Carneiro Mareti Valente. Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) brasileiro também reforçam a importância do país no mercado internacional – o Brasil lidera o ranking de exportação de carne bovina desde 2008. 

A qualidade passa pela vacina

Uma das principais doenças que afeta os bovinos de corte – mas também outros animais que têm casco bipartido, como suínos, ovinos e caprinos – é a febre aftosa. Nos animais, os principais sintomas indicadores da doença são as vesículas que se formam em mucosas, daí o nome da doença. O agente causador é um vírus da família Picornaviridae, gênero Aphthovirus e que possui sete sorotipos – A, O, C, SAT1, SAT2, SAT3 e Asia1. Ele é transmitido facilmente entre os animais por meio das secreções como saliva e leite, causando morte principalmente entre os mais jovens. Pode ser transmitido também aos humanos, resultando em febre alta e aftas. 

A doença pode afetar o mercado mundial de carnes se atingir a proporção de um surto, de acordo com a professora da UFF. Valente cita dados do artigo “The economic impacts of foot and mouth disease – What are they, how big are they and where do they occur?”, publicado em 2013 na revista Preventive Veterinary Medicine, “no qual estimaram que surtos de aftosa em países ou zonas livres cause perdas maiores de 1.5 bilhões de dólares ao ano”. Isso ocorre porque os grandes surtos levam os países que são compradores do alimento a impor embargos à importação de carnes. As perdas também ocorrem devido aos custos para se eliminar a doença que envolvem, entre outras ações, o sacrifício dos animais contaminados. 

“Por esse motivo, são tomadas várias medidas preventivas para evitar o surto de doenças. Para algumas doenças, a vacinação é uma dessas medidas e, por isso, sua grande importância para o mercado mundial de carnes”, justifica Valente. No Brasil, o monitoramento das doenças é feito pelo Mapa, mas, para facilitar a fiscalização, cada estado é responsável por verificar se os criadores de animais realizaram a vacinação. “A fiscalização da vacinação por parte das defesas sanitárias estaduais é uma medida de descentralização promovida pelo governo federal com o objetivo de facilitar o controle. Assim, cada estado tem como comparar o número de doses aplicadas com o número de animais existentes nos municípios e, caso haja disparidade entre esses números, a defesa sanitária se encarrega de localizar as regiões em que a vacinação não ocorreu para promovê-la de alguma forma”, analisa Valente. 

Um país pode não ser livre totalmente de doenças, mas obter o status de zonas livres de doença, por estados. Atualmente, apenas os estados de Amapá, Amazonas e Roraima ainda são considerados áreas infectadas pela febre aftosa. Os demais estados são considerados livres da doença com a vacinação e Santa Catarina é o único estado considerado livre da febre aftosa sem vacinação. “Essas zonas livres podem ser certificadas em nível internacional, o que habilita o país a exportar seus produtos de origem animal para países cujas exigências sanitárias são mais rígidas”, explica Valente.

“O controle da vacinação é feito em várias etapas da cadeia de produção de produtos de origem animal”, continua a professora. “Por exemplo, para que qualquer animal vivo seja transportado, precisa da emissão da Guia de Trânsito Animal (GTA) e, para isso, é necessária a comprovação da realização de vacinações e exames obrigatórios que variam de acordo com a espécie animal”, diz. Essa guia só pode ser emitida por médico veterinário ou funcionário do órgão oficial autorizado, de acordo com Valente. As empresas que comercializam produtos lácteos também devem apresentar comprovantes de vacinas e exames regularmente para os órgãos públicos fiscalizadores – municipais, estaduais ou federais. “As defesas sanitárias estaduais e o Mapa são partes complementares das ações nacionais de sanidade animal e, por isso, compartilham as ações necessárias. Cabe diretamente ao Mapa, por exemplo, a fiscalização e controle da produção das vacinas e medicamentos animais e a permissão ou não da importação desses produtos não fabricados no país”, completa.

Se o objetivo é a exportação, a fiscalização e habilitação das empresas também são realizadas em nível federal, pelo Mapa. “Além disso, os países que pretendem comprar nossos produtos costumam enviar missões para comprovar se as suas exigências específicas de importação (que variam de país para país e podem ser diferentes das exigências do Mapa) podem ser cumpridas”, lembra a professora da UFF. O procedimento, segundo Valente, é rotineiro e o Brasil também costuma fazer esse tipo de fiscalização ao importar produtos de origem animal ou vegetal. A União Europeia, por exemplo, certifica as fazendas que estão aptas a exportar a carne in natura. De acordo com Valente, o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos (Sisbov) foi, inclusive, criado como resposta do governo brasileiro às exigências impostas pela UE após os surtos europeus da encefalopatia espongiforme bovina – a popular doença da vaca louca. Esse sistema identifica individualmente os animais cuja carne será comercializada e contém registros de toda a vida destes, inclusive no que diz respeito à vacinação. 

Outra consequência das epidemias que atingem animais de corte se dá no comportamento do consumidor. “Os surtos podem afetar a confiança dos consumidores e das indústrias, fazendo com que decidam mudar seus hábitos de compra. Nunca é possível prever com exatidão como esses hábitos serão alterados, mas alterações são sempre esperadas”, afirma Valente. Pode acontecer, então, que a carne do animal afetado pelo surto seja substituída no prato do consumidor pela de outro animal ou que um país substitua as importações de carne de uma região por outra. A professora cita o caso da epidemia do vírus H5N1, a influenza aviária, que ocorreu entre 1997 e 2005 e provocou o deslocamento da compra de carne de aves, que era realizada tradicionalmente nos países asiáticos, para o mercado brasileiro e estadunidense. 

As doenças das aves 

A carne de aves é a mais consumida pelos brasileiros, de acordo com o relatório Agricultural Outlook da FAO e OCDE. Em seguida, no ranking do consumo, vêm os bovinos e, por último, os suínos. Entre as principais doenças que afetam as aves de corte e que podem ser prevenidas pela vacinação, o professor do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal Marcos Macari cita a doença de Marek, a bouba aviária, a doença de NewCastle, a bronquite infecciosa, a coccidiose e a doença de Gumboro. “Nos últimos anos têm sido desenvolvidas vacinas para as doenças bacterianas, em especial, a salmonela. Alguns países, como o Reino Unido, tiveram bom controle da doença em seus plantéis. Contudo, em outros países, incluindo o Brasil, existe muita controvérsia sobre a aplicação dessa vacina”, analisa o professor. 

As vacinas para essas doenças, segundo ele, são aplicadas após a eclosão dos ovos, ainda no incubatório, ou até mesmo antes. A vacinação pode ocorrer, inclusive, dentro dos ovos. O professor explica que esse procedimento é realizado por uma máquina, que também é responsável por separar os ovos férteis dos inférteis. Uma agulha penetra no ovo e deposita uma gota da vacina. As formas de aplicação das vacinas no incubatório variam – a que previne a coccidiose, por exemplo, pode ser aplicada por meio de pulverização ou em gel; a contra Gumboro é subcutânea ou aplicada por via ocular ou nasal. 

“Contudo, quando do programa de vacinação, isto é, quando as aves estão alojadas nos galpões de criação, as doses de reforço são aplicadas preferencialmente via água de bebida. Procedimentos específicos quanto à qualidade da água e jejum hídrico são observados para o eficaz controle da ingestão da água e da vacina. Corantes são colocados na água e a coloração da língua assegura que as aves ingeriram a vacina. O sistema de spray também é muito utilizado para a vacinação no campo”, explica o professor. É importante, ainda, a monitoração regular dos lotes de animais vacinados para verificar a eficácia. Macari ressalta que as empresas avícolas seguem programas de vacinação que variam de acordo com os principais desafios encontrados nos sistemas de criação. Assim, após as vacinas no incubatório há, ainda, reforços que são aplicados na fase de crescimento das aves. 

 Macari explica, também, que o Brasil está livre da influenza aviária. “O Mapa, com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), empresas privadas e demais entidades do setor avícola elaboraram um plano nacional para eventualidades de grandes surtos de doenças. O plano tem como base a compartimentação do país, a fim de que caso haja surto de doença em um compartimento, esse será totalmente isolado, e com isso haverá impedimento da passagem da doença de um compartimento para outro”, afirma. “O Plano tem suporte do Ministério e de todo o setor produtivo brasileiro. É um dos planos mais bem elaborados de todo o mundo para controle de surtos de doenças. Considerando que o Brasil é o terceiro maior produtor avícola e o maior exportador de carnes de frango em todo o mundo, atenção especial é dada a esse problema de biossegurança em todo plantel avícola nacional”.
 
Não basta vacinar, tem que fazer da forma correta

A vacinação em bovinos é importante para prevenir, além da febre aftosa, outras doenças como a brucelose, a clostridiose, o botulismo, a lesptospirose e a raiva. A forma como a vacina é aplicada, no entanto, também influencia o bem-estar do animal. No caso dos bovinos, a má aplicação da vacina pode causar, ainda, prejuízos econômicos ao produtor. “Um dos elementos importantes do bem-estar animal é sua saúde. Assim, a vacinação se caracteriza como uma forma de promover o bem-estar dos animais (mesmo que no momento da aplicação cause alguma dor ou desconforto) porque previne a ocorrência de doenças”, explica o coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (Etco) da Unesp de Jaboticabal Mateus Paranhos. 

Os manuais Boas Práticas de Manejo, Vacinação e Boas Práticas de Manejo, Vacinação Bovinos Leiteiros (disponíveis em formato e-book no site do Etco, dos quais Paranhos é um dos autores, explicam esses cuidados que envolvem desde a escolha do material de aplicação e a preparação das instalações, à forma de aplicar a vacina subcutânea. “O manual foi produzido com foco nos bovinos de corte, mas a maioria das recomendações pode ser considerada para outras espécies que recebem vacinas por via injetável. Entretanto, sempre devemos considerar as especificidades de cada animal, por isto produzimos também um manual de vacinação para bovinos leiteiros, que têm algumas particularidades que devemos ter em conta no momento da vacinação”, explica Paranhos. 

“Ao assegurar que a aplicação da vacina foi bem feita, aumenta-se a eficiência da vacinação (de forma a garantir uma boa resposta – imune – do organismo à vacina) e com isto há menor risco dos animais ficarem doentes. A aplicação bem feita reduz o risco de acidentes com animais e com os responsáveis pela aplicação, bem como do estresse que o processo de aplicação da vacina pode causar aos animais”, enumera o coordenador do Etco ao se referir aos benefícios do chamado manejo racional da vacinação. Por outro lado, a má aplicação da vacina pode gerar uma série de problemas como baixa eficiência na resposta imune que faz com que os animais não fiquem realmente protegidos contra o agente infeccioso, aumente o risco de reações à vacina como a ocorrência de abcessos e no risco da chamada contaminação cruzada que acontece quando são utilizadas agulhas ou vacinas contaminadas. Se a vacina não alcança a eficiência, o animal pode ficar doente o que resulta, segundo o professor, em perda de peso, queda na produção de leite ou até mesmo a morte. Os abcessos decorrentes da má aplicação também podem causar perdas na produção da carne, cuja porção afetada deve ser retirada da carcaça do animal abatido.