Um breve olhar sobre a história da ortografia da língua portuguesa é suficiente para que se façam duas constatações: a primeira é de que tivemos, nós países de língua portuguesa, Portugal e Brasil em particular, um número bem grande de tentativas e de reformas, em boa parte frustradas nos seus propósitos de unificação ortográfica; a segunda é de que essas reformas estiveram sempre assentadas ora sobre motivações etimológicas, ora sobre razões fonéticas nas formas adotadas para a representação na escrita dos sons da fala.
De 1911, ano da primeira reforma ortográfica em Portugal, a 2008, para valer a partir de 1o de janeiro de 2009 na ortografia da língua portuguesa no Brasil, foi uma história de busca quase constante de entendimentos projetados e pretendidos e de muitos desentendimentos obtidos e realizados.
Os anos e os séculos anteriores, considerando a relativa antiguidade de Portugal, foram marcados por períodos mais ou menos longos em que prevaleceram ora as normas de inspiração fonética, como na Idade Média, ora as de inspiração etimológica, como no Renascimento.
Entre Brasil e Portugal houve ainda períodos de maior acirramento das diferenças linguísticas, como no Romantismo, no século XIX, e no Modernismo, nos inícios do século XX, acirramento que se refletiu também nas grafias da língua que lá e cá se falava. Houve, inclusive, sinais fortes verde-amarelistas de nacionalismos que propugnavam pela existência de uma língua brasileira, mesmo que essas diferenças fossem mais ideológicas do que efetivamente sistêmicas e sistemáticas no quadro geral das dessemelhanças.
Mais recentemente, em 1990, um novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é assinado, previsto para vigorar a partir de janeiro de 1994. Depois de dois protocolos de modificação, um de Cabo Verde, em 1998, outro de São Tomé e Príncipe, em 2004, finalmente, em 2008, em 28 de setembro, o Acordo é assinado pelo presidente do Brasil, com as mudanças ortográficas nele previstas passando a vigorar a partir de 1o de janeiro deste ano.
Muito se falou dessas mudanças no país, outro tanto sobre elas se escreveu, cartilhas foram publicadas, suplementos de jornais e revistas editados, softwares desenvolvidos, opiniões contra e a favor debatidas e o fato é que a mudança aí está, agora já em repouso, para, adotada, ser entendida, compreendida, continuar a ser debatida, e seguida.
É com o objetivo de seguir debatendo essa reforma ortográfica e, ao mesmo tempo, de discutir o papel da ortografia na economia do funcionamento das línguas, em particular do português, que este número da ComCiência procura, como outros, escrever reto sobre a norma, sabendo sempre que a norma é curva, com a curvatura das convenções.
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