O Centro de Referência das Lutas Políticas
no Brasil (1964-1985) - Memórias Reveladas surgiu a partir da compreensão de
que a memória é um bem público que se encontra na base do processo de
construção da identidade social, política e cultural de um país. O Memórias
Reveladas foi criado pela Casa Civil da Presidência da República, em 13 de maio
de 2009, com o objetivo de garantir a preservação e promover a difusão de informações
contidas em acervos referentes às lutas políticas travadas no país durante o
período do regime militar. Administrado pelo Arquivo Nacional, órgão
central do Sistema de Gestão de Documentos de Arquivos (Siga) e integrante da
estrutura do Ministério da Justiça, o Memórias Reveladas vem possibilitando, de
forma pioneira na área arquivística brasileira, que sejam estabelecidas
parcerias entre pessoas físicas, instituições e entidades públicas e privadas,
integradas por intermédio de uma rede de intercâmbio de dados e informações de
interesse para o estudo do período da ditadura militar. Essa rede, denominada
“ Rede Nacional de Cooperação e Informações Arquivísticas – Memórias Reveladas”,
conta, em 2011, com 55 entidades e instituições parceiras em todo o Brasil e,
até mesmo, no exterior.
Atualmente, o acervo do período da ditadura
militar sob a guarda do Arquivo Nacional, tanto na sede da instituição no Rio
de Janeiro como em
sua Coordenação Regional no Distrito Federal, é constituído
por cerca de 17 milhões e 400 mil páginas (aproximadamente 8 milhões e 900 mil
folhas) de documentos textuais, além de 1.363 mil metros lineares de outros
tipos documentais (como, por exemplo, fotografias e mapas), 220 mil microfichas
e 110 rolos de microfilmes.
Esse gigantesco volume documental inclui os documentos
públicos produzidos e acumulados por vários órgãos e entidades integrantes do
Sistema Nacional de Informações e Contrainformação (Sisni), como são exemplos
os acervos do Serviço Nacional de Informações (SNI), do Conselho de Segurança
Nacional (CSN), da Comissão Geral de Investigações (CGI), do Centro de
Informações do Exterior (Ciex/Ministério das Relações Exteriores), do Centro de
Informações da Aeronáutica (Cisa) e da Divisão de Inteligência do Departamento de
Polícia Federal (Distrito Federal, Minas Gerais e Paraná).
Esses
arquivos estão disponibilizados para consulta, de acordo com os parâmetros
estabelecidos pela legislação que trata da matéria. Contudo, uma iniciativa como o Memórias Reveladas não poderia vir desassociada de
uma revisão crítica da legislação nacional no tocante ao acesso à informação.
Não basta garantir a guarda adequada do acervo, é preciso também promover a
difusão dessas informações. Nesse sentido, cabe destacar o Projeto de Lei nº 5228/2009
(atualmente, PLC 41/2010) que tem por objetivo regular o acesso a informações
previsto na Constituição Federal de 1988, bem como o anúncio público de que o
Ministério da Justiça está trabalhando em uma proposta de decreto específico
para o caso dos acervos do regime militar.
No final do ano passado, por proposta do
Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), órgão ligado ao Arquivo Nacional, os
governos dos estados de Alagoas e da Paraíba aprovaram decretos para a abertura
dos arquivos do regime militar, mediante cadastramento do usuário e assinatura
de termo de responsabilidade pelo uso e divulgação de informações sobre
terceiros. Atualmente, outros governos estaduais estudam a adoção de
procedimentos semelhantes, que foram adotados pioneiramente pelos estados de
São Paulo e Paraná.
Uma das principais ferramentas de integração
da Rede Nacional de Cooperação e Informações Arquivísticas é o banco de dados
Memórias Reveladas, disponível no portal do Centro de Referência, que oferece informações sobre acervos públicos
e privados referentes ao regime militar e, em muitos casos, a cópia digital dos
documentos que circulavam entre os órgãos de informação e contrainformação da
ditadura militar. O acesso ao banco de dados não exige qualquer programa
especial, apenas que o pesquisador tenha a sua disposição um computador
conectado à internet. No portal também é possível acessar e baixar conteúdo
gratuito sobre o período da ditadura militar, como livros, vídeos e
multimídias.
Até março de 2011, já foram inseridos mais
de 400.000 registros no banco de dados Memórias Reveladas. Nesse sentido, é
importante esclarecer que um único registro pode conduzir o pesquisador a um
fundo documental composto por centenas ou, até mesmo milhares, de documentos. A
alimentação do banco de dados é progressiva e o Memórias Reveladas está
presente em todas as regiões do Brasil. São centenas de pessoas que estão
trabalhando em atividades de higienização, organização, descrição,
digitalização e difusão desses acervos.
Por outro lado, prossegue, no Brasil, a
busca por documentos do período do regime militar. Basta lembrar que, em 2010,
o Arquivo Nacional recebeu cerca de 50.000 páginas de documentos do extinto
Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa). Essa documentação tinha sido dada
como destruída, a exemplo de outros acervos ainda hoje desaparecidos.
Reconhecendo também a grande importância da
documentação que não está sob guarda do Arquivo Nacional, foram firmados
acordos entre a União e os governos estaduais detentores de acervos do período
do regime militar, buscando integrar esses documentos ao banco de dados
Memórias Reveladas. Para apoiar essas atividades, foi aprovado, no âmbito da
Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) do Ministério da Cultura, o
“ Pronac Memórias Reveladas”, projeto incentivado pela Lei Rouanet na modalidade
mecenato. O projeto conta com a gestão técnica do Arquivo Nacional e permitiu a
captação de recursos para apoiar atividades de preservação, organização e difusão
de acervos das Delegacias de Ordem Política e Social (Dops) nos estados de
Alagoas, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe, Goiás,
Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Essas
ações foram realizados com recursos captados junto a Petrobras, Banco do
Brasil, Caixa Econômica Federal, Eletrobras e ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Por outro lado, com o objetivo de dar
conhecimento à sociedade das ações do Centro de Referência, bem como de buscar
informações e acervos sobre desaparecidos políticos, foi divulgada, em setembro
de 2009, a
campanha de rádio, televisão e mídia impressa do Memórias Reveladas. Produzida
pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom-PR), a
campanha foi baseada em três curtas metragens com depoimentos de familiares de
desaparecidos políticos, dirigidos pelos cineastas Cao Hamburger, Helvécio
Ratton e João Batista Andrade. Na oportunidade, foi divulgado também o número
0800 701 2441 para atendimento gratuito ao cidadão. Como resultado dessa
campanha e do Edital de Chamamento Público de Acervos, também lançado em 2009,
foram doadas ao Arquivo Nacional mais de 200.000 páginas de documentos, além de
dezenas de livros e documentos sonoros em suportes variados.
O Memórias Reveladas vem atuando, também, na
promoção e no apoio a eventos que envolvem debates e reflexões sobre os
direitos humanos e o acesso à informação pública no Brasil, como são exemplos o
Seminário Nacional Arquivos da Ditadura e Democracia e o Seminário
Internacional sobre Acesso à Informação, ambos realizados em 2010. O propósito
desses eventos foi o de discutir como ampliar o acesso a documentos do regime
militar sob a guarda de instituições públicas e privadas.
O
Centro de Referência foi convidado, em novembro de 2009, pelo Instituto de
Apoio aos Povos do Araguaia (Iapa) a participar do III Seminário
Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos - Manoel da Conceição, realizado
em Brasília-DF. Na
oportunidade, foi realizada parceria entre o Arquivo Nacional e o Iapa para que
fossem gravados depoimentos de camponeses que moram na região da Guerrilha do
Araguaia. Ao todo, foram gravadas pelo Arquivo Nacional 16 entrevistas,
totalizando mais de 20 horas de depoimentos. O material resultante é um
impressionante e comovente registro sobre a Guerrilha do Araguaia e a repressão
política no Brasil.
Outro objetivo do Memórias Reveladas é o de
valorizar a produção de estudos, pesquisas e reflexões sobre os temas de
interesse do Centro de Referência. Para tanto, foi criado o Prêmio de Pesquisa
Memórias Reveladas, um concurso bienal de monografias que utilizem fontes
documentais referentes ao período do regime militar no Brasil. Os vencedores
terão as suas obras publicadas pelo Arquivo Nacional. A edição 2010 do Prêmio
de Pesquisa Memórias Reveladas foi um sucesso, tanto pela qualidade dos
trabalhos premiados como, também, pelo grande número de monografias
apresentadas no concurso, uma sinalização do interesse de pesquisadores,
especialistas e estudantes em buscar informações sobre o período da ditadura
militar.
Da mesma forma, de abril a agosto de 2011
está sendo realizada, na sede do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, a
exposição “Registros de uma Guerra Surda”, que tem por objetivo trazer luz para
um período conturbado de nossa história recente. Ao mesmo tempo, a exposição
sugere e estimula o uso diversificado de fontes para reconstituição de fatos,
localização de informações, análise de contextos e de processos políticos e
sociais.
Todas essas iniciativas e ações contribuíram
para consolidar a posição do Memórias Reveladas como um marco no processo de
valorização e democratização do patrimônio documental público no Brasil. O
Centro de Referência promove o fortalecimento de instituições arquivísticas
públicas e privadas, transformando-as em espaços de cidadania, aptas a
receberem e difundirem os documentos públicos e privados de interesse público
sobre a ação repressora do Estado brasileiro nas décadas de 1960 a 1980. Nesse sentido,
cabe lembrar que o direito de acesso às informações públicas, como regra geral,
é um dos grandes mecanismos de consolidação dos regimes democráticos e de
prevenção à recorrência de violações maciças aos direitos humanos, em
consonância com o lema do Memórias Reveladas – “para que não se esqueça, para
que nunca mais aconteça”.
Inez
Stampa é coordenadora do Centro de Referência Memórias Reveladas e professora
da PUC-Rio.
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