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Semiótica e semiologia: os conceitos e as tradições
Por Winfried Nöth
10/03/2006

O estudo dos signos começa com as origens dos homens, pois entender e interpretar o mundo e os homens significa estudar signos. Porém, o advento da ciência geral dos signos é de tempos mais recentes. A Antigüidade grega tinha uma filosofia do signo, que era uma teoria do conhecimento humano. A Idade Média desenvolveu a sua própria “doutrina dos signos”, que culminava numa tipologia elaboradíssima dos signos. Na Renascença foram publicadas mais obras significativas sobre os signos, sob designações tais como scientia de signis ou tractatus de signis.

 

Origens dos conceitos na história da mediciana

 

Nomes específicos para designar essa ciência geral dos signos surgiram relativamente tarde. Entre eles, os termos semiótica e semiologia se firmaram como as designações mais conhecidas para a ciência do signo, às vezes como sinônimos, às vezes como rivais terminológicos. Alternativas terminológicas, tal como semasiologia, sematologia ou semologia caíram em desuso. Também caiu em desuso um antigo sentido do conceito de semiótica ligado à sinalização militar, embora, no Novo Dicionário Aurélio (edição de 1975), encontra-se ainda a seguinte definição de semiótica: “arte de comandar manobras militares por meio de sinais, e não de voz”.

 

Tanto o termo semiótica quanto o termo semiologia têm as raízes de suas constituintes iniciais e principiais nas palavras gregas semeîon, ‘signo’, e sema, ‘sinal’, ‘signo’. Tal como a gramática e a aritmética ou a biologia e a filologia, que são campos de estudos de diversas áreas de conhecimento humano, a semiótica e a semiologia, nas suas origens, são os campos de estudo dos signos e dos sinais.

 

Na sua forma neo-grega, semeiotiké, o conceito aparece, pela primeira vez, no contexto da medicina. Desde a Antiguidade, o diagnóstico médico é descrito como a “parte semiótica” da medicina. O médico grego Galeno de Pérgamo (139-199), por exemplo, classificou o diagnóstico médico como um processo de semêiosis. Aquilo que os antigos designaram como semeiótica, portanto, ainda não era a teoria geral dos signos, mas uma de suas áreas específicas, a saber, o aprendizado médico dos sintomas. Na medicina dos séculos XVII e XVIII, a forma grega semeiotica se encontrava ao lado da forma latina semiótica (desde 1490). Desde o início do século XVII, surgiram as primeiras variações do conceito de semiologia, que correspondem à mais importante alternativa terminológica para o conceito semiótica. Em um tratado latino, de 1617, C. Timpler define o ensino dos signos fisionômicos do corpo humano como semiologica ou, também, semeiologica.

 

As tradições filosóficas

 

O primeiro a aplicar a terminologia da medicina diagnóstica dentro do campo da semiótica geral, foi J. Schultetus. Em sua Semeiologia metaphysike de 1659, o autor postulou uma teoria geral dos signos para designar o ensino dos signos, que, na filosofia da Idade Média, era estudado como doctrina ou scientia de signis.

 

Em paralelo, no mesmo século, surgiu o termo semiótica para designar a teoria geral dos signos. A partir dessa tradição, ampliaram-se, nos séculos XVII e XVIII, os domínios da semiótica para uma ciência geral do conhecimento da natureza humana, denominada como semiótica moralis. Uma síntese dessa tradição da semiótica pode ser encontrada na obra de Christian Wolff (1679–1754).

 

Em 1690, John Locke, em seu Essay concerning human understanding, definiu a semiótica, sob o nome de semeiotiké, como um dos três grandes ramos dos estudos do conhecimento humano ao lado da física e da ética. Semiótica, para Locke, era um sinônimo da lógica; a semiótica deveria tratar principalmente das palavras, por serem os signos mais relevantes.

 

Também na Metaphysica (1739) de Alexander G. Baumgarten encontram-se os conceitos de semiotica e semiologia philosophica. O filósofo e fundador da estética moderna entende esses conceitos como o campo de estudo dos sistemas de signos da língua, da escrita, dos hieróglifos, da heráldica e da numismática, entre outros. Em 1764, Johann Heinrich Lambert publicou a sua obra Semiótica ou a doutrina da designação das idéias e das coisas, como o segundo volume de seu Novo organon.

 

A tradição que assim se funda para estabelecer uma ciência semiótica, reconhecida como ciência filosófica, tem sua continuidade no século IX na obra de Bernard Bolzano. Em sua Teoria da ciência (§§ 637) de 1837, o autor desenvolve mais uma teoria original do signo, sob o título Semiótica. No final desse século, em 1890, o filósofo e fenomenólogo Edmund Husserl, publicou uma das suas obras principais sob o título Sobre a lógica dos signos (semiótica).

 

Charles Sanders Peirce (1839-1914), que dedicou a sua vida inteira aos estudos semióticos, nunca usou o conceito de semiologia e não se refere à semiótica com o termo moderno inglês de semiotics. Com respeito à tradição da semeiotiké de John Locke, Peirce prefere os termos no singular, semiotic, semeiotic ou até semeotic. No plural, de vez em quando, Peirce usa o conceito de semeiotics, mas jamais a forma latinizada de semiotics. O semioticista americano Charles Morris (1901-1979) preferia a designação teoria dos signos, mas na sua obra encontra-se também a forma singular, semiotic.

 

Da semiologia saussureana à semiótica internacional

 

No século XX, o conceito de semiologia se impôs novamente a partir da obra fundamental de Ferdinand de Saussure (1857-1913), o Curso de lingüística geral, de 1916. Sem referência às tradições semióticas anteriores, o fundador do estruturalismo lingüístico definiu a semiologia como uma nova e futura ciência geral da comunicação humana, que estudaria a “vida dos signos como parte da vida social”. A base dessa nova semiologia seria a lingüística estrutural, o seu programa seria a extensão do campo da lingüística da linguagem verbal para a comunicação não-verbal, cultural e textual. Neste espírito estruturalista e trans-lingüístico, a semiologia começou a se estabelecer a partir dos anos 40 e 50 (Buyssens, Hjelmslev) e com uma fama crescente nos anos 1960 na França (Prieto, Barthes, Mounin, Greimas), no resto da Europa e na América Latina.

 

No início, o modelo lingüístico saussureano exigia que a semiologia fosse um campo de pesquisa restrito aos códigos de signos arbitrários e intencionais, por exemplo, o código dos sinais de trânsito, dos marinheiros ou dos jogos de carta. Em extensão desta semiologia, também chamada de semiologia da comunicação, surgiu um ramo complementar chamado de semiologia da significação para o estudo de signos e sinais não-intencionais na natureza e na cultura.

 

Paralelamente ao desenvolvimento da semiologia saussureana, em outros países a semiótica continuava o seu desenvolvimento de maneiras independentes sob outras influências, tal como a semiótica de Peirce (Alemanha e Brasil), de Charles Morris (EUA) ou da informática e da cibernética (Moscou e Tartu). Nessas tradições, o nome do campo de pesquisa dos processos sígnicos não era semiologia, mas semiótica de maneira que surgiram dúvidas entre os semioticistas do mundo sobre a questão se a semiótica e a semiologia eram dois campos de pesquisa diferentes ou um e o mesmo com duas designações diferentes, dependente da tradição de pesquisa.

 

Por sugestão de Roman Jakobson e com o apoio de Roland Barthes, Emile Benveniste, A. J. Greimas, Claude Lévi-Strauss e Thomas A. Sebeok, o comitê fundador da Associação Internacional de Estudos Semióticos, em 1969, decidiu que, a partir de então, o conceito semiótica seria empregado como conceito geral para definir esse campo, anteriormente designado como semiologia ou semiótica. Essa decisão tem sido seguida internacionalmente com o resultado de que o termo semiótica é hoje o nome internacionalmente mais comum para designar o campo de pesquisa dos signos, sistemas e processos sígnicos.

 

Resíduos de distinções

 

Como assuntos de terminologia, são raramente resolvidos por completo, em conferências internacionais, não é de se estranhar que sobraram uns resíduos de opiniões sobre diferenças entre os conceitos de semiótica e de semiologia, às vezes bem fundadas em sistemas complexos de teorias semióticas, às vezes também em concepções históricas hoje ultrapassadas. Um breve resumo de várias opiniões sobre o assunto é o seguinte:

(1)   Quem fala de semiótica se enquadra na tradição da teoria geral dos signos, especialmente de Charles Sanders Peirce, ao passo que os que preferem o conceito de semiologia se vêem na tradição semio-lingüística de Ferdinand de Saussure.

(2)   Enquanto a semiótica é a ciência geral dos signos, que inclui o estudo dos signos da natureza não humana, a semiologia é uma ciência humana que vai além da lingüística, estudando fenômenos trans-lingüísticos (textuais) e códigos culturais.

(3)   Em Hjelmslev, encontra-se a concepção de que a semiologia é uma metassemiótica que contém uma teoria dos mais diferentes sistemas de signos. Estes, por sua vez, são definidos como “semióticas”.

(4)   Semiótica e semiologia são sinônimos. Uma certa preferência do termo semiologia nada mais indica senão a proveniência do autor de um país de fala românica. Um argumento de purismo lingüístico, que se ouviu na França nos anos de 1970, era que o conceito de semiologia é uma melhor tradução do termo inglês semiotics para as línguas romanas e, por isso, é preferível ao termo semiótica, por um motivo puramente estilístico.

 

Semiótica e semiologia no século XXI

 

No início do século XXI, todas as distinções entre semiótica e semiologia esboçadas acima parecem coisas do passado. A semiótica internacional se desenvolveu sem as restrições propostas por aqueles que acharam uma divisão entre semiótica e semiologia necessárias. No Brasil, por exemplo, há programas de estudos semióticos, mas não de estudos semiológicos. Porém, o progresso da pesquisa feito sob o nome de semiótica não invalida aqueles feitos em décadas anteriores sob o nome de semiologia.

 

Winfried Nöth é professor de linguística e semiótica e diretor do Centro Interdisciplinar de Estudos Culturais da Universidade de Kassel, professor visitante na PUC de São Paulo, membro honorário da Associação Internacional de Semiótica Visual. Autor dos livros em português: Panorama da semiótica de Platão a Peirce (1995), A semiótica no século XX (1996), Semiótica: Bibliografia comentada (1999, com Lucia Santaella), Imagem: Cognição, semiótica, mídia (4ª ed. 2005, com Lucia Santaella), Semiótica e comunicação (2004, com L. Santaella) e Manual da Semiótica (no prelo, EDUSP) <http://www.uni-kassel.de/~noeth>.