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Reportagem
Os animais e a beleza
Por André Gardini
10/09/2006

Concursos de belezas para cães, exposições de arte produzida por primatas, onde quem define o que é belo somos nós. E será que o que é esteticamente apreciável pelo homem faz sentido para esses animais?

Para se discutir o conceito de belo entre os animais é preciso ter em mente a finalidade pragmática para eles. Diferentemente, para o homem, o belo tem um fim em si mesmo, isto é, criam-se objetos, quadros, etc apenas pela beleza.

“Só os seres humanos são capazes, graças a seu processo evolutivo, de produzir significados e, inclusive, construir uma categoria que chamamos ‘belo’”, explica Eliane Sebeika Rapchan, pesquisadora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá. Segundo ela, um campo de pensamento que é a estética, e um grande e variado conjunto de manifestações, que chamamos arte, só faz sentido porque somos capazes de abstrair e produzir signos e símbolos.

De acordo com Luiz Octávio Marcondes Machado, professor do Departamento de Zoologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), não é possível identificar se o animal percebe o belo. “O belo é muito subjetivo para estabelecermos relações” explica. Segundo o pesquisador, ao escolher uma fruta, por exemplo, o animal o faz a partir da cor, mas isso não sugere que a escolha foi feita porque a fruta é bela. “O conceito de beleza é uma característica muito cultural, sendo impossível saber o que o animal está pensando e, a partir daí, julgar suas escolhas”.

Machado, que segue sua pesquisa na linha do comportamento reprodutivo e alimentar das aves, investigando as adaptações do animal a partir de sua inserção no meio ecológico, salienta ainda que o belo, como os humanos percebem, não tem muita importância entre os animais. No entanto, destaca ser possível identificar mecanismos que garantam a sobrevivência do animal, a partir de suas características de cor, canto, peso ou tamanho e força. Tudo isso sem estabelecer relações com a beleza.

Nesse sentido, “tudo o que o ser humano faz é muito típico dele”, avalia César Ades, pesquisador do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo (USP). No caso da beleza, ficaria mais complicado estabelecer a ponte entre as atividades humanas com a dos animais. Contudo, ele destaca que “é possível estabelecer paralelos entre as atividades reprodutivas dos humanos e dos animais, paralelos que aproximem a maneira como dois seres-humanos brigam e a maneira como os animais entram em conflito, daí é possível estabelecer algumas relações”.

A tentativa de entender as relações e os conflitos entre humanos e animais não é recente. Desmond Morris, ao escreverThe maked ape (O macaco nu), em 1967,utilizou como método para explicar o comportamento humano as mesmas bases utilizadas pela biologia para explicar o comportamento dos animais. Aspectos competitivos como alimentação, disputa por territórios e reprodução são destacados como similares entre as duas espécies.Esse tipo de discussão é feita pelo behaviorismo, uma linha de estudo que busca as relações entre o comportamento humano e animal. Os nomes mais conhecidos dessa linha são Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936), John Broadus Watson (1878-1958), Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), entre outros.

A arte dos animais

Na galeria de arte de São Francisco, nos Estados Unidos, entre dezembro de 1997 e janeiro de 1998, houve uma exposição incomum. Os quadros que estavam sendo expostos foram feitos com tintas acrílicas e em lonas, por dois gorilas, Koko e Michael.


Imagem de Koko pintando. Fonte: http://www.gorilla.org

Em junho de 2005, outro fato incomum. Uma notícia publicada no britânico The Times, mostra que o chimpanzé Congo foi o único que vendeu seus quadros em um leilão. Suas três pinturas abstratas foram vendidas por mais de 14 mil libras. Congo, nasceu em 1954, e entre os anos de 1956 e 1958 criou cerca de 400 pinturas e retratos. Suas obras de arte estavam avaliadas em 800 libras, mas ao serem leiloadas por vinte vezes mais, o periódico londrino brincou: “o chimpanzé é mais bem sucedido do que alguns artistas contemporâneos do século XX”.


Untitled - By Michael (1983).
Fonte: http://www.koko.org/world/art.html


Bird - By Koko (1983). Fonte: http://www.koko.org/world/art.html

É importante notar o fato de que chimpanzés têm atividades parecidas com a arte humana”, avalia Ades, da USP. “No entanto, é impossível encontrar um mercado de arte entre os macacos”, completa, e continua: “a arte tem um valor social humano, é, no entanto, uma mercadoria como qualquer outra”. Segundo ele, essa arte praticada pelos animais tem um uso imediato e individual, ao contrário dos humanos que fazem um uso social dela.

Nos estudos de etologia ramo da biologia que estuda o comportamento animal não há nenhum indício de que o animal faça alguma coisa que o outro ache bonito”, afirma Machado. Na verdade, algumas práticas têm como finalidade última a reprodução da espécie. Machado exemplifica com o caso do pássaro-caramanchão que constrói seu ninho com coloridos diversos, não para se exibir, mas para procriar. “O próprio animal não vê isso como bonito. Sua obra não tem outra finalidade a não ser atrair a fêmea”, conclui.

Já no caso do pavão, Machado explica que a experiência científica mostra que a fêmea escolhe o pavão que tem mais ocelos na cauda, mas nada indica que essa escolha é feita pela beleza do colorido ou da geometria da cauda. “Esses ocelos proporcionaram que o pavão sobrevivesse”, explica.

Uma reportagem publicada na revista Ciência e Cultura (abr./jun. 2006, vol.58) com o título Balanço entre força e beleza na cauda do pavão, traz os resultados de uma pesquisa desenvolvida por Adeline Loyau, do Laboratório de Parasitologia Evolutiva da Universidade de Marie Curie, da França. Em um experimento a pesquisadora observou que o número e a densidade de ocelos que compõem a cauda do pavão são atrativos de grande valor para a fêmea. Em sua pesquisa, Loyau especula que as fêmeas que cruzaram com os machos com maior quantidade de ocelos na cauda liberaram mais testosterona nos ovos. “Esse poderia constituir um mecanismo adicional, aumentando as diferenças genéticas das aves”.

Para César Ades, da USP, o fato envolvendo o pavão comprova que o belo, para os animais, tem um fim pragmático, com a finalidade de atrair a fêmea e procriar. “Mas não estaria aí justamente o nascimento da arte e da apreciação pela beleza?”, questiona Ades. E continua: “não teria a arte nascido de atividades pragmáticas no passado?”. Se a resposta for sim, é possível imaginar que os animais não são tão animais, nem os seres-humanos tão etéreos.