Concursos
de belezas para cães, exposições de
arte
produzida por primatas, onde quem define o que é belo somos
nós. E será que o que é esteticamente
apreciável
pelo homem faz sentido para esses animais?
Para
se discutir o conceito de belo entre os animais é preciso
ter
em mente a finalidade pragmática para eles. Diferentemente,
para o homem, o belo tem um fim em si mesmo, isto é,
criam-se
objetos, quadros, etc apenas pela beleza.
“Só os
seres humanos são capazes, graças a seu processo
evolutivo, de produzir significados e, inclusive, construir uma
categoria que chamamos ‘belo’”, explica Eliane Sebeika Rapchan,
pesquisadora do Departamento de Ciências Sociais da
Universidade Estadual de Maringá. Segundo ela, um campo de
pensamento que é a estética, e um grande e variado
conjunto de manifestações, que chamamos arte, só
faz sentido porque somos capazes de abstrair e produzir signos e
símbolos.
De
acordo com Luiz Octávio Marcondes Machado, professor do
Departamento de Zoologia da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), não é possível identificar
se o
animal percebe o belo. “O belo é muito subjetivo
para
estabelecermos relações” explica.
Segundo o
pesquisador, ao escolher uma fruta, por exemplo, o animal o faz a
partir da cor, mas isso não sugere que a escolha foi feita
porque a fruta é bela. “O conceito de beleza
é
uma característica muito cultural, sendo
impossível
saber o que o animal está pensando e, a partir
daí,
julgar suas escolhas”.
Machado,
que segue sua pesquisa na linha do comportamento reprodutivo e
alimentar das aves, investigando as adaptações do
animal a partir de sua inserção no meio
ecológico,
salienta ainda que o belo, como os humanos percebem, não tem
muita importância entre os animais. No entanto, destaca ser
possível identificar mecanismos que garantam a
sobrevivência
do animal, a partir de suas características de cor, canto,
peso ou tamanho e força. Tudo isso sem estabelecer
relações
com a beleza.
Nesse
sentido, “tudo o que o ser humano faz é muito
típico
dele”, avalia César Ades, pesquisador do
Departamento de
Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo (USP).
No
caso da beleza, ficaria mais complicado estabelecer a ponte entre as
atividades humanas com a dos animais. Contudo, ele destaca que
“é
possível estabelecer paralelos entre as atividades
reprodutivas dos humanos e dos animais, paralelos que aproximem a
maneira como dois seres-humanos brigam e a maneira como os animais
entram em conflito, daí é possível
estabelecer
algumas relações”.
A
tentativa de entender as relações e os conflitos
entre
humanos e animais não é recente. Desmond Morris,
ao
escreverThe
maked ape
(O macaco nu),
em
1967,utilizou como método
para explicar o
comportamento humano as mesmas bases utilizadas pela biologia para
explicar o comportamento dos animais. Aspectos competitivos como
alimentação, disputa por territórios e
reprodução são destacados como
similares entre
as duas espécies.Esse tipo
de discussão é feita pelo behaviorismo, uma
linha de estudo
que busca as relações entre o
comportamento
humano e animal. Os
nomes mais
conhecidos dessa linha são Ivan Petrovich Pavlov
(1849-1936),
John Broadus Watson (1878-1958), Burrhus Frederic Skinner
(1904-1990), entre outros.
A
arte dos animais
Na
galeria de arte de São Francisco, nos Estados Unidos, entre
dezembro de 1997 e janeiro de 1998, houve uma
exposição
incomum. Os quadros que estavam sendo expostos foram feitos com
tintas acrílicas e em lonas, por dois gorilas, Koko e
Michael.
Imagem
de Koko pintando. Fonte:
http://www.gorilla.org
Em
junho de 2005, outro fato incomum. Uma notícia publicada no
britânico
The Times,
mostra que o chimpanzé Congo foi o único que
vendeu
seus quadros em um leilão. Suas três pinturas
abstratas
foram vendidas por mais de 14 mil libras. Congo, nasceu em 1954, e
entre os anos de 1956 e 1958 criou cerca de 400 pinturas e retratos.
Suas obras de arte estavam avaliadas em 800 libras, mas ao serem
leiloadas por vinte vezes mais, o periódico londrino
brincou:
“o chimpanzé é mais bem sucedido do que
alguns
artistas contemporâneos do século XX”.
Untitled
- By Michael (1983).
Fonte:
http://www.koko.org/world/art.html
Bird
- By Koko (1983).
Fonte:
http://www.koko.org/world/art.html
É
importante notar o fato de que chimpanzés têm
atividades
parecidas com a arte humana”, avalia Ades, da USP.
“No
entanto, é impossível encontrar um mercado de
arte
entre os macacos”, completa, e continua: “a arte
tem um
valor social humano, é, no entanto, uma mercadoria como
qualquer outra”. Segundo ele, essa arte praticada pelos
animais
tem um uso imediato e individual, ao contrário dos humanos
que
fazem um uso social dela.
Nos
estudos de etologia ramo da biologia que estuda o comportamento
animal não há nenhum indício de que o
animal
faça alguma coisa que o outro ache bonito”, afirma
Machado. Na verdade, algumas práticas têm como
finalidade última a reprodução da
espécie.
Machado exemplifica com o caso do
pássaro-caramanchão
que constrói seu ninho com coloridos diversos,
não para
se exibir, mas para procriar. “O próprio animal
não
vê isso como bonito. Sua obra não tem outra
finalidade a
não ser atrair a fêmea”, conclui.
Já
no caso do pavão, Machado explica que a
experiência
científica mostra que a fêmea escolhe o
pavão que
tem mais ocelos na cauda, mas nada indica que essa escolha é
feita pela beleza do colorido ou da geometria da cauda.
“Esses
ocelos proporcionaram que o pavão sobrevivesse”,
explica.
Uma
reportagem
publicada na revista Ciência e Cultura
(abr./jun. 2006,
vol.58) com o título “Balanço entre força e beleza na cauda do pavão”, traz os
resultados de
uma pesquisa desenvolvida por Adeline Loyau, do Laboratório
de
Parasitologia Evolutiva da Universidade de Marie Curie, da
França.
Em um experimento a pesquisadora observou que o número e a
densidade de ocelos que compõem a cauda do pavão
são
atrativos de grande valor para a fêmea. Em sua pesquisa,
Loyau
especula que as fêmeas que cruzaram com os machos com maior
quantidade de ocelos na cauda liberaram mais testosterona nos ovos.
“Esse poderia constituir um mecanismo adicional, aumentando
as
diferenças genéticas das aves”.
Para
César Ades, da USP, o fato envolvendo o pavão
comprova
que o belo, para os animais, tem um fim pragmático, com a
finalidade de atrair a fêmea e procriar. “Mas
não
estaria aí justamente o nascimento da arte e da
apreciação
pela beleza?”, questiona Ades. E continua:
“não
teria a arte nascido de atividades pragmáticas no
passado?”.
Se a resposta for sim, é possível imaginar que os
animais não são tão animais, nem os
seres-humanos tão etéreos.
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