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Resenhas
A cauda longa
A era das prateleiras está no fim. Variedade quase infinita das obras disponíveis na web, abre espaço para o mercado de nicho
Por Rafael Evangelista
10/09/2010

Se para você os termos como P2P e torrent são familiares; se você conhece mais ou menos bem iniciativas como Last.fm, Facebook, Twitter; se você entende pelo menos razoavelmente como funcionam os blogs, seus sistemas de comentários, a interação entre eles e seus leitores, e o sistema de anúncios que muitos usam, A cauda longa não é lá um livro muito útil. Tem uma grande ideia, que está logo no primeiro capítulo – que dá nome ao livro – mas o resto da obra é uma repetição maçante da mesma teoria principal, muitas vezes esticada para ir além do que realmente pode e parafraseada diversas vezes, em meio a alguns muito bons dados sobre consumo de obras culturais na internet. É como uma exaustiva apresentação de slides feita por um vendedor, que confunde assertividade com insistência, que até tem um bom produto para lhe vender, mas usa o cansaço como estratégia principal.

Mas há também o outro lado. Para quem está tentando tomar pé da situação, tem pouca familiaridade com esse mundo online, inclusive do ponto de vista dos novos mercados que se formam, A cauda longa é uma boa opção. A maioria dos exemplos dados vem de serviços não disponíveis no Brasil, como o Netflix (serviço de aluguel de filmes online, com disponibilidade imensa de títulos) ou Rhapsody (serviço semelhante para músicas, com taxa fixa mensal e downloads ilimitados), mas o livro os detalha bastante bem e há descrições acuradas de diversas iniciativas semelhantes, que ajudam a compreender processos importantes de produção e distribuição de conteúdo na internet.

A cauda longa não foi planejado como livro. A ideia, representada pelo gráfico acima, foi inicialmente publicada como artigo na revista estadunidense Wired, da qual Chris Anderson, o autor, é um dos editores. A curva acima seria a tal cauda longa, representando uma curva normal de vendas. Ela mostra que há alta demanda por alguns poucos produtos, os hits, situados na ponta acima; e baixa para outros, situados nos níveis inferiores. No mundo pré-internet, a única maneira de as pessoas terem acesso a esses produtos (vamos pensar em filmes e música) era indo até uma loja física. Os filmes e CDs que as pessoas poderiam encontrar ficariam na parte vermelha do gráfico, ou seja, seriam os mais vendidos. A parte amarela representaria uma demanda reprimida, ou seja, muitas pessoas até gostariam de ter acesso a outros títulos, mas esses seriam tão variados que não valeria a pena a loja mantê-los em estoque, pois a venda unitária seria muito baixa. A internet e a digitalização mudaram isso, pois seria viável aos vendedores disponibilizar uma variedade muito ampla de títulos com custo baixíssimo de armazenamento.

O processo, contudo, não se resumiria a títulos digitalizados, mas também a empresas que inovaram usando a internet para vender bens físicos, como a Amazon. Livros, até mais do que músicas e filmes, possuem uma demanda relativamente alta por variados títulos antigos e/ou pouco conhecidos que atendem certos nichos. Porém, é caro demais para uma livraria ter todos esses títulos em estoque, títulos que podem levar anos para ser encontrados por um consumidor eventualmente interessado, cuja chance de visitar a loja é remotíssima. Ao oferecer um catálogo imenso de títulos e dedicar-se a fazer o consumidor certo encontrar a obra certa, a Amazon teria sido uma das pioneiras a explorar o mercado da cauda longa.

Outro ponto importante é o efeito de realimentação da demanda que o acesso a essas obras “raras”, agora tornadas disponíveis, gera. A tendência seria de aumento da altura do rabo da cauda longa, o aumento progressivo, ainda que não superando o topo, das vendas de obras destinadas ou admiradas pelos nichos. No passado, os nichos tinham dificuldade de se expandir por simples indisponibilidade das obras.

Ao explorar essa questão, o autor entra no que seja talvez o segundo ponto mais interessante do livro, exposto no capítulo 7, “Os novos formadores de referências”. A exploração da cauda longa, a disponibilização para o consumo de uma variedade extremamente maior de bens, significaria também um imensidão de opções a serem oferecidas aos consumidores. Na era dos hits, as escolhas dos consumidores derivavam da disponibilidade e do marketing dos vendedores. Haveria um pré-filtro, feito por gravadoras, estúdios e editoras, sobre o que eles achavam que tinha maior potencial de venda, sobre o que valeria a pena investir na promoção. No momento atual, esse mundo se misturaria com o do pós-filtro, com as indicações feitas pelos consumidores para os próprios consumidores. Aí entram em cena os espaços oferecidos – pela Amazon, por exemplo – para resenhas de livros feitas pelos leitores, ou para as indicações vindas online, feitas por grupos de afinidade. O autor não comenta exatamente sobre o jornalismo, mas pesquisa publicada no início deste ano (http://www.pewinternet.org/Reports/2010/Online-News.aspx) aponta que 75% dos usuários que leem notícias na internet as recebem via email e redes sociais (e não acessando diretamente os sites de jornais) e 52% compartilham links por esses mesmos meios. O ponto é que a seleção do que ouvir e ler nesse mar abundante de conteúdo é escolhido por indicações de amigos e não de editores ou profissionais de marketing.

Do modo como Anderson coloca, a exploração e expansão da cauda longa parece um futuro inexorável, uma mudança nas condições materiais que traz por consequência transformações no mercado. Esta é uma das deficiências do livro, pois a análise soa determinista e, por vezes, ingênua. Tanto na análise da formatação do mercado do passado, em que a variedade de títulos era menor e a indústria baseava-se na exploração programada dessa relativa escassez, quanto no exame do agora, quando surgem novos atores a explorar o mercado da cauda longa (sendo o Google o maior deles, com sua venda de micro-anúncios), fica faltando levar em conta o quanto estes usam do seu poder para controlar o mercado de acordo com seus interesses. Gravadoras e estúdios, em especial, têm usado por anos sua força como grandes empresas para evitar a dispersão do mercado, controlando as cadeias de consumo e oferta de modo a obstacularizarem o crescimento de cenas culturais locais e /ou independentes. Não há razão para crer que esses atores vão cessar as tentativas de controle – restrições estúpidas e punições exageradas ao uso e compartilhamento online de músicas continuam em vigor –, ainda que agora aliados às novas corporações de mídia 2.0. Não há mercado perfeito, isento de relações de força; e ele não se mantém suspenso no ar por si, como se fosse possível fazê-lo puxando-se pelos próprios cabelos.

Como comentário final, cabe ainda uma nota negativa para a tradução. Além de  alguns erros bobos de concordância, não houve o cuidado de se optar pelo uso das palavras mais correntes no ambiente online, que muitas vezes não precisariam ser traduzidas (como download, por exemplo, traduzido para “baixa”, o que torna a leitura mais truncada).

A cauda longa
Chris Anderson
Campus Elsevier, 2006
240 páginas